GERAL
Acreano que mora na Alemanha faz campanha e encara mais de 48 horas de estrada para ajudar ucranianos
Revolta, solidariedade e amor ao próximo. Foram esses os sentimentos que fizeram com que o fisioterapeuta Lucemir Nere Passarinho, de 43 anos, largasse tudo e pegasse a estrada para ajudar os ucranianos que estão sofrendo com a guerra entre a Rússia e Ucrânia.
Nere é natural do município de Sena Madureira, interior do Acre, e mora na Alemanha há 27 anos, na cidade de Lübeck. Para tentar ajudar, o fisioterapeuta saiu da Alemanha com destino a Przemyśl, na Polônia, que fica a 1.122,6 quilômetros de distância da Alemanha. Ele conta que saiu de casa na quarta-feira (2) e deve chegar até a fronteira neste sábado (5).
“Resolvi sair e ajudar, não aguentei ficar vendo aquelas pessoas lá na fronteira deitadas no chão frio, na neve, sem um teto, sem uma tenda, sem nada mesmo, fiquei muito comovido e resolvi simplesmente botar diesel no carro, fazer uma mala pequenininha e ajudar. Na situação que eles [ucranianos] estão essa é a única forma que tem para ajudar,” disse.
Nere conta que foi para Alemanha estudar medicina, se formou em fisioterapia e tem uma clínica em Lübeck há 15 anos. Desde que soube da guerra conta que sentiu vontade de fazer alguma coisa pelas pessoas.
“Fiquei muito sensibilizado com a situação que os ucranianos estão passando. Fiz uma campanha e postei um vídeo no whatsapp e na página da minha clínica. Disse que quem quisesse ajudar poderia, e que no outro dia eu iria viajar para ajudar. Aí amigos e pacientes viram e fizeram pacotes com roupas, medicamentos, papel higiênico, fraldas para crianças e deixaram na clínica. No dia seguinte embarquei tudo dentro do carro e fui embora”, diz.
Ele conta que como lá está muito frio e não conhece a estrada, além de estar muito movimentada, a viagem é muito cansativa e longa, com algumas paradas para descanso.
“Tenho que me concentrar na viagem por ter muita gente na estrada. Um dos principais motivos que me comoveram e que me levaram a tomar essa decisão de ir na fronteira ajudar é que o povo ucraniano é muito pacífico, então, vale muito a pena,” avalia.
O acreano lembra que quando soube da guerra logo pensou em uma forma de ajudar e resolveu criar uma rede de apoio para auxiliar os ucranianos.
“As pessoas estão perdendo suas casas, familiares sendo fuzilados nas ruas, ou uma bomba cai em cima de prédios onde famílias moram. Pessoas inocentes sendo mortas ou obrigadas a fugir. Nada está funcionando lá [Ucrânia], as pessoas estão sendo obrigadas a caminhar agora no inverno em um frio de 10 graus negativos. Eu vendo essas reportagens fiquei muito comovido. Como tenho capacidade de ajudar, não pensei duas vezes.”
O fisioterapeuta tem visto de perto o cenário de guerra e conta a tristeza que sentiu ao ver durante todo o percurso pessoas nas ruas, crianças, mulheres sozinhas, abandonadas, chorando com os filhos no colo, além de muitos idosos.
“No momento o mundo todo está olhando para a Ucrânia, mas ninguém pode fazer nada porque o russo ameaçou todo mundo. Se alguém intervir contra essa invasão da Ucrânia ele já falou que tem muita bomba atômica e que vai fazer uma guerra nuclear. Dá para entender porque os outros países não vão ajudar. A única maneira que tem de ajudar é dando comida, abrigo, medicamento, esse tipo de assistência, e é o que as pessoas estão podendo dar. Os ucranianos estão sofrendo, passando muita necessidade e medo”, acrescenta.
Empatia com o próximo
Neri não conhece ninguém na Ucrânia, mas lembra que teve um começo difícil quando resolveu morar em definitivo na Alemanha. Ele fala que começou a viajar os 17 anos e que foi para Portugal, Espanha, Inglaterra, França, mas quando chegou na Alemanha se apaixonou e resolveu ficar.
“Não tenho família na Ucrânia e nem conhecidos, mas, quando cheguei na Alemanha, tudo era muito difícil, eu não entendia o idioma, falava muito pouco o inglês e tudo o que eu tentava fazer dava errado, muito difícil. Então, entendo o que eles estão passando, no sentido de se sentirem sozinhos, sem ninguém para dar suporte.”
Ele lamenta e fala que quando se é estrangeiro e chega em um outro país as pessoas não costumam ajudar muito, dependendo do país.
“Principalmente quando você é estrangeiro, vem de um país de terceiro mundo, como eu, a maioria das pessoas pensa que você pode fazer algum mal a elas. Então, sempre tem uma barreira, sempre tem portas fechadas, é muito difícil. Se não tiver alguém para pegar na tua mão e levar você e ensinar, sozinho você não consegue, é muito difícil. Passei por essas dificuldades no início e quero tentar ajudar o próximo da forma que eu puder,” declara.
Ajuda a refugiados
O acreano lembra que já teve contato com outros refugiados e que sempre ajuda da forma que pode.
“Já tive contato, principalmente com os da Síria. Têm muitas pessoas da Síria que procuram assistência do governo alemão, essas pessoas não podem trabalhar, mas ganham apartamento, comida, dinheiro para roupa, recebem assistência médica, cursos para aprender a falar o alemão.
Nas vezes em que já ajudou foi dando oportunidade de estágio em sua clínica de fisioterapia.
“Os refugiados recebem uma carta para procurar uma empresa onde eles possam fazer estágio, eu já tive vários estagiários da Síria, são pessoas como eu e você, pessoas normais, mas que estão em uma situação difícil.”
Entenda a guerra
A invasão da Ucrânia pela Rússia, iniciada na madrugada de 24 de fevereiro, já causou mortes e destruição em um cenário de guerra. Trata-se do maior ataque militar de um país contra outro desde o fim da Segunda Guerra Mundial.