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Rosquinha, aranha e pirulito: médico faz sucesso falando de saúde sexual e vira alvo de conservadores

“Você sabe fazer fio terra com segurança?”, “Seu molho está com cores diferentes?” e “Briga de aranhas também pode transmitir IST”. Com frases provocativas como essas, o médico infectologista Ricardo Kores ressignificou a palavra “viral” e transformou o que costuma ser tabu até em consultórios médicos em um espaço de acolhimento e informação para milhões de brasileiros nas redes sociais.
Com 1,3 milhão de seguidores no Instagram e quase 600 mil no TikTok, Kores é hoje uma das principais vozes no combate à desinformação sobre infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). O trabalho ganhou relevância em meio ao crescimento de casos: segundo o último boletim do Ministério da Saúde, entre 2020 e 2024, houve um aumento de 24,1% nos registros de HIV no País. No caso do HPV, a infecção genital atinge mais da metade das mulheres sexualmente ativas e 41,6% dos homens.
“Hoje, os encontros começam virtualmente e a busca por informação também mudou. As pessoas têm acesso a conteúdos, mas não colocam em prática por tabu ou dificuldade de acesso a tratamentos e preservativos”, explica o médico ao Terra. “As ISTs não deixaram de existir. Alguns dados mostram estabilização, mas, em muitas regiões, há crescimento. Isso incomoda o profissional de saúde.”
Ricardo alerta que a vulnerabilidade é ainda maior entre pessoas com menos acesso à educação e saúde, especialmente em regiões conservadoras e cidades pequenas. “Nos grandes centros, é mais fácil falar sobre o tema. Mas no interior, onde todo mundo se conhece, isso gera insegurança. Já ouvi muito: ‘Não fui ao posto porque minha mãe poderia descobrir’.”
A resistência, segundo ele, não está apenas entre pacientes. Um grande gargalo é o tabu entre os próprios profissionais de saúde. “Temos campanhas para hipertensão e diabetes, mas ninguém está preparado para fazer um teste de HIV com naturalidade. Até entre os próprios profissionais de saúde há constrangimento.”
O desconforto também aparece quando o assunto são práticas sexuais menos discutidas ou populações marginalizadas. Ricardo, que costuma atender o público LGBTQIA+, relembra um caso em que ouviu sobre a falha de uma profissional em oferecer orientações. “Uma paciente lésbica me contou que perguntou à ginecologista sobre cuidados entre mulheres e ela não soube responder. Eu expliquei tudo com tranquilidade. Ela disse: ‘Que bom que você tem essa pegada mais leve’.”
Rosquinha, aranha e pirulito
Essa leveza é parte estratégia de comunicação de Kores, mas também nasceu de uma limitação. Redes sociais como o Instagram costumam limitar o alcance de conteúdos com termos técnicos dos órgãos sexuais. “Então, comecei a usar apelidos, como rosquinha e pirulito, que já circulam na linguagem popular, inclusive entre a comunidade LGBT.
A estratégia mostrou resultados. “As pessoas entram nas redes para se distrair, não para assistir aula. Pelo menos, que brinquem e aprendam”. Segundo ele, a estratégia contribui para que mais pessoas busquem o serviço médico ao reconhecerem sinais de alerta.
Mas o estilo descontraído também atrai críticas –inclusive de médicos. “Recebo resistência de alas conservadoras. Acham que não é função do médico falar de sexo ou cuidados íntimos. Dizem que isso é responsabilidade da família. Mas a gente sabe que, se depender só da família, o risco aumenta.”
Kores defende que o profissional de saúde esteja preparado para escutar sem julgamento. Com pacientes receiosos, o papel central da equação é a escuta do médico. “Quando você escuta primeiro, consegue entender a prática sexual e orientar com segurança”.
Para quem quer começar a cuidar melhor da saúde sexual, o médico reforça a importância de buscar um profissional de confiança –e filtrar bem os conteúdos online. “Há muito profissional preocupado só com engajamento. Sempre pesquise se a pessoa é realmente especialista, veja se tem registro no Conselho de Medicina.”
Sobre o futuro da comunicação em saúde, Kores é realista: “Vejo muitas pessoas querendo iniciar essa estratégia de comunicação acessível. Porque conseguem atingir mais aqueles que precisam. Mas ainda há muita resistência dos mais tradicionais, mesmo diante dos dados. O importante é que já temos um ponto de partida.”
