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No Acre, jovem é vítima de racismo ao participar de treinamento em loja no Via Verde Shopping

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Andryvan foi vítima de racismo durante treinamento (Foto: Arquivo pessoal)

O acadêmico de Engenharia Florestal da Universidade Federal do Acre, Andryvan Silva da Costa, 22 anos, relatou, em suas redes socias, na noite desta quinta-feira, 5, um episódio de racismo contra ele. O ato absurdo ocorreu durante um treinamento, oferecido pela empresa Gov Resort, que fica localizada nas dependências do Via Verde Shopping, em Rio Branco.

Foto: Reprodução/Twitter

Segundo Andryvan, em busca de oportunidade no mercado de trabalho, ele se inscreveu para concorrer a vaga de consultor, e a dinâmica consistia nos concorrentes se entrevistarem. “Chegou minha hora de ser entrevistado por essa moça e ela, simplesmente, olhou pra mim e disse: ‘eu não vou conseguir entrevistar ele, porque parece que ele vai me roubar, olha a cara dele, me dá medo’. Não tive outra reação a não ser me levantar e chorar”, relatou Andryvan ao Na Hora da Notícia.

Procurada pela reportagem, a acusada Helly Cristina Nascimento Mesquita, de 25 anos, disse que tudo não passou de um mal-entendido e que estava nervosa, pois estavam concorrendo entre 17 pessoas e que, quando ele se aproximou com a expressão séria, ela, por nervosismo, disse que “do jeito que ele está acho que vai querer me roubar. Mas, na verdade, a palavra seria comprar no lugar de roubar”. Ela afirmou ainda que o rapaz tinha uma cara muito séria e que tudo não passou de uma brincadeira. “Se eu fosse racista não seria casada com meu marido que é negro”, disse.

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Helly enviou uma nota ao Na Hora da Notícia, onde expõe sua versão do caso. No texto ela confirma estarem em um treinamento e que uma apresentação seria feita e eles tinham um determinado tempo para decorar o tudo que seria falado.

“Comecei minha apresentação, errei várias vezes pelo fato de estar nervosa, mas não desisti. Tentei 1,2,3 vezes, teríamos que entrevista um casal, comecei a minha apresentação e estava muito nervosa, pois dava um branco na hora de apresentar, até então eu fiz uma pergunta para o rapaz e ele falou de uma forma que todos começaram rir pelo fato o que ele falava que foi engraçado. Eu não tinha entendido o que ele tinha falado, até quem estava responsável por nós eles começavam a rir também, porque nós estávamos muito nervosos, mas ao mesmo tempo a gente se divertia e eu perguntei: ‘o que foi gente? Porque estão rindo?’ Aí falaram que foi pelo jeito que ele tinha me respondido, aí eu falei que ele estava muito sério, que eu não conseguiria olhar para ele, por que ele tinha uma cara de bravo, falei na brincadeira, pois estávamos tensos e eu estar muito nervosa, mas ao mesmo tempo se divertindo. Nossa colega que estava juntamente com nós na mesa, começou a rir porque ela disse que o jeito que eu estava falando era engraçado (fofa), pelo fato de estar muito, mais muito nervosa, todos estavam rindo. Eu pelo menos estava tão nervosa que esquecia o texto quase todo, minhas mãos suadas, as pernas não paravam de balançar e como tenho crise de ansiedade estava mais nervosa ainda, tremendo toda pra apresentação, agindo com a emoção, acabei por trocar umas das palavras que, provavelmente, machucou ele, mesmo sendo por impulso, nervosismo, brincadeira e reconheci meu erro”, relatou a jovem.

Ela relatou ainda que Andryvan se levantou na mesa e pediu pra ir outra pessoa, já que ela não estava conseguindo olhar pra ele e falou rindo, em tom de brincadeira, ‘eu só não consigo olhar, porque você está sério com cara de bravo’.

Ainda segundo Helly, ali era uma vaga de emprego que dependia do esforço de cada um e ela se achava incapaz de estar lá e chegou a pensar em desistir. Helly diz ainda que desistiu de apresentar, sentou, pegou o celular e saiu do grupo do treinamento, pois sabia que com o ocorrido não demoraria muito tempo.

