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Débitos com FGTS afetam quase 10 milhões de trabalhadores; saiba o que fazer e como consultar depósitos

Quase 10 milhões de trabalhadores brasileiros com carteira assinada estão correndo o risco de não conseguirem usar o dinheiro do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) quando precisar. Isso porque o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) identificou R$ 10,1 bilhões em valores não recolhidos por empresas em todo o País.
No total, foi identificado 1,62 milhão de empresas (CNPJs) com pendências relacionadas ao FGTS, afetando diretamente 9,56 milhões de trabalhadores. O Estado de São Paulo lidera o ranking de devedores do FGTS, com um montante de R$ 3,18 bilhões em pendências, seguido pelo Rio de Janeiro (R$ 943,6 milhões) e Minas Gerais (R$ 823 milhões).
Fabíola Marques, advogada e professora de Direito do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), enfatiza que o depósito do valor do FGTS é um direito de todo trabalhador registrado. É o valor de 8% sobre o salário bruto do empregado e deve ser depositado além do pagamento do salário, ou seja, ele não pode ser descontado do vencimento do trabalhador.
“Se o empregado verificar que não foram feitos os depósitos, a primeira coisa que ele deve fazer é entrar em contato com a empresa e descobrir por que esses depósitos não estão sendo feitos. Ele também pode notificar a empresa, e, da mesma forma, comunicar o sindicato e mesmo o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho”, explica Fabíola Marques.
Para checar se os depósitos do FGTS estão sendo feitos corretamente pelo empregador, a maneira mais prática e recomendada é por meio do aplicativo oficial ou outros canais da Caixa. Esse valor deve ser depositado sempre até o dia 20 do mês em que o empregado está trabalhando.
Aplicativo FGTS
Baixe e instale: Procure por “FGTS” na loja de aplicativos do seu celular (Play Store para Android ou App Store para iOS/iPhone) e faça o download gratuito.
Acesse ou cadastre-se:
Se for seu primeiro acesso, clique em “Cadastre-se” e siga as instruções, informando seus dados (CPF, nome completo, data de nascimento, etc.) e criando uma senha.
Se já tem cadastro, use seu CPF e senha para entrar.
Consulte o extrato: Dentro do aplicativo, você poderá:
Verificar o saldo total de suas contas do FGTS. Acessar o extrato de cada contrato de trabalho (vínculo), onde você verá o histórico detalhado dos depósitos feitos pelo seu empregador, mês a mês.
Baixar o extrato em PDF.
Caso não queira usar o aplicativo, você tem outras opções:
SMS: Você pode aderir ao serviço gratuito de envio de mensagens via SMS. A Caixa envia informações mensais sobre os depósitos feitos pelo empregador e o saldo semestral do Fundo de Garantia. A adesão é feita pelo próprio Aplicativo FGTS ou no site da Caixa.
Internet banking Caixa: Se você é cliente da Caixa, pode consultar o extrato do FGTS pelo Internet Banking, no computador, ou pelo Aplicativo Caixa, no celular.
Correspondência: A Caixa pode enviar o extrato do FGTS em papel para o seu endereço cadastrado a cada dois meses. Se você se mudou, deve atualizar seu endereço em uma agência da Caixa ou ligando para o telefone 0800 726 0101.
Gilson de Souza Silva, especialista em Direito do Trabalho e sócio do Comparato, Nunes, Federici &Pimentel Advogados (CNFLaw), alerta que a falta de depósitos do FGTS é uma infração grave cometida pelo empregador e uma violação de um direito fundamental do trabalhador.
“Ao confirmar a ausência ou a irregularidade dos depósitos, você deve seguir um caminho com passos estratégicos para garantir a regularização e a cobrança dos valores devidos.”
Além das empresas, o levantamento do MTE identificou também um rombo de aproximadamente R$ 174,9 milhões junto ao FGTS por parte de 103 mil empregadores pessoa física (CPFs), com impacto direto sobre 265 mil trabalhadores.
1. Tente a solução amigável (Primeiro passo)
Gilson de Souza Silva aconselha, como primeiro passo, tentar resolver o problema diretamente com a empresa.
Comunique o empregador: Procure o setor de Recursos Humanos (RH) ou o responsável financeiro da empresa. Apresente o extrato do FGTS (obtido pelo aplicativo da CAIXA) que comprove a ausência dos depósitos e solicite a imediata regularização.
Formalize a solicitação: Se o contato verbal não funcionar, envie uma notificação formal (por e-mail, carta registrada ou notificação extrajudicial) à empresa, documentando a irregularidade e o prazo que você espera para o depósito.
Se a empresa se recusar a resolver o problema, o especialista diz que o trabalhador deve formalizar a denúncia nos órgãos competentes. A denúncia pode levar à fiscalização da empresa e à aplicação de multas.
2. Opções de denúncia:
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE):
Online: Acesse o Canal de Denúncia Trabalhista no Portal Gov.br, que permite registrar a reclamação de forma sigilosa. É necessário ter login único no gov.br.
Telefone: Ligue para o Alô Trabalho, no número 158.
