GERAL
A problemática das armas instaladas no território brasileiro em face dos colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CAC’s)
Importa dizer e destacar desde o início que o objeto da presente análise se limita à perspectiva técnica e não faz apontamento de cunho político sobre a política sobre aquisição, registro e posse/porte de armas adotada pelo governo brasileiro anterior ou atual.
A celeuma sobre a política de armas a ser implementada no estado brasileiro não é nova, uma vez que publicada em dezembro de 2003: a Lei 10.826, também conhecida como Estatuto do Desarmamento. Em 2005, por referendo, nós, brasileiros, rejeitamos a proibição de venda de armas no brasil.
Pois bem, é publico e notório que a política implementada pelo Presidente Jair Bolsonaro, a partir de janeiro de 2019, foi de flexibilizar aquisição de armamento, munição, prática perspectiva desportiva, defesa do acervo pessoal de colecionadores e atiradores, bem como o acesso de armas para fins de defesa pessoal e residencial. Nesse prisma, diversos decretos e portarias foram publicados, seja de regulamentação do SIGMA ou do SINARM.
É de se observar que a diferenciação entre SIGMA e SINARM não se dá apenas pela condição da arma, mas pela natureza do uso. Quando se tratar de atividade desportiva, o registro, segundo até então a legislação vigente, deve ser feita pelo SIGMA.
Em 1º de janeiro de 2023, o presidente recém-empossado, Luís Inácio Lula da Silva, através do decreto 11.366/23, operou, entre diversas alterações das regulamentações anteriores, suspensões de registros para aquisição de transferências de armas e munições de uso restrito por CAC’s e não CAC’S, restringindo também questões a armas e munições de uso permitido, bem como suspensão de registros de novos clubes, escolas de tiros e registros de CAC’s.
Em âmbito geral, a problemática se concentra principalmente a partir do artigo 3º, caput e § único, bem como do artigo 6º, inciso IX, da Lei 10.826/03, textos legais que apontam necessidade de regulamentação externa, também conhecida como norma penal em branco, mas também pela diferenciação feita entre registros perante a Polícia Federal, através do Sistema Nacional de Armas, ou perante o Comando do Exército, através do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas.
O artigo 3º dispõe que;
Art. 3º É obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente.
Parágrafo único. As armas de fogo de uso restrito serão registradas no Comando do Exército, na forma do regulamento desta Lei.
E o artigo 6º assim destaca que:
Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:
IX – para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a legislação ambiental.
A discussão não está restrita à existência ou eficácia dos decretos presidenciais até 2023 ou do decreto presidencial de 2023, bem como da recente portaria nº 299, editada pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública em 30/01/23. Isso porque tramitam junto ao Supremo Tribunal Federal, desde abril e maio de 2019, ADIs 6119, 6139 e junho de 2020, ADI 6466, questionando a constitucionalidade de dispositivos de decretos que flexibilizavam o acesso, seja pela quantidade possível de aquisição, seja pela declaração de motivos (presunção ou veracidade da necessidade) para aquisição de armas e munições.
Muito embora em tramitação desde os anos de 2019 e 2020, em setembro de 2022, ou seja, antes do novo decreto presidencial, o ministro relator Luis Edson Fachin suspendeu a eficácia e diversos dispositivo de alguns decretos vigentes, restringido, através do Poder Judiciário, o acesso a armamento.
Acontece que, para além das restrições de aquisição de armamento e munição, o novo decreto, bem como a recente portaria, trouxe alterações relevantes principalmente sobre as disposições sobre os CAC’s e armamento de uso restrito, ou seja, aqueles pontos diretamente ligados ao SIGMA, destacando-se que, em âmbito específico, o ponto de atenção e de preocupação se dá pela redação do artigo 14, que impõe risco à segurança pessoal em caráter intenso aos colecionadores, atiradores e caçadores, pela necessidade de transporte do armamento afastado da munição:
Art. 14. Não será permitido o porte de trânsito de arma de fogo municiada por colecionadores, atiradores e caçadores, inclusive no trajeto entre sua residência e o local de exposição, prática de tiro ou abate controlado de animais.
§ 1º Fica garantido, no território nacional, o direito de transporte das armas desmuniciadas dos clubes e das escolas de tiro e de seus integrantes e dos colecionadores, dos atiradores e dos caçadores, por meio da apresentação do Certificado de Registro de Colecionador, Atirador e Caçador ou do Certificado de Registro de Arma de Fogo válido e da Guia de Tráfego, desde que a munição transportada seja acondicionada em recipiente próprio e separado das armas.
§ 2º A Guia de Tráfego é o documento que confere a autorização para o tráfego de armas, acessórios e munições no território nacional e corresponde ao porte de trânsito nos termos do disposto no art. 24 da Lei nº 10.826, de 2003.
Para além disso, o decreto no seu artigo 2º determina o recadastramento de armamento adquirido a partir do decreto 9.785/19, no SINARM, mesmo que cadastrados em outro sistema (leia-se o SIGMA). Estipulou-se, para isso, o prazo de 60 dias da publicação do decreto vigente. Ainda, a portaria 299, do MJSP, determina o cadastramento duplo do armamento que já está registrado junto ao SIGMA, estipulando novo prazo de 60 dias a contar de 1º de fevereiro de 2023, ou seja, estendendo aquele.
Fato é que o art. 4º da portaria determina a imposição de sanção administrativa de apreensão do armamento que não tiver o cadastramento no SINARM, mesmo que devidamente cadastrado no SIGMA e observando todos os dispositivos do decreto 11.366/23, ressalvando inclusive hipótese de enquadramento penal pelos artigos 12, 14 e 16 da Lei 10.826/03, ou seja, apuração criminal de posse ou porte ilícito de arma de fogo ou munição, muito embora ao menos no âmbito do artigo 12 (posse irregular de arma de fogo) o Superior Tribunal de Justiça, na Ação Penal n. 686/AP, já tenha decidido pela Corte Especial se tratar de mera irregularidade administrativa.
Importando dizer ainda que os próprios dispositivos do recente decreto prorrogam a validade dos certificados SIGMA em vias de vencer ou vencidos após a publicação até que sobrevenha nova regulamentação; e que a imposição de registro junto ao SINARM de armamento já registrado junto ao SIGMA mistura e confunde atribuições, bem como aparentemente visa a esvaziar função do comando do exército ao menos por hora ao que se refere à controle, fiscalização e gestão do cadastro de armamentos à si atribuídos.
Ainda não carece destacar que o apontamento de risco de enquadramento típico penal sobre porte ilegal de arma de fogo transita em uma espécie de alerta aos CAC’s sobre o risco, mas também como medida coercitiva de assim fazerem o recadastramento junto ao SINARM.
Importantíssimo, assim, o grupo de trabalho instituído pelo decreto presidencial recente, no artigo 22, e composto por uma série de entidades, nos termos do artigo 23, incisos I a VIII, sendo de intenso relevo que a constituição deste grupo de trabalho se dê em caráter urgente, em face da abrangência do decreto e portaria recente diante da quantidade relevante de colecionadores, atiradores esportivos e caçadores no Brasil, a insegurança jurídica que se opera e o risco ainda maior de judicialização volumosa de questões que ainda precisam de apontamentos mais assertivos para a população.