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GERAL

Após perda da avó e cirurgia de risco, brasileiro transforma Uno em motorhome e roda 18 mil km até os EUA: ‘muita coisa pra ver ainda’

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Morador de Nova Odessa (SP) transforma Uno em motorhome e viaja até os Estados Unidos

Há três meses, chegavam ao final as aventuras do brasileiro Jesse Koz e seu cão Shurastey, que rodavam o mundo em um fusca e morreram em um acidente. Mas seu legado permanece vivo e inspirando outras pessoas e um morador de Nova Odessa, no interior de São Paulo, provou isso na prática.

Para vencer uma depressão, Luiz Torelli se influenciou em Jesse e percorreu 18 mil quilômetros em um Fiat Uno adaptado como motorhome, por 14 países, até chegar aos Estados Unidos.

O primeiro episódio que fez Luiz repensar seu estilo de vida foi a perda da avó, que o criou e que considerava como uma mãe, em fevereiro de 2020. “E eu fiquei mal pra caramba, entrei em depressão, estava sem vontade de viver”, lembra.

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Foi nessa época que ele começou a acompanhar canais em redes sociais de pessoas que viajavam o mundo de carro, como Jesse, e surgiu o embrião da ideia de transformar seu carro popular ano 2002 em uma casa sobre rodas.

Chega de Luiz à Times Square, em Nova York — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torelli

Chega de Luiz à Times Square, em Nova York — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torelli

“Eu pensei: ‘eu tenho um carrinho, dá para eu fazer uma cama, um baú, dá pra eu viajar gastando pouco, não pagando hotel, faço minha comida e saio pra viajar. E vai ser bom pra eu conhecer [outros lugares], pra eu ficar sozinho um pouco, ver se eu melhoro dessa depressão’”. Foi isso que ele fez e, no final de 2020, começou a adaptar o carro.

“Comprei uma chapa de MDF, emprestei uma serra e uma furadeira do meu padrinho e do meu tio. Não sabia nada de serralheria, nunca tinha cortado madeira na minha vida”.

 

Após criar uma cama e um baú, fez a primeira viagem, como um teste, para Águas da Prata, no interior de São Paulo, onde, durante uma manhã, enquanto comia um pão com ovo sentado em uma cadeira de praia, decidiu que era daquela forma que queria viver.

“Eu estava nesse esquema que todo mundo faz: fui casado, fui atrás de ter um status, carro, casa, família, mas não deu certo pra mim e eu falei: ‘vou virar a chave, viver com menos, mais minimalista, ver o mundo, conhecer as pessoas, conhecer os lugares’”. Seu trabalho era como vendedor de acessórios de celulares para lojas.

Luiz posa ao lado de tudo o que levou para uma das viagens pelo Brasil, antes de aventura internacional — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torelli

Luiz posa ao lado de tudo o que levou para uma das viagens pelo Brasil, antes de aventura internacional — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torelli

A segunda viagem foi para o litoral de São Paulo e Rio de Janeiro, de Caraguatatuba a Angra dos Reis, quando estacionava e dormia nas orlas das praias, em campings e praças. No retorno, a adaptação do carro ficou mais séria e ele instalou geladeira, fogão, uma pia e até um sanitário. O gasto total foi de cerca de R$ 5 mil.

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Promessa em cama de hospital

 

Foi nesse período que ocorreu o segundo episódio que levou Luiz à viagem internacional. Uma complicação durante uma inflamação de apendicite, em julho de 2021, chegou a colocar sua vida em risco.

“E foi lá, na cama do hospital, que eu falei: ‘Se eu sair dessa eu vou fazer uma viagem e vou de carro até os Estados Unidos’”.

 

Ele se recuperou e, então, fez uma última viagem pelo Brasil antes de cruzar a fronteira, passando por Tocantins, Goiás, sertão da Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro.

