ENTRETENIMENTO
Astrid Fontenelle abre o jogo sobre adoção, maternidade e menopausa: “Estou desconfiada de que o prazer volta”

Quase mil páginas separam a Astrid Fontenelle de hoje daquela que começava a ler “Um Defeito de Cor”, de Ana Maria Gonçalves, e teve sua rota profundamente alterada há quatro anos. “É o livro da minha vida”, sentenciou a jornalista e apresentadora, que acaba de lançar um clube de leitura ao lado do amigo Zeca Camargo.
Na Casa Vivo, no Dia Internacional do Livro, onde participou de um bate-papo com Joyce Pascowitch, Astrid chegou com o exemplar em mãos, gesto simbólico e que traduz exatamente o seu momento. Um presente de peso para a mediadora e amiga de longa data. O ensejo já dá o tom de alguns dos assuntos falados pelas duas em pouco mais de uma hora: a importância da cultura — setor ao qual ela se dedica há anos — e literatura de combate ao racismo.
Astrid, hoje com 64, se tornou mãe aos 48 de Gabriel, um menino negro. Atualmente, ela está à frente de “Admiráveis Conselheiras”, no GNT, um programa que celebra mulheres com mais de 60 anos ainda ativas, corajosas e abertas a novas experiências.
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Com essa sua franqueza característica e uma dose generosa de bom humor — que arrancou risos da plateia em diversos momentos —, Astrid falou ainda sobre sua trajetória na TV, relembrou desafios pessoais e profissionais, revelou a vontade de fazer um stand up em 2026 e reforçou a ideia de que nunca é tarde para retomar sonhos deixados pelo caminho.
INFÂNCIA E A INFLUÊNCIA DA TV
Nascida no Rio de Janeiro, Astrid se encantou cedo pelo colorido do “Cassino do Chacrinha”. Depois, foi fisgada pela beleza de Sônia Braga em “Vila Sésamo”. Mas o verdadeiro fascínio veio com o jornalismo, ao ver a jovem repórter Glória Maria na TV.
Glória Maria me chamava muita atenção, porque ela era diferente de todo mundo. Então eu falava que queria ser a Glória Maria quando crescesse. Ela ficava brava quando eu falava isso.
Ainda adolescente, fiquei um tempo no Rio, após minha mãe se mudar para São Paulo a trabalho. Ela me deixou morando sozinha e não prestou. Com 14 anos, repeti por faltas e ganhei ali a primeira grande lição da minha mãe que, quando viu o boletim, falou: preferia ter uma filha burra do que mentirosa. Nunca mais menti. Mesmo porque já era bolada com esse negócio porque nasci dia 1º de abril.
FORMAÇÃO E INÍCIO DE CARREIRA
Astrid se formou em jornalismo pela PUC, já em São Paulo. Lá, o professor Gabriel Priolli foi o primeiro a perceber seu talento para a televisão. Após uma breve experiência em assessoria de imprensa, recebeu uma indicação do próprio mestre para a TV Gazeta.
Quando entrei na redação, o chefe perguntou se eu falava inglês. Respondi com aquele clássico: ‘The book is on the table.’ Surgiu uma pauta no Maksoud Plaza, a coletiva de imprensa de ‘O Beijo da Mulher-Aranha’, dirigido por Hector Babenco, com William Hurt e Sônia Braga. Depois da Gazeta, fui trabalhar na Revista Imprensa, novamente a convite de Priolli. Durante uma entrevista com Fernando Meirelles sobre seu novo projeto, a TV Mix, não pensei duas vezes, olhei para ele e disse: quero trabalhar aqui, isso vai ser genial. Ele falou que eu poderia ser repórter e eu retruquei que não queria ser repórter e, sim, apresentadora. Aí ele me deu um teste para fazer, com nomes muito difíceis. Fiz o teste do meu jeito, fui fazendo graça. Nunca tive medo de errar ou confessar que não sabia. Isso me faz ser o que sou.
AUTENTICIDADE E DESAFIOS
Foi justamente essa postura sincera e aberta que a levou longe, a começar pela TV Mix, onde conquistou seu primeiro Prêmio APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte), além de outros tantos desafios da carreira. Um deles aconteceu em um dos dias mais marcantes da história recente: o 11 de setembro de 2001. Na época, apresentava um programa de entretenimento, ‘O Melhor da Tarde’, ao lado de Leão Lobo e Aparecida Liberato, na TV Bandeirantes.
