ESPORTES
Erros de Diniz, show de Cano e um torcedor ‘pé-frio’
João Henrique Capdeville acorda bem cedo na quarta-feira em São José dos Campos, no estado de São Paulo. O corretor imobiliário, que também é músico, cantarola o hino do Fluminense, o clube do coração, enquanto se desloca até a rodoviária da cidade. Embarca no ônibus às 8h. O objetivo é assistir ao jogo válido pela fase semifinal da Conmebol Libertadores entre o Tricolor e o Internacional, no Maracanã. Ele vai se encontrar com casal de amigos advogados, Pablo Aragão e Mariana Soares, ambos de 29 anos. João é um ano mais velho do que os dois.
Antes de encontrá-los, o corretor-músico marca no começo da noite na estação de metrô Largo do Machado, na Zona Sul do Rio, com um amigo de longa data. Vou chamá-lo de Nelson Andrade, pois essa figura pediu para que não fosse identificada com o verdadeiro nome, pois é tímido na maioria das vezes, porém, nas partidas do Flu torna-se quase um louco desembestado. Andrade não vai ao Estádio Jornalista Mario Filho desde março de 2020. Na pandemia, Nelson ficou recluso em apartamento na Zona Oeste por quase dois anos. Nelson viveu do valor médio de uma rescisão e, depois, se sustentou com os chamados trabalhos temporários. Quando tomou a quarta dose da vacina contra a Covid-19, já recebeu a quinta dose até o momento, passou a trabalhar fora de casa normalmente. Nelson é revisor de textos. Não tem um horário fixo e por causa de uma certa ansiedade criada com multidões (aglomerações) deixou de frequentar o Maracanã. Não viu in loco nenhum jogo do Flu há mais de três anos. Vários colegas, tricolores ou, principalmente, torcedores de outros times, tiram sarro dessa situação. Nelson acompanha tudo, mas dos aparelhos de TV do escritório ou do apartamento. Enfim, o revisor de texto com ansiedade voltou a encarar a multidão do Maraca na quarta à noite, dia 27, popular ontem.
João e Nelson se encontram na estação Largo do Machado, e embarcam rumo ao Maracanã. Com o vagão lotado de torcedores gritando ‘NENSE!’, eles conversam sobre a Libertadores de 2008, competição em que o Flu brilhou mas ficou com o vice-campeonato, perdendo o título para a LDU, do Equador. Os dois camaradas vão ao encontro de Pablo e Mariana, que já esperavam nos arredores do estádio na Zona Norte carioca.
O quarteto, então, vai até o setor sul da arquibancada do Mario Filho. Os quatro observam que existem papéis soltos nos assentos. De um lado desses papéis, existem instruções para um mosaico, como, por exemplo, o momento certo para erguê-los para formação do desenho ou da mensagem, que deve aparecer apenas quando o time entrar em campo. Do outro lado dos papéis, nenhum detalhe e apenas uma cor. Exatamente o lado que forma os benditos mosaicos.
Nelson, sempre ranzinza, discute com alguns. Ele precisou ficar em pé no assento para enxergar o gramado, pois estão todos assim. Além disso, um torcedor do Fluminense tenta ficar em pé na mesma cadeira em que está Nelson.
A partida
Enfim, os jogadores entraram em campo, numa partida que prometeu. Foi um senhor jogo apesar dos equívocos do treinador interino da seleção e de várias falhas defensivas, principalmente do Tricolor.
Cheirinho
O técnico do Fluminense armou quase o mesmo time que enfrentou o Olimpia. Foi um 4-2-4 ontem à noite, com o acréscimo do lateral Marcelo, que não marca quase ninguém embora seja craque. A equipe ficou exposta. Fernando Diniz resolveu repetir o time que amassou o Olimpia. No entanto, existem diferenças. O Inter tem meio-campo técnico e não fica marcando apenas no último terço do campo. O Colorado fez pressão na saída de bola, e dificultou tudo para o Fluminense.
Mesmo assim, o Fluminense achou um gol. Jhon Arias roubou a bola na intermediária, e foi até a ponta-direita cruzar. John Kennedy protegeu e tocou rápido para Cano. O que aconteceu? Chute de primeira e forte no canto. Flu 1 a 0.