Presencial: Procure a Superintendência Regional do Trabalho (SRT) ou Gerência Regional do Trabalho (GRT) mais próxima.
Sindicato: Procure o sindicato que representa a sua categoria profissional. Muitas vezes, o sindicato pode atuar em seu nome, notificar a empresa e intermediar a cobrança.
Caixa Econômica Federal: Você pode ligar para a CAIXA (0800 726 0207) ou ir a uma agência e solicitar uma investigação sobre a inadimplência do empregador.
Fabíola Marques acrescenta ainda que se a empresa ou empregadores não efetuarem corretamente os depósitos para o trabalhador, esse empregado poderá também rescindir o contrato de trabalho.
“O empregado poderá comunicar à empresa que, em razão desta falta grave, do descumprimento do próprio contrato de trabalho, ele estaria rescindindo o contrato e com o direito de receber todas as verbas rescisórias devidas, como se a dispensa fosse sem justa causa’.”
Caso nenhuma das medidas anteriores resulte na regularização, a solução final é ingressar com uma Ação Trabalhista na Justiça do Trabalho.
Procure um advogado: É altamente recomendável buscar um advogado especialista em Direito do Trabalho para analisar seu caso e representá-lo.
Rescisão indireta: A falta de depósito do FGTS é considerada uma falta grave do empregador, o que pode justificar a rescisão indireta do seu contrato de trabalho (art. 483 da CLT). Isso significa que você “demite” a empresa por justa causa e tem direito a receber todas as verbas rescisórias, incluindo aviso prévio, férias e 13º salário proporcionais, além da multa de 40% sobre o FGTS total devido.
Cobrança de valores: Na ação, você pode exigir o depósito retroativo de todos os valores faltantes, acrescidos de correção monetária e juros.
Prazos importantes
É crucial ficar atento aos prazos para buscar seus direitos na Justiça do Trabalho:
Prazo prescricional: o trabalhador tem 2 (dois) anos a partir da data da rescisão do contrato de trabalho para entrar com a ação.
Cobrança de período: Dentro desse prazo, você pode cobrar os depósitos não realizados referentes aos 5 (cinco) anos anteriores à data em que você entrou com o processo.
Punição às empresas
A empresa que deixa de depositar o FGTS ou faz isso com atraso está cometendo uma falta grave e sujeita-se a uma série de penalidades financeiras, administrativas e judiciais.
“É importante notar que a empresa não é apenas obrigada a pagar o que deve, mas também a arcar com multas e juros que aumentam o valor do débito”, enfatiza Gilson de Souza Silva.
1. Penalidades financeiras imediatas (Multas e juros)
A partir do primeiro dia de atraso, o valor devido já é acrescido de encargos, que são obrigatórios.
2. Consequências trabalhistas e judiciais
A falta de depósito cria um passivo trabalhista significativo para a empresa e garante direitos adicionais aos trabalhadores.
A. Rescisão indireta
A ausência de depósitos do FGTS é considerada uma falta grave do empregador (conforme o Art. 483 da CLT). Isso permite que o empregado busque a Rescisão Indireta do contrato na Justiça do Trabalho.
O que significa: O trabalhador “demite” o empregador por justa causa e tem direito a receber TODAS as verbas como se tivesse sido demitido sem justa causa.
Direitos do trabalhador: Aviso prévio indenizado, férias vencidas + 1/3, 13º salário proporcional, e, principalmente, o saque integral do FGTS (incluindo os valores não depositados, corrigidos e com juros) e a Multa de 40% sobre o valor total do FGTS que deveria estar na conta.
B. Indenização por danos morais
Em casos mais graves, especialmente se o trabalhador comprovar que a falta do depósito causou um prejuízo real e comprovado (como a perda de um financiamento imobiliário que dependia do saldo do FGTS), a empresa pode ser condenada a pagar indenização por danos morais.
C. Ações judiciais
A empresa arcará com os custos de defesa e, se condenada, será obrigada a pagar os valores em atraso, as multas, os juros e, potencialmente, os custos processuais e os honorários advocatícios.
3. Sanções administrativas e restrições de negócios
A inadimplência com o FGTS afeta a capacidade da empresa de operar no mercado.
Bloqueio do CRF: A empresa não consegue obter o Certificado de Regularidade do FGTS (CRF), que atesta que ela está em dia com suas obrigações.
Restrições governamentais: Sem o CRF, a empresa fica impedida de:
Participar de licitações públicas.
Obter financiamentos ou empréstimos em instituições oficiais (como a CAIXA e o BNDES).
Celebrar ou renovar contratos com o Poder Público.
Proibição de benefícios: A empresa em situação de “mora contumaz” (atraso frequente) pode ser impedida de receber qualquer benefício de natureza fiscal, tributária ou financeira do governo.
Fiscalização e autuação: A denúncia do trabalhador (ou a fiscalização rotineira do Ministério do Trabalho e Emprego) pode levar a uma autuação fiscal, onde a empresa é obrigada a regularizar os débitos e pagar multas administrativas adicionais.
