GERAL
Ela prestou o Enem 7 vezes, tirou mil na redação e, agora, cursa Medicina: ‘Nunca pensei em desistir, era meu único caminho’

Não existia outra opção de curso para Anna Beatriz Veríssimo: a jovem de 22 anos sempre quis fazer Medicina. Mas, para realizar esse sonho, foi preciso enfrentar a longa maratona de prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) por sete vezes. A última edição, porém, foi muito especial. Além de alcançar a nota que garantiu uma vaga na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) neste ano, ela conquistou o primeiro mil na redação.
- Terra terá gabarito extraoficial e correção ao vivo das questões e redação do Enem 2025
“Nunca pensei em desistir, e não tinha uma segunda opção de curso. O que me ajudou a manter o foco foi ter em mente que Medicina representa uma missão de vida. Eu queria ser médica e cuidar de gente, então esse era o meu único caminho”, afirma Anna Beatriz, em conversa com o Terra.
A jovem destaca que faria as provas quantas vezes fossem necessárias até conseguir passar no curso e universidade que desejava. “Se eu não tivesse passado, na semana seguinte estaria de volta ao cursinho, com mais vontade de conseguir minha vaga. Acredito que a gente nunca perde estudando, e tudo vira bagagem.”
Sete tentativas no Enem
A potiguar, que mora atualmente na cidade de Mossoró (RN), onde está localizada a UERN, lembra que começou a prestar o Enem desde o primeiro ano do ensino médio. Em 2018 e 2019, participou como treineira. E, a partir de 2020, quando estava no último ano do colégio, foi “para valer”, até conseguir a média de 814,94 na edição de 2024 e ser aprovada.
Segundo Anna Beatriz, quando terminou o ensino médio, ela teve uma evolução na nota da redação do Enem, passando de 700 para pouco mais de 900, mas ainda tinha uma “base teórica defasada”. Com isso, de 2020 a 2023, ela se preparou estudando em casa. “Em 2022, cheguei a ser aprovada em um concurso temporário do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] e passei a conciliar o trabalho com os estudos”, recorda.
Em 2024, no entanto, a estudante ganhou uma bolsa de estudos em um cursinho presencial em Fortaleza (CE) e se mudou para estudar. No último ano, a rotina de estudos dela consistia em assistir às aulas do cursinho pela manhã e, depois, responder questões e focar em revisão, simulados, provas antigas e correção dos erros.
“Minha rotina passou a ter um foco maior na prática de exercícios e de simulados, o que me ajudou a desenvolver uma boa estratégia de prova, que me garantiu 83 de 90 acertos no primeiro dia do Enem”, conta.
Sobre a estratégia adotada na prova, a jovem destaca que não adianta focar só na redação e negligenciar as questões, ou vice-versa. “O que me ajudou muito foi intercalar as provas de linguagens, humanas e redação [no primeiro dia], para não cansar a mente e destinar a energia necessária a cada uma dessas áreas. Nos anos anteriores, eu não havia testado minha estratégia de prova simulando as reais condições do Enem, com o tempo cronometrado, e isso foi essencial em 2024 para alcançar o resultado”, explica.
A surpresa com o mil na redação
Anna Beatriz estava sozinha em seu quarto quando abriu “com medo” o resultado do Enem. “Quando vi aquele 1.000 minhas mãos tremeram, chorei muito. Fui mostrar para o meu irmão, que era a única pessoa que estava em casa, dizendo que não podia ser real. Na hora, eu me ajoelhei e agradeci muito a Deus, em prantos”, diz.
A estudante ressalta que ficou muito surpresa, porque esperava uma nota em torno de 920. “Na noite anterior ao resultado, falei para um amigo que estava preocupada com a nota de redação, e ele falou que eu ia tirar 1.000. Na hora, eu ri, porque parecia tão distante.”
Na redação, ela precisou escrever sobre os “desafios para a valorização da herança africana no Brasil” e afirma que o tema a deixou confortável, porque sempre gostou de ler e escrever sobre temas sociais. “Por exemplo, eu já estava lendo o livro Torto Arado, e foi a primeira coisa que me veio à cabeça quando vi o tema.”
A potiguar conta que a redação não era o seu foco principal de preparação para o Enem e destinava mais tempo para estudar matérias de Ciências da Natureza e Matemática, áreas que precisavam de uma maior dedicação dela. Mas, desde 2019, ela praticava os textos com a ajuda de um cursinho de redação.
“Fui desenvolvendo minha própria estrutura, considerando todas as correções de erros. Nos anos seguintes, me preocupava mais em manter o hábito de leitura e adquirir bons repertórios socioculturais. Gostava de ler jornais e revistas, que são fontes rápidas e atuais, mas com uma abordagem crítica e aprofundada de temas sociais que o Enem gosta bastante”, lembra.
Em meio à rotina corrida, Anna conseguia fazer uma redação a cada 15 dias. “Porém, minha base dos outros anos me permitia essa maior tranquilidade para diminuir a frequência de escrita. Em 2024, passei a ter um cuidado maior com a competência 3, que avalia a argumentação e é uma das mais exigentes.”