No susto, eu só ia. O 11 de setembro foi muito duro, impactante. Fiquei no ar por muito tempo entrevistando inúmeras pessoas sobre o atentado, até o jornalismo da Band entender o que estava acontecendo. Foram mais de três horas falando loucamente.
Antes disso, participei das primeiras reuniões da MTV, onde decidimos até quantas máquinas de xerox seriam compradas. Foi uma experiência e tanto, inclusive no lado administrativo. Lá fiz várias coisas, inclusive, o ‘Pé na Cozinha’, que em um dia, ao vivo com a Daniela Mercury, a batata queimou de tanto que conversamos (risos). Mas hoje em dia a TV mudou demais, é presa a muitas coisas, inclusive a performance na rede social.
Vivi vários momentos desafiadores. Pedi demissão no dia em que um chefe, no ponto eletrônico, falou: ‘você é burra’. Eu tirei o ponto, coloquei na mesa, continuei o que estava fazendo até o fim do programa. Na saída, falei: você não vai me chamar de burra nunca mais. Estou me demitindo.” “Quando a direção do canal me convidou para fazer o ‘Chegadas e Partidas’, na GNT [programa que mais tarde ganharia formato de minissérie no ‘Fantástico’ e lhe renderia mais um Prêmio APCA], me mostraram as versões estrangeiras e eu chorei horrores. Enquanto isso, o apresentador holandês mantinha uma cara impassível. Falei: ‘Não tenho condição de fazer esse programa.’ E me disseram: ‘É justamente por ser assim que queremos você. Queremos uma apresentadora brasileira’.
No ‘Saia Justa’, fiquei por dez anos e dividi a bancada com nomes como Barbara Gancia, Maria Ribeiro, Mônica Martelli, e mais tarde, Sabrina Sato, entre outras. A que mais me marcou foi a Mônica. A gente viveu muita coisa juntas. Agora está na moda falar sobre menopausa, mas a Mônica tinha fogachos no ar, a gente morria de rir. Passamos pela morte do Paulo Gustavo, pela separação dela, a mudança da filha. É uma personagem riquíssima.
ADOÇÃO E MATERNIDADE
Quem acompanha as redes sociais de Astrid a vê em diversos shows ao lado de seu filho Gabriel, de 16 anos. Os dois são muito unidos. Criá-lo, no entanto, nunca foi simples, principalmente por ele ser uma criança negra.
Quando o adotei, uma revista de criança começou a me pedir muito texto. Fiz um, dois, três, no quarto falei: não é o meu perfil, mas preciso fazer um negócio, queria que meu filho fosse capa. E tenho por escrito até hoje no meu e-mail a resposta da editora. ‘Astrid, quando a gente coloca criança preta na capa a revista não vende.’ E esse é o Brasil que a gente vive.
Ensino meu filho a não se curvar. Dividimos o posto de mestre de cerimônia em um evento beneficente da ONG Desvelando Oris, que promove equidade racial e de gênero. No ensaio, ele arrasou. Falou melhor que muita gente que trabalha há anos com isso.
Nunca tive aquele despertar da maternidade, fui deixando o tempo passar. Até que, em determinado momento da vida, senti a necessidade de ter alguém direto comigo. Entrei na fila de adoção e, em dez meses, recebi Gabriel nos braços. Se pensar que gerar uma criança demora nove meses, foi quase o tempo de uma gestação.
REINVENÇÃO E MATURIDADE
A apresentadora nunca foi de ficar parada. Sempre teve um radar afiado para perceber os movimentos do mundo.
Sou muito assim. Quando vejo, já estou fazendo. Sonho com minha independência profissional, e esse passo do Clube do Livro e das Panelas que vou fazer com o Zeca é muito importante. Também quero fazer o meu stand up, mas isso vou deixar para 2026. Era para ser este ano, mas eu tenho muito medo de escrever. Queria escrever um livro também.
Depois que passa a menopausa e os primeiros sintomas, estou desconfiada de que o prazer volta. A gente precisa baixar a guarda, parar de se levar tão a sério. Já passamos da metade da vida. Não temos mais o dobro do tempo. Então, por que deixar para amanhã o que já devíamos ter feito há dez, vinte anos? Todo mundo tem um sonho guardado. Se eu fosse você, chegava em casa hoje e antes de dormir fazia uma lista: o que deixei de fazer porque era boba? Ainda dá tempo.





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