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ENTRETENIMENTO

Da periferia ao título de mestre: a trajetória de aluno que viralizou ao se formar ao som de Racionais

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“A educação é um ato de resistência”. É assim que Marcos Fernando da Silva Junior, de 34 anos, descreve o que o incentivou a se tornar mestre em Engenharia Mecânica. Nascido no interior do Rio Grande do Sul, o vídeo da graduação dele, de 2017, voltou a viralizar nos últimos dias. Na ocasião, ele recebeu o diploma ao som da música A Vida é Desafio, dos Racionais MC’s.

“Sou um menino jovem, negro, periférico, de origem humilde, pobre. Sempre tive bastante dificuldades durante minha trajetória até me formar”, conta Marcos. Ele relembra o começo de sua jornada no SENAI, por meio do projeto “Novos Horizontes”. Este programa tinha como objetivo integrar jovens em situação de vulnerabilidade, fornecendo-lhes oportunidades para um futuro melhor. Na época, ele também cursava o Ensino Médio.

“Não havia muitas oportunidades em meu bairro. Não via uma representatividade que realmente pudesse me inspirar ali. Tu via muito mais coisas que te levavam para um caminho errado com facilidade do que realmente ter acesso a algo que faça tu prosperar”, diz Marcos, que foi criado no município de Rio Grande, no bairro São Miguel.

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O engenheiro mecânico conta que seus pais desempenharam um papel muito importante em sua jornada, proporcionando-lhe o apoio e o estímulo necessários para correr atrás de uma educação superior e escapar das limitações de sua realidade na periferia. E, quando adolescente, ele encontrou um caminho para isso no SENAI, onde aprendeu sobre mecânica e resolveu que queria seguir a profissão de engenheiro mecânico.

Graduação e mestrado

Formado pela Universidade Anhanguera de Rio Grande (RS), Marcos relata que se graduou através do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), um programa do Ministério da Educação destinado a financiar a graduação na educação superior.

No entanto, ele enfrentou muitos desafios ao cursar uma instituição de ensino particular, o que o levou a uma realidade completamente distinta da sua origem humilde e periférica. Enquanto perseguia seu sonho educacional, ele relata que se deparou com um choque cultural.

Esse contraste contínuo entre sua vida e a dos colegas de classe o deixava em constante reflexão sobre como era difícil conciliar o estudo e o trabalho. Ao Terra, ele afirma que a jornada de equilibrar ambos era desafiadora, envolvendo sacrifícios, incluindo longas jornadas que começavam às 5 da manhã para trabalhar, seguidas por horas na universidade e a espera pelo transporte público até tarde da noite.

“Eu consegui ser aceito na universidade federal também, só que no momento eu não tinha como estudar lá porque o curso era durante o dia. E durante o dia eu trabalhava, então eu não conseguia. Ou eu parava de trabalhar ou eu estudava. Não tinha como deixar de trabalhar, eu não tinha dinheiro para o básico. E aquele clima da universidade particular era completamente fora da minha realidade. Eu presenciei pessoas que gastavam, por exemplo, em uma festa, o que eu ganhava no mês inteiro”, relata.

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O engenheiro também relata episódios de racismo e conta que enfrentou dificuldades práticas, como as lutas diárias para acessar o transporte público. Para contornar essas situações, ele teve que desenvolver suas próprias estratégias de sobrevivência, aprendendo a escolher horários específicos e estratégias para garantir sua segurança e retorno para casa.

“Eu sempre notava o olhar diferente, sabe? Do tipo: ‘O que ele está fazendo aqui?’. Quem sofre sabe que é um jeito de te excluir, de te deixar de fora de algum jeito, de te oprimir. Eu lutei contra isso no meu interior todo tempo. Por exemplo, quando eu saía da faculdade, eu tinha que pegar ônibus. E eu moro no Rio Grande do Sul, um dos estados mais racistas do país, e aí, dependendo do horário, o ônibus não parava pra mim. Se eu estivesse sozinho na parada, não parava. Eu posso afirmar que eu sofri na pele muita coisa e ainda sofro até hoje. É uma coisa que machuca muito”, destaca.

A música ‘A Vida é Desafio’, dos Racionais MC’s, escolhida por ele para tocar em sua colação, fala sobre o preconceito e as desigualdades sofridas por pessoas pretas e das comunidades periféricas no Brasil. De acordo com Marcos, a letra tem ligação com sua trajetória.