Para quem vai prestar o Enem, a dica da estudante para a redação é que o texto precisa ter um diferencial e ser autêntico: “o principal é não tentar copiar modelos prontos e usar referências que você realmente conheça, de forma ‘natural’. Um texto fluído e coerente agrada muito o corretor do Enem, então é isso que eu buscaria”.
Apoios durante a preparação
Ao longo de todos os anos de estudos, Anna Beatriz ressalta que o apoio da família foi fundamental para ela ter mais tempo para se dedicar aos estudos e não desistir. “Minha família sempre foi meu alicerce: meus pais, tios, avós, todos torciam por mim e me permitiram continuar tentando entrar na faculdade mesmo anos depois de concluir o ensino médio”, afirma.
Ela também enfatiza a importância do Enem para se conquistar uma vaga na universidade:
“Sempre procurei encarar a prova não como algo assustador, mas como uma grande oportunidade de transformar a minha vida e a da minha família. Acredito que essa mentalidade faz toda a diferença. Se você vai fazer o Enem, acredite no seu potencial e encare com leveza, porque cada dia de estudo é um passo na direção do seu sonho”
Leia a redação nota mil de Anna Beatriz na íntegra
Na obra literária “Torto Arado”, Itamar Vieira retrata uma comunidade quilombola na fazenda Água Negra, na Bahia, relatando aspectos socioculturais relevantes para essa população afrodescendente, como os rituais religiosos e os saberes tradicionais passados pelas gerações. Fora da ficção, é nítido que a sociedade brasileira não valoriza a herança africana presente desde a histórica formação nacional. Essa problemática de invisibilidade decorre da mentalidade colonial eurocêntrica, bem como da lacuna educacional no tocante ao resgate da cultura afro-brasileira.
Dado o exposto, pode-se considerar a persistência de ideais eurocêntricos como empecilho para o reconhecimento do vasto legado africano no país, uma vez que tais formas de conhecimento são estigmatizadas em detrimento da valorização dos costumes hegemônicos dos colonizadores. Tal questão pode ser verificada sob o conceito de “racismo estrutural”, cunhado pelo antropólogo Silvio Almeida, em razão da naturalização do racismo em diversas esferas, a exemplo da linguagem e do uso de expressões “magia negra” para vincular um sentido negativo ao que é negro. Dessa forma, o pensamento de desvalorização da herança africana se materializa no cotidiano, conforme denunciado por Almeida, e distancia a nação do desejo de aprender acerca dos costumes e valores africanos, ao atribuir estereótipos de desqualificação a esses saberes, o que aprofunda o óbice.
Além disso, é notória a falha educacional brasileira no que se refere ao resgate da cultura afro-brasileira, presente em canções, ritmos, festas populares e diversas manifestações importantes para o patrimônio nacional. Nesse viés, embora a Lei de Diretrizes e Base preconize o ensino obrigatório da história africana no ambiente escolar, ainda há uma escassez de programas nesse âmbito, na medida em que observa-se um amplo desconhecimento acerca das grandes personalidades negras ou de suas origens (como o escritor Machado de Assis, muitas vezes representado como branco), bem como do heroísmo dos abolicionistas, a exemplo do advogado Luiz Gama. Dessa maneira, elementos culturais, como a literatura negra, são esquecidos por parte da população, o que destoa da proposta memorialística da LDB.
Portanto, é preciso reconhecer e valorizar a herança africana no Brasil. Para isso, o Governo Federal, em parceria com as secretarias estaduais de educação, deve ampliar as campanhas de valorização da cultura africana, sob um viés afrocentrado, por meio de votação entre deputados e senadores — responsáveis pela aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) —, com a finalidade de combater a visão eurocêntrica presente na sociedade, promovendo o aprendizado da história sob a ótica dos afrodescendentes. Ainda, cabe ao Ministério da Educação, como responsável pela elaboração de políticas públicas de educação, fomentar palestras socioeducativas, ministradas por pedagogos negros, nas instituições escolares, a fim de disseminar o conhecimento acerca do inestimável legado africano na história e na cultura do país. Nessa perspectiva, o panorama diverso destacado em “Torto Arado” será devidamente valorizado pela sociedade brasileira.
Enem 2025
As provas do Enem 2025 serão aplicadas em dois domingos seguidos, nos dias 9 e 16 de novembro deste ano. No total, o exame tem 180 questões objetivas e uma redação, e é dividido da seguinte forma:
- Primeiro dia do Enem – 9/11: prova conta com 45 questões de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; 45 questões de Ciências Humanas e suas Tecnologias; e a redação (texto dissertativo-argumentativo). O exame começa às 13h30 e termina às 19h.
- Segundo dia do Enem – 16/11: prova traz 45 questões de Ciências da Natureza e suas Tecnologias; e 45 questões de Matemática e suas Tecnologias. O exame inicia às 13h30 e vai até as 18h30.
Nos dois dias, os portões dos locais de prova abrem às 12h e são fechados às 13h (horário de Brasília).
Em Belém, Ananindeua e Marituba (PA), a edição deste ano será aplicada nos dias 30 de novembro e 7 de dezembro, em razão da realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que acontecerá na região, no período da aplicação regular do exame.





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