Registro nas Cataratas do Iguaçu, antes de cruzar a fronteira com o Paraguai — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torelli

Registro nas Cataratas do Iguaçu, antes de cruzar a fronteira com o Paraguai — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torelli

Antes de sair do país, Luiz contava com 19 mil seguidores em sua página @um.a.uno, que mantém no Instagram e hoje totaliza 262 mil inscritos.

Já naquele momento, graças ao relato frequente da preparação para a aventura internacional na rede social, ele conseguiu parcerias que renderam baterias novas para o carro, revisão mecânica e adesivagem do veículo. Para ter dinheiro para a viagem, rifou um iPhone que tinha e conseguiu cerca de R$ 4 mil. A verba era complementada pela venda de adesivos e apoios via pix.

Solidão, falta de ar e estrada fechada

 

Luiz pegou estrada para os Estados Unidos em 3 de março deste ano, chegando à Cidade do Leste, no Paraguai, por Foz de Iguaçu (PR). A partir daí, enfrentaria tanto desafios interiores, como a solidão, como fatores externos, como clima e riscos à sua segurança.

Passagem pelo Museo La Venta, Palenque, no México — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torelli

Passagem pelo Museo La Venta, Palenque, no México — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torelli

No início do trajeto, foram cerca de dois meses sozinho, sem contato com muitas pessoas. “Quando você está sozinho, o pensamento te leva aos piores e melhores lugares. E era sempre uma luta constante contra pensamentos negativos, medos da sua bagagem inteira de vida que florescem, seus monstros que estavam escondidos vêm tentar te derrubar”, relata.

E momentos do tipo não o acompanhariam apenas no começo. Em Tampico, no México, teve uma crise de ansiedade que o deixou parado por cinco dias e o levou a um hospital. “Eu tive uma crise muito aguda, muito forte. Foi uma explosão de tudo o que vinha sentindo. Consegui controlar e é isso, mas faz parte. Tá sozinho, você está sujeito a essas coisas também”.

Seu maior obstáculo geográfico foi a 5.200 metros de altitude no Perú, com “carro falhando, gelo na pista, faltando ar, passando mal”.

Registro de Luiz na Laguna Huacachina, conhecida como o "Oásis da América", no Peru — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torelli

Registro de Luiz na Laguna Huacachina, conhecida como o “Oásis da América”, no Peru — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torelli

Já na Colômbia, passou por um trecho onde ocorria uma revolta de uma facção criminosa devido à extradição de traficantes de drogas, o que o lembrou da série “Narcos”, da Netflix, e causou medo.

“Começaram uma rebelião, começaram a matar gente lá, a tacar fogo em carro, fechar cidade e eu no meio dessa confusão toda. Tive que sair correndo da Colômbia. Eu estava em uma estrada que eles fecharam”.

 

Já na fronteira de Matamoros, na entrada para os Estados Unidos por Brownsville, no Texas, teve um breve impasse para fazer a travessia, ao receber a exigência de que deveria comprovar sua fonte de renda. Por meio de um extrato bancário, provou que tinha uma renda através da rede social em que documentava a viagem. “Eu já estava crente que ia ser deportado. Mas me liberaram. E eu com documentos, tenho visto e tudo, certinho”.

Santuário de Nuestra Señora de Las Lajas, na Colômbia, próximo à fronteira com o Equador — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torelli

Santuário de Nuestra Señora de Las Lajas, na Colômbia, próximo à fronteira com o Equador — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torelli

Chegada e acolhimento de seguidores

 

Quando Luiz chegou ao Texas, após os 18 mil quilômetros percorridos, ficou na casa de um amigo de infância, mas depois foi até Chicago, passando por seis estados, e depois para Nova York, onde conheceu a Times Square, um dos destinos mais desejados de sua viagem, em um trajeto de mais 3 mil quilômetros.

“Eu sempre quis conhecer Nova York desde adolescente e nunca tinha vindo aqui. Foi muito emocionante na hora que eu vi os prédios de longe, chegando com meu carro. Cheguei à noite, é muito lindo, aqueles telões. Estava lotado de gente. Foi o objetivo completo”.