“Esse é um dos motivos da música dos Racionais na minha colação. Porque foi um pouco da minha trajetória. A música foi um grito para expor aquela situação. Eu consegui, mas eu batalhei muito para isso, e quero que outras pessoas possam conseguir de forma mais igualitária. Imagina quantos pretos não têm a oportunidade de se formar? Eu nunca tive muitas oportunidades, mas todas que eu tive eu abraçava como se fossem a única. Porque, infelizmente, era essa a minha realidade”.

Após a graduação, Marcos fez mestrado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Continuando a trabalhar e estudar simultaneamente, ele enfrentou mais desafios acadêmicos e pessoais. No entanto, Marcos se sentiu um pouco mais acolhido pelo fato de seu orientador no mestrado também ser negro, o que lhe proporcionou uma representatividade que ele nunca havia tido antes.

“Durante a minha graduação eu tive um professor negro. Eu tenho quase 30 anos de estudo e eu tive dois ou três professores negros. Aí tu pensa: ‘Quantos professores negros passaram por esses jovens? Quanta representatividade o jovem negro deixou de ver, de ter, de inspirar? Por não ver ali uma pessoa como ele? Às vezes, é isso que falta”, afirma.

Racismo no mundo corporativo

Depois de se formar, Marcos continuou a lutar para ingressar na área profissional de sua escolha. Mas, ele também enfrentou preconceito e a falta de representatividade em entrevistas de emprego. “Eu já tinha feito graduação, mestrado, cursos técnicos e outras formações, mas ainda enfrentava barreiras para entrar no mercado de trabalho”, diz Marcos.

Ele conta que mesmo com suas capacitações, percebeu que, muitas vezes, sua aparência física era mais notada do que suas habilidades técnicas.

“Quando se é preto, tu pode se arrumar bem, tu pode se vestir bem, pode falar bem, tu pode ter uma boa capacitação, mas só que tem uma barreira ali, velada, que eu percebo até hoje. Passei por diversas entrevistas e, infelizmente, não consegui nenhuma para trabalhar na área. Tem recrutadores que reparam em tudo, menos nas suas capacitações. Ainda tem gerente que pergunta: ‘e esse cabelo aí?’. E você pensa, caramba, porque ele não olha meu currículo. Não são minhas características físicas que importam, mas sim a capacidade técnica, intelectual”, destaca.

Diante desses obstáculos, Marcos optou por abrir sua própria microempresa, especializada em móveis industriais. Ele tem como objetivo alavar seu negócio e, um dia, conseguir criar oportunidades para jovens que enfrentam dificuldades semelhantes às que ele enfrentou.

“Claro que eu ainda gostaria muito de trabalhar em uma grande empresa. Mas, hoje, eu já tenho uma outra visão. Já que não abriram as portas para mim, eu quero que um dia eu consiga expandir minha empresa e abrir portas para outras pessoas”.

Educação como ato de resistência 

Marcos destaca a importância da educação como um ato de resistência. Ele acredita que a educação é a chave para mostrar ao sistema que os jovens periféricos estão vivos, lutando e comprometidos em transformar o país.

Para ele, a falta de oportunidades para a juventude em comunidades periféricas é um problema crítico. De acordo com o engenheiro, à medida que as opções de lazer e atividades extracurriculares diminuem, os jovens se veem presos em um ciclo de expectativas limitadas. Isso cria uma sensação de inevitabilidade, onde muitos jovens sentem que nasceram destinados a um futuro de desvantagem, que pode incluir prisão ou morte devido à influência do ambiente que os cerca.

“Quando essas crianças pretas não tem acesso à educação, lazer e cultura, não conseguem encontrar nada ali que vá fazer ter expectativa de ter uma vida diferente dos que já estão ali perdidos. É como se tu nascesse em uma ratoeira, porque parece que tu já nasce num lugar condenado a ser aquilo dali, como se fosse um carimbo. Então a educação é a mudança, é a nossa resistência. Eu acho que é através dela que a gente um dia vai conseguir sair dessa realidade que hoje muitos jovens periféricos enfrentam”, finaliza.

Através de sua própria jornada educacional, ele busca ainda promover projetos de inclusão também para pessoas com deficiência. Seu trabalho de conclusão de curso (TCC) em automação foi direcionado para a criação de uma bancada automatizada, projetada para se ajustar às necessidades das pessoas com deficiência. Marcos planeja divulgar esse trabalho para angariar fundos e continuar a desenvolver o projeto.

 

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