GERAL
Lanche na hora do almoço, saudade e 5 horas no mato: a rotina da missão brasileira no Canadá
O governo brasileiro, representado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), enviou, em 21 de julho, 102 agentes para ajudar a combater os incêndios florestais no Canadá.
A expedição ao Canadá entrou para a história como a maior missão humanitária realizada pelo Brasil. Toda a operação é coordenada pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC) do Ministério das Relações Exteriores e financiada pelo governo canadense.
Procurados pelo Metrópoles, integrantes da comitiva enviada ao exterior compartilharam a experiência de participar de uma missão humanitária, além de descrever o dia a dia no controle das chamas na região.
Café e suco ilimitados e até serviço de “lavanderia”
Barracas individuais ou para a delegação, cozinha com suco e café ilimitados, refeitório e até serviço de “lavanderia” fazem parte do “pacote” oferecido pelo governo canadense aos integrantes da missão humanitária contra os incêndios florestais no país.
Em vídeo enviado ao Metrópoles, a chefe do serviço de operações do Prevfogo, Ana Maria Canut, mostrou o acampamento. No local, há: barracas do agrupamento brasileiro, espaço livre para montagem de barracas individuais, cozinha, refeitório, banheiro químico, pias externas, chuveiros, trailers das salas de comando da missão e local para coleta de garrafas d’água — que serão recicladas. Além de barracas aquecidas que funcionam como uma lavanderia.
Veja a tour pelo local:
Cada combatente prepara diariamente sua mochila com lanches e garrafas d’água — é necessário pegar a quantidade total de água que será consumida durante as missões de combate, pois os brigadistas ficam cerca de 5 horas em áreas remotas da floresta.
Para a equipe, o maior impacto foi a alimentação, considerada “muito diferente do Brasil”. No Canadá, eles têm o hábito de fazer um lanche. Os profissionais também sentem falta das famílias e amigos que estão a cerca de 10.363 km de distância.
A conexão com a internet é disponibilizada nas bases, onde os brigadistas e especialistas conseguem entrar em contato com os familiares, além de acessar as redes sociais durante as noites ou antes de sair do acampamento.
Mas, vale ressaltar, que os profissionais in loco estão acostumados com esse tipo de rotina de trabalho. No Brasil, eles chegam a ficar 30 dias fora de casa no combate a incêndios. “A novidade é estarem no Canadá”, disse o analista ambiental e coordenador-geral da delegação do Brasil, Gabriel Zacharias.
A maior missão humanitária do Brasil
Os profissionais concordam que participar de uma missão humanitária, principalmente no contexto de ser a maior realizada pelo Brasil, é “gratificante”. Além de ser uma oportunidade de representar o país no exterior, eles afirmam que é o momento de compartilhar o conhecimento nacional a respeito do combate a incêndios.
“É triste viajar por esse motivo, mas ao mesmo tempo é gratificante sermos lembrados para apoiar um outro país e pessoas que estão passando por algum tipo de dificuldade”, disse Zacharias. “É um orgulho para a gente representar nosso país e poder ajudá-los”, declarou.
O Brasil não é o único país na missão, também estão no Canadá, por exemplo, combatentes dos Estados Unidos (EUA), da Austrália, da Coréia, do México, da Costa Rica, da Nova Zelândia e da França.
Zacharias ressalta que a operação pode ter sido “uma das maiores mobilizações de brigadistas e combatentes no mundo” devido a quantidade de profissionais de diferentes nacionalidades atuando em conjunto no território canadense.
A comissão brasileira relata que não escutou críticas em relação à preservação ou à gestão ambiental do país de outros profissionais que atuam na operação no Canadá. “O Brasil e outros países foram muito bem recebidos e estão sendo muito bem tratados pelos governos tanto federal quanto os provinciais” afirmou o coordenador-geral.
Seleção e atuação
O Ibama informou ao portal que a seleção da equipe foi definida pela chefia e pelo Serviço de Operações do Prevfogo e aprovada pela Diretoria de Proteção Ambiental pela expertise de atuação dos brigadistas.
