ENTRETENIMENTO
Paulinho Mocidade conta história de hit do caju e diz que é raro ‘furar a bolha’ com samba-enredo
Era um dia comum no Rio de Janeiro quando Paulinho Mocidade entrou no carro rumo à quarta das cinco reuniões necessárias para criar o samba-enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel para o carnaval deste ano. O clima era diferente. A música já estava quase pronta e os letristas animados. Ao chegar lá, ele ficou surpreso ao ser recepcionado pelo amigo que gritava da varanda: “Paulinho Mocidade, chegou a hora!”.
O anfitrião animado era Marcelo Adnet, humorista que assina o samba-enredo “Pede caju que dou… Pé de caju que dá!” com Paulinho e outros seis compositores. A brincadeira do artista parecia um prenúncio do que estava por vir. De lá para cá, eles venceram a disputa pelo samba do carnaval na escola, arrebataram a comunidade da Vila Vintém e chegaram ao primeiro lugar entre as músicas virais do Rio de Janeiro no Spotify antes mesmo do desfile.
Ao Terra, Paulinho Mocidade contou um pouco mais sobre a emoção de ganhar uma disputa de samba-enredo na verde e branca 32 anos depois do sucesso avassalador de Sonhar não custa nada… ou quase nada, que virou uma espécie de hino da escola mesmo sem ter levado o título em 1992.
O músico ainda compartilhou os detalhes do processo de composição da música de 2024, falou da parceria inédita com Marcelo Adnet e refletiu sobre a importância de ter um samba-enredo do carnaval carioca ocupando o topo das paradas do Spotify e ultrapassando nomes do mainstream, como MC Cabelinho, Filipe Ret e Anitta.
Retorno com pé direito
Paulo Costa Alves já fazia parte da ala dos compositores da Mocidade Independente de Padre Miguel quando, em 1990, estreou como puxador da agremiação, termo usado para definir nada mais que o responsável por ‘puxar’ o samba-enredo durante todo o desfile com o auxílio de cantores de apoio.
A ‘responsa’ assumida por ele veio com todos os louros de uma função com tanto peso. Logo no ano de estreia, ele foi campeão do carnaval carioca com o enredo Vira virou, a Mocidade chegou. Para provar que não era apenas ‘sorte de principiante’, ele também levou o primeiro lugar no ano seguinte com a canção Chuê, chuá… As águas vão rolar.
Mesmo não conquistando o tricampeonato, ele emplacou Sonhar não custa nada… Ou quase nada em 1992, momento que considera “épico” na história da escola de samba. O currículo invejável como compositor e puxador da verde e branca não foi o suficiente para manter Paulinho na agremiação.
Naquele ano, ele sentiu a necessidade de apostar em projetos pessoais e até produzir para outras escolas. “Saí de lá, fui contratado por outras agremiações como a Unidos da Tijuca, a Imperatriz Leopoldinense onde me tornei tricampeão na Sapucaí, Beija-flor e algumas outras”, relembra.
Mocidade de coração e até de nome artístico, Paulinho não ficou muito tempo longe da escola: “Foi um afastamento ‘entre aspas’, né? Cheguei a desfilar algumas vezes nesse período e voltei em 2004 para compor samba novamente. Cheguei a duas finais: em 2015, quando o carnavalesco Paulo Barros veio para cá, e em 2017”.
Mesmo com o hiato de 32 anos entre seu último samba-enredo campeão e o de 2024, ele faz questão de dizer que sempre esteve “por ali”. “O negócio é que não adianta você ser semifinalista ou vice-campeão por 10 vezes seguidas, você tem que ser campeão. Esse é o samba que vai para a avenida, para as plataformas digitais e que chega na galera”, explica.
Com quantas mãos se faz um samba?
