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Vini Jr. perde Bola de Ouro e aumenta jejum do Brasil; Rodri leva prêmio
Vini Jr. perdeu a Bola de Ouro, premiação da revista France Football ao melhor jogador do mundo. Apesar do favoritismo, o craque brasileiro viu o volante espanhol Rodri, do Manchester City, ser consagrado como o principal atleta da temporada 2023/2024 e ficou com a segunda colocação.
A vitória do camisa 7 do Real Madrid era dada como certa após a final da Liga dos Campeões, quando o atacante brilhou e levou o clube espanhol ao 15º título da principal competição do futebol europeu. O brasileiro também foi destaque na campanha vitoriosa da La Liga. Não à toa a notícia da derrota, que vazou no começo da manhã desta segunda-feira, 28, causou surpresa e levou o time a cancelar a viagem para Paris, na França. Em protesto, o Real, eleito o melhor clube da temporada, não compareceu à premiação.
“Eu farei 10x se for preciso. Eles não estão preparados” — Vini Jr.
Poucos minutos após o fim da premiação, Vini Jr. usou as redes sociais para desabafar, mas garantiu que não desistirá de continuar lutando. Mas uma de suas maiores lutas –dentro e fora de campo– é contra o racismo. Neste ano, a Justiça espanhola registrou duas condenações a torcedores por ataques racistas contra o jogador.
Com a derrota de Vinicius Jr., o Brasil aumenta o jejum de vitórias do Bola de Ouro para 18 anos. Ronaldo (1997 e 2002), Rivaldo (1999), Ronaldinho Gaúcho (2005) e Kaká (2007) foram os únicos brasileiros a ocuparem o topo da lista. Mas, em 2015, a France Football publicou uma “revisão” dos vencedores por causa dos anos em que a premiação só contou com a participação de jogadores europeus e anunciou prêmios honorários para Pelé (1958, 1959, 1960, 1961, 1963, 1964 e 1970), Garrincha (1962) e Romário (1994).
O bom desempenho na temporada 2023/24 também fez com que Vini Jr. se tornasse o primeiro brasileiro artilheiro pelo Real Madrid desde Ronaldo Fenômeno. Em 2005/06, o ex-camisa 9 anotou 15 gols em 27 jogos (média de 0,56 gol por jogo). Agora, 18 anos depois, o craque revelado pelo Flamengo fez 24 gols em 39 jogos (média de 0,62 gol por jogo).
Com oito Bolas de Ouro, Lionel Messi é o maior vencedor da premiação. O craque argentino foi premiado em 2009, 2010, 2011, 2012, 2015, 2019, 2021 e 2023. O português Cristiano Ronaldo foi consagrado como melhor do mundo em cinco oportunidades: 2008, 2013, 2014, 2016 e 2017.
‘Vinizinho’ x Vini Jr.
Como um garoto que cresceu em uma das regiões mais perigosas e pobres do Rio do Janeiro se tornou o Vini Jr. do Flamengo, do Real Madrid, da Seleção e, agora, um dos melhores jogadores do mundo?
Em Porto Rosa, bairro de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Vinícius José Paixão de Oliveira Júnior é o Vinizinho para aqueles que dividiam o campo com o atacante em 2012. Para os brasileiros e o resto do mundo, Vini Jr., um dos melhores jogadores da atualidade.
O local onde Vinizinho cresceu segue o repertório dos subúrbios cariocas: otimismo e bom humor tentam aliviar as mazelas sociais decorrentes da histórica desigualdade que marca o Brasil. No Rio, em especial, a geografia evidencia tamanha disparidade. Separados pela ponte Rio-Niterói estão São Gonçalo, região de menor renda per capita do Estado, e os bairros da Zona Sul, com o metro quadrado mais caro do País.
Antes da Copa do Mundo de 2022, o Terra visitou o bairro onde o camisa 7 começou a sua trajetória no futebol. As ruas de Porto Rosa são repletas de homenagens ao filho mais ilustre da região. A sensação era que todos ali traziam consigo alguma história para contar do jogador e não demorou muito para percepção se comprovar verdadeira.
A Escolinha do Fla, no bairro do Mutuá, tem centenas de fotos e troféus que ilustravam a potência de Vini Jr. Foram sete anos sob o comando de Carlos Eduardo, o Cacau, seu técnico na escolinha.
“Era diferente, era diferente de tudo que eu já vi”, lembra Cacau, sobre as impressões ao ver o menino em ação pela primeira vez em 2006. “O pai trouxe ele para treinar aqui com a gente quando o Vinizinho tinha 6 anos. Ele começou a se destacar, participar dos treinos, das competições. Era muito alegre dentro e fora de campo. Tinha uma qualidade técnica muito acima dos meninos da sua idade. A gente colocou ele para disputar campeonatos em categorias acima e, mesmo assim, ele continuou a ser destaque, não sentia dificuldades.”