Nelson, João, Pablo e Mariana comemoraram muito. Os mais de 67 mil torcedores do Flu no Maracanã explodiram de alegria. O estádio ficou com cores dominantes como branco, verde e grená. Nelson abriu sorriso pensando que não seria chamado de ‘pé-frio’, apelido que o pessoal do trabalho de Nelson quer colocar (e colocou) nele. Pôxa! Ele estava no gol de barriga do Renato no dia 25 de junho de 1995. Na época, Renato era Gaúcho, pelo menos para os cariocas, e não Portaluppi. Ele estava na grande vitória sobre o Boca Juniors na partida de volta da semifinal da Libertadores de 2008. Ele estava na estreia do Romário no Flu em 2002. O Baixinho fez três gols. Pé-frio?!? Nãooooooooo.
O Fluminense estava sem um meio-campo compacto. André jogou sozinho como volante. Ganso sempre tocou muito bem a bola, armando de forma acima da média as equipes, porém, tem dificuldades de compor rapidamente o setor. Nelson reclamou e repetiu várias vezes que Alexsander deveria ser titular. Ele tem razão, mas a repetição das ideias tornou meu personagem um chato. João, Pablo e Mariana são muito tolerantes com Nelson Andrade.
O Fluminense passou sufoco com o buraco no meio-campo, pois Arias, Cano, JK e Keno não conseguiram fechá-lo. Ganso muito menos, e o talentoso Marcelo deveria estar na criação e não do lado esquerdo da defesa. Mesmo assim, Cano deu uma de lateral-direito duas vezes marcando. Além disso, armou jogadas para os companheiros. Numa delas, acertou passe milimétrico para Keno, que desperdiçou chance clara de gol.
O Flu mostrava deficiência de marcação e nas bolas aéreas. Já o experiente Felipe Melo fez a maior das besteiras. Pisou na bola na grande área tricolor. Quem salvou como um quarto-zagueiro foi Paulo Henrique Ganso. O ‘muito educado’ Nelson Andrade soltou impropérios por três minutos. Até os dirigentes se mostravam fortes e decepcionados.
Em determinado momento, o lateral-direito Samuel Xavier tomou um injusto cartão amarelo. Logo depois, outra falta e mereceu amarelo. Como o árbitro se equivocou no primeiro, acabou expulsando Samuel em entrada dura. O Tricolor estava com um a menos. Nos acréscimos da primeira etapa, Arias cobriu o setor de Samuel Xavier. Não deu certo. Renê cruzou e o lateral Hugo Mallo empatou. Falhas de Keno e Marcelo. Precisava de Keno dentro da própria área do Nense? Marcelo tem, de maneira urgente, ser adaptado ao meio-campo.
A partida – parte 2
Fernando Diniz, com o Fluminense com um a menos, fez três substituições no intervalo. Entraram Alexsander (em um mundo justo, é titular), Ganso e John Kennedy. Mesmo com um a menos, o Tricolor pressionava, mas o Inter virou o jogo com Alan Patrick. 2 a 1. Pablo e Mariana olhavam incrédulos para João e o ranzinza Nelson. Esse último seria realmente pé-frio?
O time de guerreiros não desistiu e, em um escanteio, Nino ajeitou de cabeça para o rápido Cano. O poder de reação do artilheiro argentino é inacreditável. 2 a 2. CANO É UM MONSTRO, COM 35 GOLS NO ANO!
Mesmo com um jogador de linha a menos, o Fluminense foi melhor. No entanto, Fernando Diniz escalou mal a equipe, pois o Internacional tem meio-campo envolvente. O jogo terminou mesmo empatado. A missão é difícil no jogo de volta em Porto Alegre, mas nada é impossível.
O quarteto saiu esperançoso. Pela manhã dessa quinta-feira, João Henrique retornou para São José dos Campos. Pablo e Mariana pediram bênção a João de Deus. Nelson Andrade sonhou com o triunfo que levaria à final da Libertadores no Maracanã. Aliás, ele ficou com fama de pé-frio, pé gelado, mesmo.
Agora, somente resta aos tricolores acreditarem em triunfo na partida de volta da fase semifinal da Libertadores. E nada de ideias negativas, pois o jornalista e teatrólogo Nelson Rodrigues dizia que ‘o pessimismo no futebol é insuportável’.
Abraços boleiros.