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GERAL

CNH mais barata? Especialistas alertam: proposta da Senatran pode gerar “caos” na formação de condutores

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A promessa de uma “CNH fácil e barata” pode, na prática, resultar em mais acidentes, mais mortes e menos preparo nas ruas brasileiras. Foto: Comunicação DetranRS

Uma proposta do governo federal que promete baratear e simplificar o processo para tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) tem causado preocupação entre especialistas em trânsito. A minuta, apresentada pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), propõe mudanças profundas no modelo de formação de condutores — entre elas, a possibilidade de fazer aulas práticas com instrutores autônomos e a dispensa da obrigatoriedade das autoescolas.

Em entrevista ao especialista Celso Alves Mariano, o advogado e membro da Câmara Temática de Educação do Contran, Gustavo Coelho Martins, classificou a proposta como “tecnicamente frágil, juridicamente insegura e operacionalmente inviável”.

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“O trânsito é uma área técnica, mas tem sido politizada. Essa minuta foi feita sem diálogo com os Detrans e com as entidades que conhecem o sistema. É assustador pensar que um tema dessa complexidade possa avançar sem estudo de impacto e sem debate público”, alertou Martins.

Falta de base técnica e diálogo institucional

Conforme o advogado, não houve nenhuma consulta adequada junto as Câmaras Temáticas do Contran — que reúnem especialistas para avaliar mudanças normativas. “Essas câmaras não são meramente decorativas. Elas existem para garantir proporcionalidade e eficiência administrativa. Ignorá-las é desrespeitar o próprio processo técnico do Contran”, afirma.

Ele também revelou que a Associação Nacional dos Detrans (AND) enviou um ofício formal à Senatran alertando sobre “incongruências jurídicas e operacionais” e cobrando a suspensão do processo até que as discussões sejam reabertas.

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Ausência de estudo de impacto regulatório

Um dos pontos mais graves, de acordo com Martins, é a falta do Estudo de Impacto Regulatório (EIR) — documento obrigatório em mudanças dessa natureza. “Sem esse estudo, a proposta fere princípios básicos do Direito Administrativo, como os da motivação e da proporcionalidade. Estamos falando de uma alteração que afeta milhões de pessoas e milhares de empresas”, ressaltou.

Para ele, a Senatran deveria ter apresentado dados concretos sobre custos, riscos, prazos de implementação e impactos sociais. “Nada disso aconteceu”, afirma o advogado.

Risco de “apagão operacional” nos Detrans

A proposta prevê que o processo de habilitação seja digitalizado por meio de aplicativos do governo federal. Mas, segundo o especialista, não houve a apresentação de nenhum sistema até o momento.

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“A minuta fala em plataforma digital integrada entre Senatran e Detrans, mas isso não existe. Seria necessário desenvolver e homologar um novo sistema nacional, o que levaria meses, talvez anos. Até lá, o país viveria um verdadeiro vácuo operacional”, explicou.

O advogado também aponta que a minuta não regulamenta aspectos básicos, como o credenciamento de instrutores autônomos, as condições de segurança para aulas práticas ou o formato das provas teóricas e práticas.

“Fake news oficial” sobre CNH mais barata

Para Gustavo Martins, a forma como houve a divulgação da proposta— com promessas de CNH até 80% mais barata — é enganosa.

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“Isso é uma fake news oficial. Não existe base técnica, legal ou financeira que sustente essa redução. O custo da CNH está atrelado a uma cadeia de responsabilidades, equipamentos, exames e sistemas que não podem simplesmente desaparecer”, criticou.

Segundo ele, o governo levou a população a acreditar na criação da CNH gratuita, confundindo a proposta da Senatran com o programa CNH Social, voltado apenas a pessoas em vulnerabilidade. “Há CFCs fechando as portas porque os alunos estão esperando uma CNH que nunca virá”, lamenta.

A ameaça à segurança no trânsito

Além das falhas administrativas, o impacto mais preocupante, conforme o especialista, é na segurança viária.

“Será que terei segurança para atravessar uma faixa de pedestres com meus filhos, sabendo que há gente aprendendo a dirigir em carros sem pedal duplo de freio e embreagem?”, questiona Martins.

Ele destaca que a retirada da obrigatoriedade do curso teórico e das aulas práticas supervisionadas compromete a formação comportamental — o ponto mais frágil da condução no Brasil, onde mais de 50% dos acidentes são causados por falhas humanas.

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Celso Mariano reforçou a importância da educação para o trânsito como base para qualquer mudança no sistema de formação.

“O problema não está nas autoescolas, e sim na falta de educação continuada. A teoria é o alicerce da prática. Sem ela, voltaremos décadas em termos de segurança”, avaliou o especialista.

Educação e responsabilidade social

Gustavo lembrou que os Centros de Formação de Condutores (CFCs) são, na prática, o único espaço onde o cidadão recebe orientação sobre cidadania, meio ambiente, primeiros socorros e legislação.

“Sem uma política nacional de educação para o trânsito desde a infância, transferir essa responsabilidade para um aplicativo é uma temeridade”, argumentou.

Ele também criticou a ideia de um curso teórico único e padronizado em formato EaD, sem considerar diferenças regionais. “O comportamento no trânsito de um paulistano é diferente do de um motorista do interior do Acre. Não existe fórmula única”, completou.

“Acabar com os CFCs hoje é inviável”

No encerramento, o advogado reconheceu que é possível aperfeiçoar o modelo atual de formação. No entanto, defendeu que é preciso fazer isso com base técnica e responsabilidade social.

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“Os CFCs podem evoluir, se adaptar, digitalizar-se. Mas acabar com eles agora é inviável. Seria o fim do único espaço estruturado de educação para o trânsito existente no país”, afirmou.

Celso Mariano concluiu a entrevista reforçando que é preciso tratar o tema não no campo político e sim com seriedade técnica.

“O trânsito não é lugar para experiências improvisadas. É uma questão de vida, e vidas não podem ser colocadas em risco por decisões apressadas.”

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