Aos 7 anos, Vini Jr. já provocava a mesma reação que os torcedores têm hoje ao vê-lo jogar. Fernando Lessa, técnico do Colégio Odete São Paio, fez o que pôde para “adquirir os direitos” do prodígio.
“Ele tinha 7 anos e eu o vi jogando em uma competição contra meninos de 10 anos. Ele simplesmente acabou com a competição. Isso me chamou muito a atenção. O Vinizinho era muito diferente das outras crianças”, relembra Fernando Lessa, técnico do Colégio Odete São Paio
Fernando Lessa procurou o diretor e falou: “A gente precisa trazer esse menino para cá'”. O diretor era Diego Sampaio, também dono do colégio, um dos melhores da região. Ele precisou olhar com os próprios olhos para compreender o que outras pessoas já sabiam: “Ele era diferenciado”. “Foi aí que eu entendi o que o Fernando estava falando. Vinizinho veio com 7 anos e ficou até os 14 anos, saiu daqui de 2013 para 2014. Ele era muito fora da curva.”
Disputar com meninos mais velhos não era, mesmo, um problema para Vini Jr. Aos 8 anos, foi transferido para a categoria de crianças a partir dos 11 anos, porque os pais dos colegas da sua idade se queixavam de ele nunca passar a bola. A mudança não mudou muita coisa, porque o craque continuou com seu estilo de jogo. Ao menos a bronca dos outros pais não existia mais, conta aliviado Cacau.
Mas se engana quem pensa que a personalidade em campo era reflexo de alguma arrogância ou superioridade. Alegria, foco, humildade, determinação e mais um pouco de foco são marcas que parecem acompanhar o ídolo do Flamengo desde a infância.
“Mesmo sem a gente pedir, ele sempre volta aqui para conversar com os meninos mais jovens. Falar sobre a sua experiência, conquistas, mostrar os troféus e incentivar a criançada”, conta Valéria, administradora da escolinha e esposa de Cacau.
Habilidade nos campos, estratégia nas quadras
Habilidoso em campo, foi na quadra de futsal onde Vini Jr. desenvolveu o raciocínio e o drible rápido, duas características daqueles que jogam a modalidade. “Foi aqui que ele passou grande parte do tempo. Foi nesse lugar. Se deixasse, ele ficava aqui de domingo a domingo. Ele era muito focado”, diz Diego Sampaio com tom de orgulho e ao dar à quadra ares de um verdadeiro santuário.
Com tradição no esporte, o colégio concedeu uma bolsa de estudos para Vini Jr. e Davi, aquele amigo de infância com quem ele dividia o lanche após os campeonatos. A dupla de amigos tinha uma rotina puxada. Neste período, Vinicius e Davi se destacaram na Escolinha do Flamengo e foram para o sub-11 do rubro-negro. O ano era 2010.
“Era muita correria. Íamos do colégio para o Ninho do Urubu todos os dias, meu pai levava nós dois. Jogamos pelo Odete e ao mesmo tempo pelo Flamengo. Era intenso, era de domingo a domingo futebol. Foi assim durante quatro anos. A gente não tinha tempo para nada”, lembra Davi, em referência ao centro de treinamento a 69 quilômetros de São Gonçalo.
O esforço valeu a pena. Em sete anos, Vinizinho começou a chamar a atenção de toda a comissão técnica da Gávea e passou a ser Vinícius Jr., do Flamengo. O atleta passou pelas categorias de base, jogou no profissional e aos 18 anos foi vendido ao Real Madrid por 45 milhões de euros – na época, cerca de R$ 164 milhões. É a maior transferência da história do Fla até hoje, e a segunda maior do futebol brasileiro.
Nesse mesmo período, Vini Jr. foi figurinha certa nas listas de convocações para os principais campeonatos disputados pelas seleções brasileiras e de base. Em 2019, ele foi convocado por Tite. A confirmação de Vini Jr. para a Copa do Mundo do Catar, no último dia 7, deixou seus amigos e familiares orgulhosos, mas nem um pouco surpresos.
“Não me surpreendi, nem ninguém aqui em casa. Como a gente acompanhou ele desde os 6 anos de idade, a gente sabia que uma hora ia acontecer. Desde sempre a gente sabia que ele tinha algo diferente. Não tinha como, era certeza”, diz Davi.
Círculo familiar
Após ouvir todos estes relatos faltava ainda conversar com aqueles que fizeram parte do círculo mais íntimo do jogador: a família. Pelas andanças por Porto Rosa descobrimos que um dos seus tios ainda morava no bairro. O local era o mesmo lugar onde Vinizinho viveu seus primeiros anos de vida.