Este ano Paulinho terá a alegria de ver uma canção sua ser entoada novamente na Marquês de Sapucaí pela Mocidade no dia 12 de fevereiro. A obra Pede caju que dou… Pé de caju que dá! é o quarto trabalho do artista a ganhar uma disputa de samba-enredo. Ele assina a parceria com Diego Nicolau, Marcelo Adnet, Richard Valença, Orlando Ambrósio, Gigi da Estiva, Lico Monteiro e Cabeça do Ajax.
Diferente de Sonhar não custa nada… Ou quase nada, assinado pelo músico junto a outros dois compositores, no samba do caju ele conta com sete parceiros. Para Paulinho, o aumento expressivo na quantidade de letristas em um samba só é uma prática recente no carnaval.
“Na década de 1970 até o início dos anos 2000, os sambas-enredo geralmente contavam com uma parceria de até quatro compositores no máximo. Porém, hoje em dia, com uma disputa tão acirrada, as alas de compositores foram abrindo as portas para quem quisesse chegar”, observou.
Se existe um limite máximo para a quantidade de ‘mãos’ em uma letra só, isso só as escolas podem responder. “Tem escola que regula a quantidade máxima, outras não…Tem parceria hoje que chega até a 15 compositores! É uma coisa absurda, mas para os dias de hoje funciona”, opina.
No entanto, ele garante que a lista extensa de parceiros para a canção de 2024 foi mais do que acertada. “No nosso caso, fiquei muito feliz com as minhas parcerias para esse samba-enredo, todos são ótimos letristas”, elogiou.
Paulinho ainda conta que ficou surpreso com o talento do humorista Marcelo Adnet, estreante na Vila Vintém. “Ele tem uma veia musical fantástica, é um ‘senhor’ compositor. A gente pensa que ele só tem esse lado de ator, mas ele é um baita letrista”, pontuou.
Processo criativo
Mesmo com oito artistas destacados como compositores do samba-enredo, Paulinho Mocidade garante que não existiu desentendimento ou bagunça durante a composição. Pelo contrário, o processo foi gostoso e contou com muita sintonia.
“Essa parceria foi muito democrática. Sentamos ao redor de uma mesa e fomos desenvolvendo juntos. Cada um tinha uma frase, cada um escreveu um refrão que batia com o que já estava no ‘miolo’”, comentou.
Isso porque os letristas já tinham muito claro na cabeça o conceito da canção. Eles queriam transformar o enredo sobre a fruta brasileira em uma história bem-humorada que fervesse o barracão da verde e branca e, se tudo desse certo nas seletivas, a Marquês de Sapucaí.
“A gente quis fazer um samba diferente de todo mundo. Um samba que fosse uma brincadeira séria, um pouco chacota, sacana, com uma parte sexual e com dois refrões para cima para chamar o povo”, afirmou Paulinho Mocidade. Um exemplo disso são os versos “O puro suco do fruto do meu amor” e “Se a polpa é desse jeito, imagine a castanha”.
Com toda a afinidade do grupo de compositores, o samba estava quase pronto na quarta reunião da equipe. A não ser por um problema. Um pedacinho da segunda parte da letra não parecia ‘casar’ muito bem com a melodia. O incômodo não foi sentido apenas pelos autores, mas também por parte da agremiação.
“Nesse meio-tempo, tivemos uma reunião com o carnavalesco e a comissão de carnaval da escola. Quando chegamos lá, o carnavalesco apontou exatamente o que já sabíamos: isso podia melhorar. Nos deram uma outra chance e fomos para a nossa quinta reunião, na casa do Adnet, para fecharmos o samba em uma resenha legal”, lembra.
Para o trecho que precisava melhorar, a ideia final foi do humorista. “O Adnet teve uma sacada de brincar com a melodia e falar da Tarsila do Amaral e do Debret”, revelou Paulinho Mocidade. Na hora, o nome da pintora pareceu encontrar a melodia de um jeito perfeito e todos tinham a certeza: era isso que faltava.