“Foi quando fui chamada e avisada que havia sido desclassificada por conta de racismo, falei ‘tudo bem’, peguei minhas coisas e me retirei da sala muito triste. Maior parte da minha família são negros, morenos. Em momento algum eu quis ofender ele, pelo contrário, tanto que fiquei mal e desisti. Me arrependo mesmo de coração, conheço e reconheço meu erro. Como falei fui pela emoção e nervosismo e por conta disso a gente acaba falando o que não deve. Porque não mostrar que errar é humano, que a gente tem que aceitar isso, que a gente tem que ter um pouco mais de tolerância é óbvio, tem erros que são muito fatais, mas errar todo mundo erra e eu estou reconhecendo o meu. E peço desculpas de coração”, escreveu.

Andryvan disse à reportagem que Helly não pediu desculpa na hora do ocorrido e que falou que se ele havia se ofendido ‘o problema era dele’. Confrontada sobre essa informação, a acusada disse que não pediu desculpa, pois estava respeitando o momento de raiva dele e teve medo dele ser agressivo. Ao sair do local, a vítima disse que se aproximou da mulher e pediu seu nome e contato. Ela forneceu e disse que ele podia entrar na Justiça.

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Em conversa com o responsável pelo treinamento, a reportagem do Na Hora da Notícia foi informada que a candidata foi desclassificada já seu ato foi entendido como racismo. “Foi detectado como racismo sim, e moça participava do treinamento foi desclassificada. Demos todo o apoio para o Andryvan e estou em contato com ele desde então. Falei para ela que esse tipo de brincadeira não existe”, disse o responsável, que não quis se identificar.

O que diz a lei

Vale ressaltar que o Art. 20 da Lei de Nº 7.716, de 5 de maio de 1989, diz que “praticar, induzir ou incitar a discriminação, ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, a pena é de um a três anos de prisão e multa.

O Na Hora da Notícia conversou com Charles Brasil, advogado e professor doutorando em direito constitucional pela Universidade de Brasília, sobre o que diz o artigo sobre as penas para quem comete atos racistas. Ele falou que esse é o artigo previsto e que, inclusive, no Acre já houve condenação por racismo e que o caso foi parecido com esse. No entanto, este em questão é muito mais grave, mas que há condenações espalhadas pelo país.

“A primeira questão é por que um comportamento que associa a pessoa negra ao sujeito criminoso acontece? Nesse caso, a pessoa chega a afirmar que um jovem negro tem cara de que vai lhe roubar. Esse imaginário foi construído ao longo da história, ao longo do tempo durante e após o fim da escravidão. A pessoa negra é associada negativamente a tudo que existe, seja em relação à beleza, ao trabalho, e, consequentemente, ao mundo do crime. Esse imaginário se constrói e se alimenta diariamente em nossa sociedade, o que é perverso e desumano. O sujeito criminoso, nesse imaginário, é o homem negro, o jovem negro. Nesse caso, em qualquer circunstância o homem negro é suspeito”, explica.

O advogado ressalta, também, que o fato de uma pessoa ser casada, ter amigos ou algo semelhante não atenua o ato racista dela e afirmar em alto e bom-tom que um jovem tem a aparência de quem vai lhe roubar é um crime tipificado na lei de racismo.

“Uma pessoa dessa deveria ser presa em flagrante no ato que proferiu essa frase criminosa. Uma frase que desumaniza, inferioriza e reforça o estereótipo de sujeito criminoso não tem amparo na nossa constituição que tem o respeito a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos da República brasileira. E mais, nosso constituinte originário deixou no texto Constitucional o repúdio ao crime de racismo e impôs ao legislador derivado a regulamentação de uma lei para combater esses crimes, o que fora feito em 1989. Portanto, esse comportamento criminoso não é aceitável. Repito, o fato de ter alguém negro próximo nas relações pessoais não ameniza o comportamento racista praticado”, diz Charles.

Quanto a acusada relata que foi uma “brincadeira”, o advogado faz referência ao que ao professor Adilson Moreira no livro ‘Racismo Recreativo’, que deixa muito evidente que as chamadas “brincadeiras” ao realizar os comportamentos racistas que são frutos de uma política cultural que usa o humor para desumanizar, para fazer chacota com o povo negro e tal comportamento seria legitimado por conta do humor.

“Essa é a estratégia dos racistas que atuam nesse sentido. O humor que inferioriza e desumaniza pessoas não é legítimo e, portanto, se fizer referência as questões raciais são sim um crime racial que deve ser apurado pelo sistema de Justiça. A brincadeira de forma alguma pode servir de escudo para práticas racistas. E se a pessoa que praticou tal ato não sabia disso, eis, então, a oportunidade para ela estudar e não praticar mais tal comportamento repugnante”, finalizou Brasil.

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