ENTRETENIMENTO
Luiz Bertazzo destaca contexto social das séries ‘Betinho’ e ‘Notícias Populares’
Os últimos meses de 2023 foram de relevante visibilidade para o ator Luiz Bertazzo. Ele fez parte do elenco de séries elogiadas por crítica e público.
Exibida no Canal Brasil, ‘Notícias Populares’ apresenta um recorte da história do jornal mais polêmico do país. Havia drama e comédia no sensacionalismo impresso naquelas páginas de onde “escorria sangue”, como se dizia na época.
A produção pode ser vista agora no Globoplay, mesma plataforma que hospeda ‘Betinho – No Fio da Navalha’, a respeito do sociólogo, ativista político e idealizador da campanha ‘Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida’.
Em ‘Notícias’, Bertazzo vive o jornalista Luna, dedicado à cobertura do movimento sindicalista e também colunista de cinema que só elogia o que gosta. Seu personagem em ‘Betinho’, o engenheiro e economista Carlos Afonso, foi grande amigo do protagonista e nome imprescindível para a implementação da internet no Brasil.
Em conversa com o blog, o ator comentou a importância do contexto das duas produções, com a abordagem de temas sempre urgentes, como a luta pela democracia e a qualidade de vida de portadores do vírus HIV.
Interpretar um personagem real gera mais responsabilidade e apreensão ao ator? Teme comparações da parte de quem conhece Carlos Afonso?
Com certeza, interpretar um personagem histórico, biográfico, me coloca em um lugar de atenção, como por exemplo, quando ouvi que o Carlos Afonso odiava cigarro, e um dia tinha um cinzeiro cheio de bitucas na mesa da personagem. Tinham deixado passar essa informação, e pedi para a equipe de arte tirar. Isso é um detalhe, talvez ninguém nem reparasse, mas para mim são essas pequenas coisas que compõem o todo. O Carlos Afonso é um homem muito reservado, então não é como se tivesse cheio de imagens dele por aí para fazer uma avaliação se fiz parecido, por isso não me preocupo com as comparações. Me preocupei em homenageá-lo do meu jeito, em recriar de maneira afetuosa a linda relação de amizade que ele teve com Betinho. Toda vez em que eu estava em cena, nem pensava em atuar numa mimese perfeita, mas em honrar a história desse grande homem que, entre tantas coisas, trouxe a internet para o Brasil.
Tem memórias do Betinho vivo?
Quando Betinho faleceu eu tinha 12 anos, era muito criança. No ensino médio, estudava numa escola progressista e tínhamos aula de MPB, e quando analisamos a música O Bêbado e a Equilibrista, a frase “irmão do Henfil” veio forte para a turma, foi quando ouvi falar de Betinho e seu irmão a primeira vez. Lembro de ter ficado encantado com o cartunista, e de minha mãe, que era professora na mesma escola, me contar sobre o Betinho e os exilados da ditadura.
A gravação da série o deixou mais conectado às principais pautas ligadas ao legado de Betinho, como a luta contra a fome e suporte aos portadores do HIV?
Sem dúvidas, a luta contra a fome sempre esteve em meu radar. Mas por eu ser um homem gay, e a questão do HIV ser uma cicatriz na nossa comunidade, eu me emocionei muito com essa parte da história. Estar ali fazendo um personagem que lutou junto ao Betinho e ao (também sociólogo e militante) Herbert Daniel para o tratamento chegar no Brasil, foi um dos momentos que em que mais me orgulhei de estar nesse projeto. Foi por conta desse movimento, que agora eu ajudo a remontar historicamente, que nossa comunidade passou a enxergar um novo horizonte cheio de esperança. E hoje, o avanço da medicina faz com que o vírus deixe de ser um atestado de óbito, como era naquela época. A maneira como nossa série conta esse momento pode ajudar muita gente a vencer a sorofobia e a desinformação. Vale lembrar que o HIV não é um vírus que afeta apenas a comunidade gay, e que por conta do preconceito, ele está hoje em dia muito mais presente dentro das relações heterossexuais.
Sobre a série Notícias Populares, como analisa as reações conflitantes que o jornal despertava? Acha necessário a imprensa mostrar o ‘mundo cão’ ou é melhor ignorá-lo?
Bom, um dos grandes sucessos de 2023 foi o documentário sobre o jogo do bicho no Globoplay (Lei da Selva), que escancara sem pudor o mundo cão que é a vida dos bicheiros. Eu acho que sempre haverá cobertura para todas as pautas e de várias formas, algumas mostrando graficamente a violência como fazia o Notícias, outras refletindo filosoficamente ou de maneira analítica as grandes crises sociais, como fazem alguns podcasts que ouço toda manhã. Não consigo cravar uma resposta para essa pergunta, mas ignorar algo que está presente e atirando na sociedade, não me parece uma solução. Eu particularmente prefiro a análise do que a exposição do sangue no meu dia a dia.