ESPORTES
Lactante consegue autorização da Justiça para assistir aulas remotamente: ‘Estou ali por todas’
Os desafios da maternidade são muitos. Gestar, parir, passar pelo puerpério, amamentar e cuidar de outro ser. Karênina Alves da Silveira, de 35 anos, passou por tudo isso, mas não esperava que o acesso à educação seria um dos obstáculos que enfrentaria nesse período. A estudante do 6ª semestre de Direito, de Brasília, precisou acionar a Justiça e, enfim, conseguir uma autorização para acompanhar as aulas da faculdade de maneira remota.
Ao descobrir que estava grávida da segunda filha, decidiu não trancar o curso que faz no Instituto Presbiteriano Mackenzie, após ir a um evento da OAB de Brasília e ver a vice-presidente amamentando a filha enquanto moderava o encontro. “Aquilo pra mim foi o ápice, sabe? Então eu falei: eu vou continuar”, relembra.
Durante a sua gestação, conseguiu assistir às aulas online, mas foi durante o pós-parto que a situação se complicou. Ela procurou a faculdade a fim de saber como poderia proceder e foi informada de que o semestre funcionaria em um Regime Especial de Frequência, no qual faria exercícios que substituem suas faltas. Ao final do semestre, faria uma prova, igual a todos os outros alunos.
“Garante a sua matrícula, você não reprova por falta, mas não tem acesso à educação em si. Como eu vou fazer prova se não tenho o conteúdo? Como eu vou fazer uma prova de OAB, se meu semestre foi em regime especial de frequência? As coisas não se conectam, não têm lógica”, afirma Karênina.
A justificativa da instituição, segundo a aluna, era de que faltava a liberação do Ministério da Educação nesse caso.
Período difícil
Ela enfrentava uma série de percalços durante o período de puerpério. Apesar de ter uma rede de apoio forte, composta pelo marido e a mãe, Karênina lidou com dificuldades para amamentar, pois tinha hiperlactação, além da candidíase mamária e o baby blues, um transtorno emocional em que a lactante apresenta fragilidade emocional.
“A dificuldade da amamentação é uma coisa muito dolorida. Eu tive que fazer uso de antidepressivo, porque eu não estava suportando, porque é a dor da carne, né? Então, eu passei por vários processos, vários estágios de sofrimento, de busca de ajuda profissional. Enquanto isso, eu estava matriculada. Por quê? Porque o fato de eu tirar um tempo do dia para eu estudar, sabendo que eu estava matriculada, me fazia sentir viva. Era o momento que eu saía do mundo materno e que eu me encontrava com a Karênina profissional e estudante”, explica.
Ela relata que no momento em que ia estudar, seus seios precisavam ficar livre para que não ficassem abafados e pudessem cicatrizar. Em casa, é possível que isso ocorra, mas dentro da faculdade não. A lactante relembra quando precisou ir para a instituição fazer uma prova, onde um dos professores a deixou esperando por pelo menos 1 hora, isso tudo, com a bebê no colo e com dor nas mamas.
Alguns colegas até tentaram ajudá-la, buscando apoio junto a coordenação do curso. Um deles, em específico, chegou a ouvir: ‘se ela está tão insatisfeita, por que não tranca a matrícula?’. A estudante aponta que tudo isso feriu, de alguma maneira, a sua dignidade, justamente pela falta de empatia e acolhimento por parte da instituição. Além de tudo, nem sempre os professores colocavam as materiais na plataforma online.
Acalento na Justiça
Cansada da busca por respostas e de tentar se adequar a situação, Karênina decidiu procurar a Justiça e entrou com um pedido de liminar para conseguir a autorização de acompanhar as aulas online. Em contato com a advogada Lenda Tariana, entrou com uma ação na Justiça do Distrito Federal em agosto.
Em 1ª instância, o pedido foi negado por uma juíza. “O que ela escreveu foi de uma pobreza franciscana. Ela escreveu que se eu não estivesse satisfeita, eu poderia ir procurar outra universidade. Foi uma decisão muito fria. Quando eu vi que tinha saído na mão de uma juíza, fiquei muito esperançosa. Mas isso é completamente o oposto”, diz a estudante.
Ela recorreu da sentença, em 22 de agosto, o desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), Fernando Antônio Tavernard Lima, concedeu a liminar garantindo que Karênina acompanhasse o 6º semestre da faculdade de maneira remota, de modo que a Faculdade Presbiteriana Mackenzie disponibilize meios para que ela tenha acesso ao conteúdo das aulas. Caso a medida não seja cumprida, a instituição deverá ser multada.
“Apesar de todo o desrespeito sentindo nos semestres passados e nesse, essa decisão alimentou minha alma. Foi quando eu pensei: ainda vale a pena continuar estudando”, enfatiza. Agora, ela deseja que isso possa ser uma realidade para todas as gestante e lactantes do país.
“Eu tive a condição financeira de ingressar com uma ação que não é barata, mas eu fiz isso não pela Karênina, fiz isso porque eu sei o que é ser gestante, qual é a dificuldade. Eu sei o que é uma lactante. Então, faço isso por todas. É uma luta, e eu sinto essa luta dentro de mim. De fato, eu não quero que outras mulheres passem pelo que eu passei. Estou ali por todas”, finaliza.
Com a palavra, Instituto Presbiteriano Mackenzie
“A FPMB assegura que segue as legislações normativas do Ministério da Educação (MEC) sobre quaisquer situações que possam vir a acontecer. No caso em particular, a lei 6.202/1975 permite que gestantes, a partir do 8º mês, possam continuar o curso em regime domiciliar – determinação cumprida pela instituição, que se dispôs a prestar todo o apoio necessário a estudante. No entanto, a mesma norma não permite a realização de graduações 100% remotas para os cursos de Direito em todo o país.
Os robôs utilizados foram adquiridos durante a pandemia de Covid-19 para somar à infraestrutura da faculdade durante esse período e disponibilizar as aulas em situação condicionada pela quarentena. Ao findar dessa circunstância, os mesmos dispositivos não puderam continuar sendo utilizados para este fim, conforme indicações do MEC.
Agora, com o entendimento e amparo dado pela decisão em 2ª Instância, a Faculdade cumprirá a determinação da Justiça com serenidade. A FPMB fica satisfeita de poder ajudar a aluna e seguirá oferecendo todos os cuidados necessários à condição de lactante, o que condiz com seus valores.
A FPMB reitera seu compromisso com a inclusão e a promoção de um ambiente acadêmico agradável e íntegro a todos.”