Os versos finais acabaram ficando “Tarsila pinta a sanha modernista / Tira a tradição da pista / Vai, Debret, chupa essa manga” e Paulinho explica o motivo da escolha do pintor francês: “O ‘Debret chupa essa manga’ é uma brincadeira porque a manga é uma fruta maravilhosa, mas o caju que é genuinamente brasileiro. Então fizemos essa sátira aí”.
Com o trabalho finalizado, a emoção dos compositores tomou conta do lugar. “Quando fechamos o samba, começamos a cantar… foi um delírio! Na hora pensamos: está fechado, terminamos o samba”, afirmou.
Emoção arrebatadora
Quando chegou a hora de mostrar o trabalho para a comunidade, a emoção tomou conta não só dos autores, mas de todo o barracão da verde e branca. “A cada apresentação nossa, a quadra cantava mais. Os componentes da bateria tocavam com cada vez mais alegria. O ritmista, quando quer aquele samba, faz uma corrente positiva na bateria que avisa: o samba é esse”, contou Paulinho Mocidade.
Nascido e criado em Bangu, lugar onde abriga sua escola do coração, o artista admite observar com atenção as reações da comunidade para tentar acertar o que vai emocionar mais no barracão. Por esse motivo, ele e o grupo de compositores do samba campeão pensaram em uma tática para levantar a galera antes da apresentação.
“Tivemos uma sacada. Começamos puxando o ‘Sonhar não custa nada’, um samba antológico que escrevi. A galera chorava na quadra. Naquele momento, o torcedor podia até estar com a cabeça em outro samba, mas começava a pensar em torcer para a gente”, relembra.
A ‘sacada’ deu certo e a intuição positiva de Paulinho sobre o samba-enredo se confirmou em 14 de outubro do ano passado. A canção “Pede caju que dou… Pé de caju que dá!” ganhou a disputa na Mocidade contra outras três obras concorrentes na final.
Viral que furou a bolha
Quase três meses depois que o samba-enredo ganhou a seletiva, Paulinho e os outros sete compositores da obra tiveram uma surpresa: a canção atingiu o primeiro lugar entre as músicas virais do Spotify, no Rio de Janeiro.
A emoção da Vila Vintém ao escutar o samba foi compartilhada com milhares de pessoas ao redor do Brasil e do mundo, e a performance da faixa impressionou até quem apostava no sucesso dela. “A cada dia, temos uma resposta do público no Brasil e no mundo. Esses dias recebi um aviso de que o samba da Mocidade estava tocando no Aeroporto de Nova Iorque, imagina?”, contou Paulinho Mocidade.
Para o músico, o acontecimento é um marco não só para a Mocidade, mas para toda a história dos sambas-enredo. “De 15 anos para cá, embora o carnaval seja a maior festa de rua do planeta, o sertanejo, o rap e o funk tomaram conta de tudo, e esse mercado de sambas-enredo foi encolhendo. Apesar da festa ser enorme, o áudio do que é cantado ali perdeu terreno”, explicou o motivo da importância do feito.
Paulinho ainda continuou: “Tem gente que não escuta o samba antes, pega o flyer com a letra e aprende o samba na hora do desfile. Mas ver o samba na boca do povo com antecedência como esse da Mocidade está sendo raro nos dias de hoje.”
Saindo das plataformas de streaming, Paulinho Mocidade garante que a escola de samba furou a bolha também no olho a olho. No ensaio técnico no último dia 7 de janeiro, nem os problemas com o carro de som e atrasos puderam conter a animação do público.
“Saí pela pista e vi, mesmo com os problemas técnicos que tivemos, as arquibancadas cheias cantando o samba da Mocidade. Era 23h de um domingo! Fiquei abismado. Na hora do refrão foi uma loucura, uma coisa inexplicável”, se emociona. Antes mesmo de desfilar na avenida, o samba do caju já é o mais puro suco de carnaval.
A Mocidade Independente de Padre Miguel vai ser a primeiro escola a desfilar na segunda-feira de carnaval, dia 12 de fevereiro.
Ouça samba-enredo da Mocidade: