ENTRETENIMENTO
“Cornas no topo”: por que Shakira teria vergonha da exposição se foi Piqué quem errou?
Diz o ditado que “quem nunca foi corno nessa vida, um dia será”. O “chifre” é tema de música há muito tempo, já que cantar sobre o “amor” (ou a falta dele), embala diversas gerações.
Pode até ser engraçado e render tuítes que prometem hitar, mas a infidelidade tem feito mulheres reféns mesmo antes do Twitter decidir discutir sobre monogamia. Porque vai além de ser infiel ou não, é sobre valores, lealdade, respeito e responsabilidade emocional.
Mais recentemente, a cantora Shakira, 45 anos, tem dado o que falar após a separação do ex-jogador Gerard Piqué, 35. Isso porque ela foi traída pelo ex, que assumiu relacionamento com Clara Chía, de 23 anos.
O assunto tomou outra proporção (para nossa alegria), quando a cantora divulgou sua mais nova música, intitulada “Shakira Bzrp Music Sessions 53″, produzida pelo DJ Bizarrap.
O single já está no topo das plataformas digitais e por um motivo especial: nele, Shak expõe o término, tudo que Piqué fez para magoá-la e ainda debocha do ex no melhor estilo “Loba” (referência de uma de suas músicas, diz respeito a uma mulher deusa, impactante) que nossa rainha conhece bem.
Você me fez ter a sogra como vizinha/Com a imprensa na porta e devendo à Receita Federal/Você achou que me machucou e eu fiquei mais forte/As mulheres não choram mais, as mulheres faturamdiz um trecho.
Não bastasse Shakira ter lidado com os repetidos vacilos do ex-jogador, ela ainda passou a ser criticada pela “exposição exagerada” dos bastidores do fim do casamento. Com isso em vista, levantamos a discussão: por que Shakira deveria se envergonhar de expor seus sentimentos, os abusivos que sofreu, se foi Piqué quem não agiu coerente diante dos acordos que tinha com a parceira?
E o fato de levar a amante na casa em que dividia com a esposa e os filhos, não seria também vergonhoso e exagerado?
A verdade é que tanto Shakira, quanto os outros exemplos, têm usado o poder da música para falar de seus sentimentos e, de quebra, expor abusos que atravessaram suas vidas. Porque o fato é que a tal vergonha não deveria ser feminina, como quase sempre acontece, mas sim dos homens que saem sempre impunes.
Autora “De Olhos Abertos” e psicanalista, Manuela Xavier enumera os danos que uma relação tóxica provoca e refuta a ideia de que Shakira não deveria ter “se exposto” — vale ressaltar que Piqué foi quem a expôs em público.
“Uma relação abusiva como foi o caso da Shakira e da Miley [Cyrus] causam danos que custam no bolso. Quantas mulheres não estão aí gastando rios de dinheiro em procedimentos estéticos para que os maridos não as traiam. Gastam rios de dinheiro em terapia para resolver depois os danos psicológicos que ficaram de uma relação abusiva. Quantas mulheres não gastam dinheiro com viagens, fazendo surpresas para salvar uma relação? A gente precisa falar que custa dinheiro estar em uma relação abusiva. Fora os danos que ficam de baixa autoestima”, analisa Manuela.
Ruth Manus, advogada, escreve que Shakira é porta-voz de outras mulheres. “Minha conclusão é: ‘amiga, se jogaa. Fala mesmo. Tem tanta mulher nesse seu coro. Tanta mulher que foi traída dentro da própria casa. Tanta mulher que deixou de dizer coisas em nome de uma relação decente com o ex”, diz.
A advogada ainda pondera que Piqué e outros homens acabam saindo impune dessas situações, logo estão por aí se relacionando enquanto mulheres são “doutrinadas pelos bons modos”.
“Tem tanta história h0rr*rosa que não é contada em voz alta. Tem tanto perdão tácito a homem que não merece. Tem tanto sapo que se engole em nome dos filhos. Tem tanta, tanta mulher em silêncio, tentando deixar pra trás um episódio, dois episódios, vinte episódios de quebra de confiança”.Ruth Manus
Ela não é a primeira!
A expressão “Cornas no topo” tomou conta do Twitter na última semana. Além da cantora colombiana, a popstar Miley Cyrus também resolveu contar ao mundo como era seu casamento tóxico com Liam Hemsworth.
Em “Flowers”, ela dá indiretas sobre comportamentos controversos do ex, diz que é “boa demais” para ele e mostra que não precisa de mais ninguém, pois é suficiente.
Quem fechou a trinca de “cornas” (no melhor sentido da palavra) foi SZA, que carinhosamente é conhecida como a “Alcione dos EUA” e esteve no TOP3 do Spotify Global com “Kill Bill”.
SZA é uma artista negra que tem ganhado bastante visibilidade por conta de suas letras dolorosas na medida certa. Ela canta sobre Solidão da Mulher Negra, dor de cotovelo e tudo que embala os embates amorosos. (Ai, gente, até eu que nem tenho razão para sofrer me acabo com a queen).
Se a gente voltar um pouquinho em 2016, vai observar que Beyoncé fez algo parecido com o “Lemonade”. O álbum, claro, não é somente sobre as supostas traições do marido Jay-Z, mas é fato que o grito da mulher traída está presente em vários momentos.
“Este é o seu aviso final/Você sabe que te dei vida/Se você tentar essa merda de novo/Você vai perder a sua esposa”, canta Bey em Don’t Hurt Yourself (tradução livre).
Aqui no Brasil, um bom exemplo é a eterna Marília Mendonça, que tem o título de “Rainha da sofrência” e não é à toa. Marília canta de forma popular sobre as dores e sofrimentos de mulheres: sejam elas traídas, amantes, infiéis.
Quem não canta a famosa “Infiel”? “Eu quero ver você morar num motel/Estou te expulsando do meu coração/Assuma as consequências dessa traição?”. Todas nós, sem julgamento, temos espaço nas canções da sertaneja.
Exposed funciona?
Camila Rufato Duarte, advogada, idealizadora do “Direito Dela” e líder do Comitê de Combate à Violência Contra a Mulher do Grupo Mulheres do Brasil JF, ainda lembra que a história é parecida com a de Luana Piovani.
A atriz tem exposto os ruídos com o ex-marido Pedro Scooby na criação dos filhos. A gente já discutiu como a briga pública pode influenciar na saúde dos filhos dos dois, mas é inegável que o exposed tem se tornado uma maneira de chamar atenção quando nada mais funciona.
“É sobre esse silenciamento de mulheres, sobre o quanto elas são punidas por isso (pela exposição), mas a gente tem que naturalizar e incentivar que não continuem caladas. É isso que a sociedade patriarcal quer fazer conosco”
Manuela Xavier, psicanalista, comunicadora e escritora, é dona do livro “De olhos abertos”, “um convite para a conscientização coletiva sobre o abuso nas relações amorosas, gerando conhecimento necessário e empoderamento feminino”
A autora, através de suas redes, faz um trabalho com mulheres. Nesse post, por exemplo, Manu pondera sobre a demora que temos em entender que estamos em uma relação cilada. “O relacionamento abusivo não começa com um tapa. O feminicídio é o último ato de violência de uma relação baseada em ciúme excessivo, chantagens, mentiras, desprezo, insultos, agressões físicas, verbais, psicológicas e sexuais”.
Shakira tem todo o direito de falar, até porque não foi ela quem errou. Quem deve ficar pianinho é Piqué, que nem isso está fazendo. No fim, a vergonha não deve ser nossa e, se for para ser “corna”, que seja no topo!