GERAL
Por que luz da manhã é crucial para saúde
“A luz solar é uma coisa poderosa, talvez mais poderosa do que a maioria das pessoas imagina”, diz o professor de genética humana Steve Jones, da University College London (Reino Unido).
Em outras nações, especialmente no hemisfério Norte, a luz do Sol é menos predominante. Nos meses de inverno, nas regiões mais ao norte da Europa, da Ásia e da América do Norte, o Sol aparece muito menos. Pior: com muita gente passando longos períodos dentro de casas e edifícios, o contato com o Sol ficou ainda menos frequente.
“De certa forma, a vida moderna nos levou de volta à Idade de Pedra, quando vivíamos em cavernas”, afirma Jones, preocupado com a vida que muitos hoje levam longe do Sol. Segundo ele, os efeitos negativos de uma vida longe da luz solar foram confirmados por muitos estudos realizados ao longo das últimas décadas.
“Nos anos 1960, houve vários experimentos, feitos pelos franceses que foram para dentro de cavernas e ficaram por lá”, relata o professor. O que aconteceu com essas pessoas?
“Todos começaram a dormir ou por períodos de tempo extraordinariamente longos ou extraordinariamente curtos, e eles não conseguiam perceber a diferença.”
Os problemas não se limitaram a distúrbios no sono. “Todos eles disseram que sofreram de graves abalos no humor e depressão, tanto que muitos tiveram de sair muito antes do que haviam planejado.”
Para identificar os efeitos da falta do Sol na vida e na saúde das pessoas, no entanto, não é preciso que elas vivam dentro de cavernas. Basta apenas observar seu comportamento durante o inverno em regiões de latitudes altas, quando em muitos dias encobertos a luz solar aparece muito pouco.
“No inverno, nós nos sentimos meio estranhos”, diz o professor Steve Jones. “A falta de luz do Sol significa que seu sistema imunológico não funciona tão bem, seus mecanismos de defesa não funcionam tão bem.
O tempo do corpo
Isso ocorre porque nosso corpo possui o chamado ciclo ou ritmo circadiano, como explica Aarti Jagannath, professora associada de neurociência clínica da Universidade de Oxford (Reino Unido).
“Efeitos no humor, aumento de depressão, mais distúrbios metabólicos, todas essas coisas são ramificações de um relógio circadiano abalado”, afirma.
Todos nós dependemos de nosso ritmo circadiano. Trata-se de um medidor de tempo interno regulado para um período de 24 horas que está presente em todo tipo de vida na Terra. “Ele controla o tempo de toda a nossa fisiologia e todo nosso comportamento”, explica Jagannath.
“Todos os tipos de processos ativos são compartimentalizados dentro do dia, e todos os processos restauradores são mantidos na noite.”
O ritmo circadiano é definido todos os dias pelo nascer do Sol, e a primeira luz da manhã é a mais importante para essa definição.
“Os comprimentos de onda que têm o impacto mais poderoso são os de coloração levemente azulada”, diz a professora Jagannath. “Nos nossos olhos existem essas células que têm um pigmento sensível a essa luz azul e sinalizam ao relógio do organismo, para informar qual é a hora do dia.”
É um fenômeno que ocorre nos olhos sem ligação com a nossa capacidade de enxergar. Essas células ganglionares detectam níveis de luz, mas não têm nada a ver com a visão. Elas têm a mesma importância para a definição do ritmo circadiano de pessoas com deficiência visual.
“Muitas pessoas não se dão conta da vida artificial que nós levamos”, afirma Steve Jones. “Isso porque vida artificial depende de luz artificial.” Quem paga o preço da substituição de um processo de iluminação natural por outro criado artificialmente é o nosso organismo, que recebe informações desencontradas.
“A busca por luz artificial fornece ao seu corpo um sinal de tempo que é incorreto”, diz Aarti Jagannath. Então você pode acabar sentindo-se mais alerta à noite ou muito mais deprimido durante o dia.”
Trabalho noturno
Essa distorção do funcionamento natural do organismo é mais claramente sentida pelas pessoas que trabalham durante a noite. Muitos estudos já identificaram que o trabalho em turnos noturnos pode ter um impacto profundo na forma como o corpo se autorregula. No Reino Unido, um país de quase 70 milhões de pessoas, 3 milhões delas trabalham no período da noite.