Ao chegar no endereço indicado, a certeza que ali era a rua onde ele cresceu. A viela sem saída era simples, calma e tranquila, mesmos adjetivos usados pela professora de português Teresa, ao descrever a personalidade do seu aluno em sala.
Mesmo sem o número exato da casa, a reportagem não desistiu de encontrar o lugar onde Vinícius Júnior morou. Sem sucesso, aproximamos de dois jovens e interrompemos a conversa animada que tinham na calçada: “Você sabe onde fica a casa do Maurício?”, perguntamos. “Qual Maurício? Não mora nenhum Maurício aqui, não”, falou o garoto.
“Nos indicaram, falaram que era por aqui que…”, insistimos, até que dessa vez fomos interrompidos. “Cara, tá procurando quem?”. “Somos jornalistas”, falamos e, mesmo sem saber, disse tudo o que ele precisava para me dar uma resposta: “Ah, você tá atrás da casa do Vini Jr., né ? Segue em frente e vira a primeira à direita”, respondeu rindo, como se não fosse a primeira vez que perguntavam isso a ele.
A sorte parecia ao nosso lado. Da janela da cozinha, vimos o tal tio enxugando um prato. Nos apresentamos, e Maurício foi direto: “Precisa da autorização do assessor do Vini”. Já tínhamos tentado esse caminho, mas sem sucesso.
Depois de muito relutar, ele impôs algumas condições para falar: sem fotos da casa e que o endereço permanecesse desconhecido do público. “Desde pequeno o Juninho falava de um dia jogar no Flamengo e na Seleção. Vimos a Copa de 2014 juntos aqui. Ele ajudava a enfeitar essa rua para a Copa”, contou o tio, entregando o apelido de Vini Jr.
“É, pô, todo mundo conhece ele como Juninho. Até hoje a gente da família só chama ele de Juninho. A gente não se acostumou a chamar ele de Vinícius Jr não. Só de Juninho mesmo”, acrescenta.
Tio e o sobrinho eram muito próximos, já que o mesmo terreno abrigava diferentes casas da família. A rotina, como já anunciado por todos que conviviam com Vinizinho, ou Juninho, girava em torno da bola.
“Sempre estava com ele para baixo e para cima. Levava ele aos jogos, nos testes e treinos de futebol e futsal. Teve uma vez que foi engraçado, me lembro bem. Tinha um jogo em Niterói e a mãe dele não podia levar. Ele chegou chorando, dizendo que queria jogar. O jogo era às 17:30, saída às 17 horas. Ele trocou a roupa no ônibus mesmo. Ele chegou lá e o jogo já tinha começado. O treinador não queria colocar o Juninho porque ele tinha chegado atrasado. Aí a torcida começou a gritar ‘Vinícius! Vinícius! Vinícius’. O jogo estava 2 x 0, no final foi 4 x 2, quatro gols dele”, lembra.
Daquela rua à direita para os melhores e maiores campos de futebol do mundo, o destino de Vini Jr. parecia já de conhecimento de todos. Não era uma questão de “se ele conseguiria”, mas “quando isso iria acontecer”. “A gente sabia que ele ia chegar lá. Ele era muito focado e centrado na carreira dele”, reforça o tio.
Luta contra o racismo
A vitória de Vini Jr também é uma resposta aos racistas, dentro e fora de campo. Existe um consenso no mundo do futebol que o reconhecimento do talento do camisa 7 demorou a chegar porque ele sempre foi uma voz ativa na luta pela igualdade e nunca abaixou a cabeça para ninguém, seja torcedores, dirigentes ou políticos.
“Não sou vítima de racismo, sou algoz de racistas”
Vítima de inúmeros insultos racistas desde que chegou ao futebol espanhol, o craque brasileiro passou a ser referência e cobrou as autoridades. O posicionamento firme começou a dar resultado e houve a primeira condenação da história do país por racismo.
“Muitos pediram para que eu ignorasse, outros tantos disseram que minha luta era em vão e que eu deveria apenas “jogar futebol”. Mas, como sempre disse, não sou vítima de racismo. Eu sou algoz de racistas. Essa primeira condenação penal da história da Espanha não é por mim. É por todos os pretos. Que os outros racistas tenham medo, vergonha e se escondam nas sombras. Caso contrário, estarei aqui para cobrar”, declarou, na época do julgamento, em junho.
As seleções da Espanha e do Brasil realizaram um amistoso em março deste ano em uma ação contra o racismo. No encontro, que terminou empatado, a Seleção chegou a atuar um dos tempos com uma camisa preta para chamar a atenção para a causa.