GERAL
Devemos desestigmatizar casais que dormem em quartos separados – especialmente depois dos 50
Certa vez, ao entrevistar a atriz Marília Pêra (1943-2015), ela brincou como seria o arranjo de um casamento ideal. A exemplo de como nobres ocupavam os palácios, Marília sonhava em viver com o companheiro em alas separadas. Cada um com seus aposentos. “De preferência com uma porta corta-fogo no meio”, acrescentou. Gargalhei com a provocação.
Um casal disposto a manter “aposentos” separados está longe de retratar um casamento que já implodiu há tempos, apenas de fachada. Também pode ser. No entanto, muitas vezes não é o caso. Nos Estados Unidos existe até um termo para definir a prática de casais que optam por dormir em quartos separados. Chama-se ‘sleep divorce’. É uma expressão um pouco jocosa, diria, ao mesmo tempo carregada de julgamentos. O fato é que o divórcio do sono pode significar o fim de noites em claro, sem ser acordado pelo ronco de quem está ao lado, pelas idas ao banheiro e mexidas de posição na cama, puxadas de cobertas, entre tantos outros hábitos comuns na rotina de um casal que divide o mesmo leito.
Por mais que esse modelo possa despertar julgamentos – e um deles recai sobre a vida sexual do casal – dormir em ambientes separados, cada um no seu cafofo, pode colaborar com a longevidade de uma relação porque tem tudo a ver com a qualidade do sono, especialmente a de mulheres. É sabido que temos mais dificuldades para adormecer e de permanecer dormindo do que os homens. Mas quando se trata de mulheres depois dos 50 anos, esquece! O sono vira quase um artigo de luxo.
Com exceção dos períodos em que a TPM (tensão pré-menstrual) afetava meu humor e minhas noites de sono, sempre fui aquela pessoa que dormia bem as 8 horas de sono a que tinha direito. Não negociava dormir menos que isso. Noites de sono bem dormidas me garantiam dias saudáveis, com as funções cognitivas preservadas. Nunca dei ‘pescadas’ dentro de sala de aula ou de cinema. Minha memória não me abandonava e me sentia inteira para as tarefas do dia a dia. Morro de saudade disso.
Com o climatério e a chegada da menopausa, vem aquele furacão de mudanças. O sono é um dos primeiros a sentir os efeitos. A qualidade dele muda completamente. De repente, você se pega à noite chutando lençóis e cobertas, sem entender direito o porquê. Até se dar conta de que é o declínio dos hormônios batendo à sua porta.
Acordar do nada às 3 horas da manhã, sem conseguir pegar no sono novamente, acaba virando rotina. Lembro de uma amiga, um pouco mais velha do que eu, dizer que leu livros inteiros durante as despertadas no meio da madrugada. Pode ser desesperador ver as horas passarem sabendo que o alarme vai soar em breve, com um dia inteiro de atividades pela frente. E nada de sono.
Mas a tempestade perfeita se dá quando ao lado tem alguém que ronca a sono solto, totalmente alheio ao drama que ocorre a um palmo de distância. A tempestade perfeita acontece quando dois dos distúrbios de sono mais frequentes passam a dividir o mesmo leito.
Enquanto a insônia é o distúrbio mais comum entre mulheres, o ronco é o que mais afeta os homens. Dá para dizer tranquilamente que não há humor que resista a noites de tortura, uma vez que a privação do sono nos torna menos resistentes ao estresse de nossas rotinas. Sono de qualidade é sinônimo de saúde. Além de regular os humores, fortalece o sistema imunológico, ajuda na manutenção do peso corporal, na produção de insulina, na capacidade de reter nossa memória e novos aprendizados, entre outros benefícios.
Diante de tanta evidência, deveríamos urgentemente desestigmatizar essa questão de dormir em quartos separados, como afirmou recentemente Cameron Diaz em entrevista a um podcast sobre beleza e bem-estar. Antes dela, a brasileira Sheron Menezzes já havia dito que desde o nascimento do filho Benjamin, hoje com 6 anos, passou a adotar essa rotina com o companheiro Saulo Bernard. Tem dado certo, pelo visto, já que o casamento dura 12 anos.
Nem todo mundo tem o privilégio das atrizes de desfrutar de espaços generosos, capazes de abrigar esse arranjo matrimonial. Num mundo ideal, quando um casal decide dormir em quartos separados, ambos os dormitórios deveriam inclusive ser equivalentes em tamanho e aconchego. Ninguém precisa sofrer uma espécie de castigo só porque resolveu propor a divisão, sendo relegado a um cantinho desprezado da casa, uma cama estreita e combalida ou ao sofá desconfortável da sala. Mas às vezes, no meio da tormenta, até um colchão no chão parece um pedaço do paraíso. Um território seguro, um oásis de paz e tranquilidade.