A comissão brasileira ficará no Canadá durante 30 dias, até 22 de agosto. Estão na expedição coordenador-geral da delegação do Brasil, Gabriel Zacharias, e os 102 combatentes selecionados, sendo 42 especialistas do Ibama.
De acordo com Zacharias, “não existe ainda uma perspectiva da possibilidade de ser ampliado esse período”. No entanto, as regras canadenses possibilitam a extensão da estadia da delegação por, no máximo, mais 15 dias.
“Se fosse necessário mais do que isso, teria que ser acionada outra equipe brasileira. Mas entendemos que isso vai ser muito difícil de acontecer, porque já se decidiu por não mobilizar mais ninguém de outro país”, revela Zacharias. “Então, da nossa perspectiva, continua a previsão de retorno ao Brasil no dia 22 de agosto”, completa.
Os brasileiros atuam na região das cidades de Chilliwack, Abbotsford e Prince George, na Colúmbia Britânica — uma das áreas mais afetadas pelo fogo, além disso o nível de preparação nacional é considerado “extremo”, segundo o Canadian Interagency Forest Fire Center Inc. (CIFFCI) —, que teve mais de 3,3 milhões de hectares queimados, de acordo com informações da própria interagência.
Eles estão atuando da seguinte forma: 100 pessoas no combate das chamas, divididas em cinco brigadas de 20 pessoas — chamadas Brazil 182, 183, 184, 185 e 186 — e duas responsáveis pela comunicação do comando local com a brigada. Além de dois funcionários atuando na coordenação nacional.
Cronograma diário da delegação brasileira no Canadá:
- 5h – café da manhã e montagem das mochilas com lanche;
- 6h – briefing sobre segurança e condições climáticas. Em seguida, deslocamento para a área de combate;
- 7h – chegada no combate e briefing sobre as atividades a serem realizadas e combate;
- 12h – almoço (um lanche mais reforçado);
- 13h até as 18h – combate;
- 19h – deslocamento para acampamento, banho e janta; e
- 20h – reunião para avaliação do dia e descanso.
Entre os combatentes, foram convocados nove brigadistas indígenas da etnia Xerente, 10 quilombolas, além de profissionais especializados em diversos biomas, inclusive regiões montanhosas. Para o instituto, foi crucial diversificar a equipe devido às características distintas do território em relação à realidade brasileira.
Além do Ibama, compõem a comissão: profissionais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio); integrantes dos ministérios do Meio Ambiente e da Integração; tropas da Força Nacional de Segurança e bombeiros militares do Distrito Federal e de diversos estados do Brasil.
Queimadas no Canadá
Desde o início de maio, o Canadá sofre com uma temporada de incêndios florestais fora do comum. Mais de 13,1 milhões de hectares foram queimados desde o início do ano, de acordo com dados do CIFFCI.
Devido ao elevado volume dos incêndios florestais, o Canadá chegou a pedir apoio internacional para impedir o avanço do fogo. O CIFFC informou que, no mês passado, participaram do combate às chamas nas florestas do país, ao todo, 1602 combatentes internacionais, 90 canadenses e 398 funcionários organizacionais.
Atualmente, o país encontra-se no nível 5 de preparação nacional — o que significa que a região sofre com queimadas intensas e todos os índices para conter a situação são considerados “extremos” ou demandam especialização alta.
Com mais de 5 mil queimadas, até o momento, o ano de 2023 superou o número do ano passado, de 4.883 incêndios. Mas, ainda está longe da maior marca de queimadas registradas no país, de 10.998, ocorridas em 1989.
As consequências dos incêndios canadenses também foram sentidas no território dos Estados Unidos (EUA), mais precisamente, em Nova York. Em junho, auge das queimadas, uma camada densa de cinzas invadiu a cidade, causando a pior qualidade de ar do mundo, conforme a empresa suíça de tecnologia de qualidade do ar, IQAir.
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