 

Ele destaca o caráter acolhedor dos brasileiros que moram no país em relação aos conterrâneos que chegam. “A maioria dos contatos que eu faço pra ficar nas casas das pessoas é através do Instagram, das pessoas que me seguem e me convidam pra ficar na casa delas”, revela. Na véspera da entrevista, seguidores descobriram onde ele estava e o encontraram para conversar e tocar violão. “Não é todo dia que se vê um Uno andando nos Estados Unidos”, brinca.

Rota 66, em Illinois, nos Estados Unidos: plano de Luiz é cruzá-la até o final — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torelli

Rota 66, em Illinois, nos Estados Unidos: plano de Luiz é cruzá-la até o final — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torelli

Não à toa, o morador de Nova Odessa afirma que o que mais tem marcado a viagem são as diversas pessoas que conheceu.

“Numa viagem você vai ver lugares maravilhosos, lindos, mas quem vai te transformar mesmo são as pessoas. Conheci gente do mundo inteiro, fiquei na casa de família no Peru, na Costa Rica. E eu acabei aprendendo demais com isso, respeitar o próximo, respeitar suas diferenças, respeitar o modo de vida das culturas. E hoje posso falar que tenho lugar para ficar no mundo inteiro, de tanta amizade que fiz durante esse trajeto”.

Jesse, Shurastey e coincidências

O encontro com a pessoa e o cão que estava entre os mais esperados da viagem, no entanto, não pôde ser concretizado. Depois de se inspirar em Jesse Koz, de Balneário Camboriú (SC), que desde 2017 viajou por 16 países com seu cão golden retriever Shurastey em um Fusca, Luiz fez contato com ele via rede social, recebia dicas de lugares onde ir e ficar, e os dois chegaram a combinar que voltariam dos Estados Unidos juntos, cada um com seu carro.

“Teve uma coincidência muito grande quando eu estava atravessando a Costa Rica e ele me disse: ‘vai nessa praia que foi a praia mais linda que eu já estive na vida, chama Punta Uva’. […] Eu acabei ouvindo ele e fui. E foi justamente nessa praia que ele mais gostava, que ele mesmo me indicou, que eu recebi a notícia da morte dele. Fiquei dois dias chorando lá, sozinho”, relembra.

Luiz na praia Punta Uva, na Costa Rica, recomendada por Jesse Koz — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torello

Luiz na praia Punta Uva, na Costa Rica, recomendada por Jesse Koz — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torello

Após considerar desistir da viagem e voltar do meio do caminho, ele decidiu continuar o trajeto, incentivado por seguidores e familiares. E as coincidências entre os dois viajantes não param por aí, já que Luiz também se hospedou nos Estados Unidos com uma família que já tinha acolhido Jesse no passado.

“Quem me inspirou pra fazer esse projeto foram eles. Eu não via a hora de chegar nos Estados Unidos, também, pra conhecer eles, e infelizmente Deus não quis assim. Então, eu levo eles comigo no coração”.

 

E com os amigos no coração, Luiz deve ainda rodar para outros pontos dos Estados Unidos, como Boston, Washington DC, cruzar a Rota 66, passar por São Francisco e Flórida e voltar até janeiro para casa, de onde deve partir para uma nova tour pelo Brasil e avaliar uma ideia embrionária de uma viagem à Europa.

“Agora que eu cheguei aqui, que você começa a se adaptar a viagens longas, você vê que o mundo tá ficando pequeno. E aí você quer desbravar novos lugares, chegar cada vez mais longe. Eu já fiz as Américas e agora tem o outro lado do mundo, a Europa, Ásia, África. Tem muita coisa pra ver ainda”.

Passagem de Luiz pelo Salar de Uyuni, maior deserto de sal do mundo, na Bolívia — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torello

Passagem de Luiz pelo Salar de Uyuni, maior deserto de sal do mundo, na Bolívia — Foto: Arquivo pessoal/ Luiz Torello

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