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RIO BRANCO
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ENTRETENIMENTO

Ator da Globo trocou Angola pelo Brasil e revela orgulho da família por cenas com Taís Araújo

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Licínio Januário em estreia de 'O Agente Secreto' Foto: Divulgação/@quemcalanãodorme

Ele não entra na roda. Ele escuta. O berimbau corta o barulho da rua, o pandeiro responde, as palmas se alinham. À beira do círculo, o corpo de Licínio parece quieto, mas, por dentro, tudo já joga: o olhar acompanha a ginga de quem está no centro, mede o tempo do chute, repara no peso que muda de perna, no toque do berimbau. Capoeira, ali, é observação –um exercício de ler o mundo pelos corpos, de escutar mestres que seguram não só o instrumento, mas décadas de memória.

Quando o toque o chama, ele responde com o corpo. Cada movimento é mensagem e continuidade. De Angola ao Brasil, do chão batido ao palco do teatro, Licínio Januário entende que tudo se mescla na dança.

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Muito antes de estampar as televisões brasileiras como Luciano no remake de Vale Tudo, da TV Globo, Licínio era apenas uma criança de quatro anos recomeçando a vida em Luanda, na Angola. Natural de Bié, sua família se mudou para a capital em 1995, fugindo da guerra.

Em Luanda, ele cresceu entre ruídos de um país em transição e imagens que vinham de longe — do outro lado do oceano. As novelas brasileiras e seus rostos negros, ainda raros, atravessavam a tela da televisão e ocupavam a sala da casa da família de Licínio.

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Ele conta que Taís Araújo começou a aparecer nas televisões de Luanda junto com as novelas brasileiras, de 1996 a 1997, e ele já as assistia, sem imaginar que um dia atuaria ao lado dela.

Em 2006, estimulado pela mudança da mãe para o Brasil, o ator começou a visitar o país latino. Em 2009, decidiu se mudar definitivamente. O plano era: cursar engenharia civil para seguir os passos do pai, que trabalhava no ramo. “Para reconstruir o estado que a gente nasceu”, contou ao Terra.

Capoeira e corpo

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Ao chegar ao Brasil, antes mesmo da carreira no audiovisual, veio o corpo em movimento. “A engenharia civil ficou lá nos primeiros cinco anos e a capoeira está comigo até hoje. São 16 anos de Brasil, são 16 anos de capoeira também.”

Seus mestres de capoeira são guias de quase duas décadas. Ele treina, em média, três vezes por semana. A filosofia do jogo, do equilíbrio, do corpo em roda, acabou moldando também o artista que ele é diante da câmera.

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“Cheguei aqui com a capoeira e com a minha visão, tendo um corpo preto de fora, fui observando outras coisas, fui crescendo, fui me formando quanto cidadão aqui também”.

Esse corpo –negro, angolano e estrangeiro– é o eixo a partir do qual ele lê o Brasil e decide como se posicionar nele. Foi da capoeira que ele entrou no teatro. E do teatro que alcançou a televisão, o cinema, o streaming. A filosofia de vida, portanto, vem da prática.

“Escutar o movimento, escutar os mais velhos, escutar a minha geração e, a partir disso, contribuir.”

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“Para mim, é tudo questão da relação entre eu, meu corpo, transmissão de mensagem e o público. Então, a forma que eu me relaciono com o público é a mesma relação que eu estou olhando para a câmera. A câmera tem que representar o público. Então, tenho que jogar essa mesma energia, tenho que fazer com que a mensagem chegue ao público. Tudo que eu faço é teatro.”

Durante a gravação de Vale Tudo, não só levava o teatro para o estúdio, como também levava a novela para o palco. “Toda quinta-feira, a gente recebe o roteiro da semana. Porque a gente vai gravar a partir da segunda que vem até o sábado. Várias vezes eu fui pra sala de teatro, eu fui pra sala de ensaio, para ensaiar exaustivamente como eu faço no teatro. Eu vou com o corpo”, explica.

Entre Angola e Brasil

A carreira de Licínio é atravessada pela condição de imigrante. Metade da vida em Angola, metade no Brasil. O resultado é uma identidade que paira entre dois lugares.

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“Os dois [públicos] ficam confusos. E eu acho isso super compreensível. Eu estou aqui há metade da minha vida. Toda minha carreira foi feita aqui. E as pessoas me conhecem e me acompanham desde meu primeiro espetáculo”, que confessa que muita gente se surpreende ao descobrir que ele é angolano.

“Eu tenho feito bastante personagens angolanos, com histórias completamente diferentes. Mas eu fiz vários personagens daqui também. A galera fica meio confusa. E, em Angola, é engraçado. Eu nunca trabalhei lá como ator. Mas, quando eu fiz o Segundo Sol, boom. A Angola toda disse: ‘Caraca, tem um ator angolano’.”

“Ser um artista angolano no Brasil é um exercício de escuta e troca. Eu não venho para representar uma ideia de África, mas para lembrar que há muitas Áfricas, muitas histórias e muitas formas de existir sendo negro. O Brasil me deu o espaço que eu precisava, mas também me deu um lugar para me enxergar e me transformar”, afirma.

Essa pluralidade aparece nos personagens que ele escolhe, e em como os prepara. Em O Segundo Sol, ele se viu espelhado no irmão mais novo. Em Vale Tudo, puxou da experiência do mundo corporativo, do cunhado, head de empresa, dos amigos angolanos exaustos de jornadas intensas.

“Em ‘How to Be a Carioca’, eu estava com 20 kg a mais. Eu falei: ‘Cara, sou meu pai!”

Licínio faz parte de uma geração de artistas e cineastas negros que tem reconfigurado o audiovisual brasileiro, ocupando espaços em frente e atrás das câmeras. Como aprendeu com a capoeira, só chegou aqui por causa do trabalho de outros mestres que vieram antes. Entre as referências, trabalhar com Taís Araújo foi uma espécie de dobra no tempo.

“A primeira coisa que me bateu foi minhas tias vendo ela. Desde que eu era novo, observei minhas tias vendo a Taís como referência”, conta.

Um olho no Brasil, outro no mundo

Além de ator, Licínio é fundador da Wolo, produtora dedicada a projetos sobre identidade, diáspora e ancestralidade africana.

O próximo movimento é a expansão internacional. “No Brasil, acho que falta potencializar essa troca com a África. Trazer mais atores de Angola, levar mais atores para lá, levar produtores. Fortalecer não só o campo artístico, mas o campo cultural em outras frentes.”

Entre gravações e novos projetos, ele se prepara para produções com estreia prevista para 2026, incluindo colaborações fora do país.

“Daqui a pouco a gente vai para o Oscar [com O Agente Secreto]. Eu estou lá. A Angola está lá, comigo e com a Isabél Zuaa”, comemora.

Na produção protagonizada por Wagner Moura, Licínio Januário dá vida a um angolano exilado no Recife durante a ditadura militar brasileira.

 

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