“Os sistemas dentro do corpo tendem a se dessincronizar, então tendemos a ter uma incidência maior de diabetes, obesidade, doenças cardiovasculares”, afirma Jagannath.
Adaptar o organismo a um padrão de sono é um enorme desafio para trabalhadores noturnos. Com as confusas diferenças de luz entre os ambientes da casa, do transporte e do ambiente de trabalho, 97% daqueles que trabalham em turnos que envolvem trabalho noturno nunca conseguem ajustar seus ciclos de sono.
“A Organização Mundial da Saúde vê o trabalho em diferentes turnos como uma ameaça à saúde, e é”, diz Steve Jones. “Muitos britânicos passam menos de meia-hora por dia a céu aberto”, acrescenta ele. Para efeito de comparação, a ONU (Organização das Nações Unidas) afirma que todo presidiário precisa passar pelo menos uma hora por dia do lado de fora.
“Não adianta ficar do lado de dentro olhando para o sol dizendo ‘Isto está me fazendo bem’, porque não está”, afirma Jones.
A professora Jagannath mediu o nível de luz solar, num dia comum na Inglaterra, dos lados de dentro e de fora de uma casa em que o ambiente externo estava separado por uma parede de vidro.
“Num dia como hoje, há provavelmente quatro ou cinco vezes menos luz simplesmente por eu estar deste lado [de dentro] do vidro.”
Apenas alguns passos, entre o ambiente interior e o exterior, podem fazer uma diferença enorme para a saúde de uma pessoa, segundo ela. “Uma boa dose de luz do sol brilhante, a qualquer hora do dia, tem um impacto enorme na melhora do estado de espírito e no sentimento geral de bem-estar.”
Jagannath cita um estudo realizado pelo Instituto Broadmoor, na Inglaterra, em que os pesquisadores observaram os efeitos do equivalente a 20 minutos de sol da manhã sobre o estado de espírito.
“Eles identificaram que a luz brilhante tem um efeito muito maior de elevar o estado de espírito do que alguns antidepressivos.”
Fonte de vitamina
A professora lembra que a pele humana não é apenas uma barreira, mas sim um órgão vivo do corpo. Quando nossa pele vê a luz do Sol, por exemplo, é quando ela começa a produzir vitamina D, um componente essencial de muitas sinalizações diferentes no nosso corpo.
“Você pode obter vitamina D de várias maneiras”, diz Jones. “Você pode fazer o que eu faço: tomar um comprimido de vitamina D. Com uma dieta de salmão e cogumelos, você não tem raquitismo [doença que enfraquece os ossos]. Mas a melhor maneira, de forma esmagadora, é por meio do sol.”
O raquitismo, considerado raro, tem sido identificado com mais frequência. “Tem voltado por razões verdadeiramente deprimentes. A quantidade de Sol que temos obtido caiu dramaticamente nos últimos 20 anos”, afirma Jones, referindo-se à situação vivida particularmente no Reino Unido. “Caiu mais rapidamente nos últimos dois ou três anos.” Além do raquitismo, a deficiência de vitamina D pode facilitar a ocorrência de tuberculose.
A professora Jagannath concorda com a descrição do problema. “Nós não estamos ficando ao ar livre, e isso vai ter um impacto no alinhamento do relógio biológico. Isso nos faz sermos ainda mais como ermitões dentro de uma caverna, dependendo de luz artificial.”
A solução? Segundo ela, precisamos manter uma rotina que ajude nosso organismo a se manter saudável, mais de acordo com a maneira com que o dia se desenvolve.
“Fazer refeições na hora certa, ir para a cama na hora certa e ir ao ar livre, mesmo que esteja congelante, para aquela caminhada diária de 20 minutos e alguma exposição à luz [natural]”, diz Jagannath.
“Simplesmente estar ao ar livre e expor-se à luz, para que você possa corrigir seu relógio circadiano, terá um enorme impacto benéfico na sua saúde e bem-estar.”
Ou, como recomenda de forma direta o professor Jones: “Não se refugie em sua caverna. Em outras palavras, quando o sol sair, saia e aproveite. Esse é o conselho médico”.
Esta reportagem é baseada em um vídeo da BBC Ideas. Clique aqui para assistir (em inglês).