Imagina a seguinte situação: você está em um barzinho, tomando uma cervejinha gelada, comendo um petisco aqui, outro ali, e curtindo uma música ao vivo. De repente, você se empolga e resolve ir para frente do palco cantar e dançar. Quando você “dá fé”, vê um sapatinho de bebê balançando pendurado na guitarra do músico que se apresenta com a banda. Com certeza, você pensaria: “acho que a bebida já está fazendo efeito”. Talvez até estivesse mesmo, mas não por causa do que viu.
O guitarrista em questão que sacode o público acompanhado de dois sapatinhos azuis com o solado branco é Thiago Ferreira da Silva, mais conhecido no mundo artístico acreano como Thiago Love, da Banda Solo. O papai de primeira viagem tem 33 anos e trabalha com música desde os 13, quando resolveu se apresentar nas noites de Rio Branco para ganhar um dinheirinho. A paixão pela guitarra, por sua vez, surgiu ao ver alguns familiares tocando o instrumento. E quando ele viu que poderia descolar um trocado fazendo o que estava gostando, Thiago ficou mais empolgado ainda e pensou: “quero isso para minha vida”.
Hoje, com 20 anos de carreira, vê toda a trajetória que enfrentou com muito orgulho. Mas o que faz seu coração pulsar mais do que a música tem nome, e é composto: Anthony Gabriel. O menininho de apenas dois anos recebe o amor incondicional do pai, que afirmou nunca ter se visto como tal.
“Eu sempre ajudei na criação dos meus primos, sempre estava lá como como exemplo por ser o mais velho da família. Eu sou o primeiro filho, primeiro neto, primeiro sobrinho, eu vi todos os meus primos, irmãos crescerem, mas eu nunca me vi na função de pai exatamente”, disse.
SAPATINHO DE BEBÊ
Aliado ao que gosta de fazer, que é de se apresentar como músico, Thiago resolveu pendurar, em seu instrumento de trabalho, uma correntinha que retirou de uma chupeta que o filho nunca usou, e amarrado a ela, o primeiro sapatinho que o bebê usou quando recém-nascido. Segundo ele, a intenção era de carregar consigo algo que o lembre, 24 horas por dia, que tudo que ele faz é pensando no filho.
“Quem tem filho, eu vejo que eles geralmente penduram algo (da criança) dentro do carro. Como eu não tenho carro, me deu a ideia de colocar na guitarra. Por onde eu for, eu vou estar lembrando meu filho o tempo todo, e ele vai estar ali comigo. Eu tenho muito mais ciúme desse sapato do que da própria guitarra”, falou.
E o ciúme é tanto que mesmo com a guitarra na manutenção, ele tirou o objeto e o colocou no instrumento provisório.
“É uma forma de homenagem, né?! De eu estar próximo dele, de lembrar que eu saio de casa motivado por uma pessoa, de lembrar que qualquer coisa que me aconteça, que possa dar errado no palco, que eu me chateie com algo, basta eu olhar para o sapatinho e lembrar que eu estou ali por alguém. O profissionalismo que eu aprendi a ter, hoje realmente é 100% motivado e inspirado no meu filho”, destacou.
A inspiração no pequeno, refletido no objeto, acaba despertando a curiosidade das pessoas que, inevitavelmente, perguntam o porquê de os sapatinhos estarem pendurados na guitarra. Ainda de acordo com Thiago, ele nunca foi alvo de piadas por conta disso. Pelo contrário, o público acaba interpretando como um gesto de amor e carinho. “Ficam apontando, acham engraçado, acha bonito, acha legal e eles realmente me perguntam o porquê isso. Eu geralmente falo: ‘ah eu tenho um filho, e esse aqui é o sapatinho, o primeiro sapatinho que ele usou’”, disse.
“O NUTRIENTE DA MINHA ALMA É A MÚSICA”
Indagado sobre o que a música representa para ele, que começou com um “violão ruim” aprendendo o repertório da Banda Calypso na infância, Thiago Love enfatizou que não tem como explicar a paixão em fazer o que faz há duas décadas.
Mesmo diante de incontáveis obstáculos os quais teve de enfrentar, de muitos “nãos” e mesmo cantando uma noite e acordando cedo com sono para ir à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag), local onde trabalha na parte diurna na área de Tecnologia de Informação (T.I) para complementar a renda, o desejo em continuar na música fala mais alto, mesmo com o dinheiro das apresentações não suprindo todas as necessidades de uma família.
“A música é algo maior na minha vida. Palavras pra poder te explicar realmente eu não vou ter. Tipo, por que você almoça? Porque você precisa de alimento diário, ou seja, seu corpo precisa de nutrientes. O nutriente da minha alma, do meu espírito, do meu coração, do meu corpo, eu posso dizer que a música. Se Deus deixa você sonhar assim, é porque ele sabe que você tem capacidade de continuar”, destacou.
“VOCÊ PODE FAZER COISAS GRANDES ATRAVÉS DA MÚSICA”
Thiago disse o filho já está pegando gosto pela guitarra, ao ponto de pular no colo dele e ficar vidrado assistindo o pai tocar. “Eu não vou impor nada a ele, se ele vai querer seguir os passos na música ou não, vai ser decisão dele, mas eu preciso mostrar pro meu filho que a música é uma coisa muito boa. Você pode fazer coisas grandes através da música. Você pode conquistar pessoas, alcançar suas realizações. Você pode ser lembrado como um bom músico, um bom profissional, o cara que mudou a história da vida de alguém”, pontuou.
O “guitarrista do sapatinho de neném pendurado”, como é carinhosamente apelidado pelas pessoas, disse que ainda tem muitos sonhos para alcançar, mas que já se sente muito realizado com um relacionamento estável de 10 anos com a esposa Regina Leite, e por ter conseguido concretizar muitos desejos de colaboração musical e de ser reconhecido no cenário local. Mas no checklist de coisas a serem feitas antes de morrer, uma coisa se destaca: comprar um carro. O motivo? Pendurar outro objeto do filho no retrovisor interno. O sapatinho ele já adiantou que não vai ser.
“Quem tem carro, sempre tem alguma coisa pendurada no espelho, tem uns que tem um chaveirinho, um terço, alguma coisinha e eu como eu não tenho carro, coloco na guitarra. Mas eu acho que se eu comprar um carro, o sapatinho não vai, vou ter que arrumar outra coisa”, disse, rindo.