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‘Sinto-me constantemente diferente’, diz servidora pública que descobriu superdotação aos 43 anos
A servidora pública Letícia Maltez passou a se entender melhor aos 43 anos após descobrir sua superdotação. Ela recebeu o laudo médico que apontou seu elevado Quociente de Inteligência (QI) em agosto desse ano. Mas a busca por esse autoconhecimento, que também beneficiou os dois filhos –também superdotados–, não foi tão simples.
“Comecei a estudar sobre a superdotação e, no primeiro livro que li, fui me reconhecendo em cada linha e parágrafo. De forma concomitante, respondi aos questionários informais de alguns sites, e vi que me identificava com a quase todas das características elencadas ali”, explicou Letícia em entrevista ao Terra.
A servidora pública convive ao longo de anos com as características da superdotação que a leva à muitas alegrias e condição de destaque na sociedade, mas também gera constantes problemas e desconfortos. Desde a infância, se sentia uma estranha em relação a todas as pessoas que a cercavam. “Sinto-me constantemente diferente”, enfatiza ela.
“Tenho curiosidade insaciável, aprendo muito rápido, absorvo os sentimentos e energia das outras pessoas, a ponto de multidões e algumas atividades sociais me sobrecarregarem emocionalmente e me drenarem a energia. Tenho altos padrões de exigência quanto a mim e aos outros, além de grande necessidade de saber”, descreve Letícia, que diz adorar paradoxos, quebra-cabeças, ideias e assuntos complexos.
E, em meio a tantas qualidades, a servidora pública também destaca algumas limitações. “Sou criticada por ser intensa demais em tudo (…) Me sinto esgotada por minha criatividade. Me sinto incomodada com luzes, aromas e sons que passam despercebidos ou são ignorados pelos outros”, relata ela.
“Descobrir a superdotação, mesmo que tardiamente, me ajudou muito, pois possibilita o autoconhecimento e a ressignificação de uma vida inteira de não pertencimento, de não adequação, de sofrimentos que as pessoas próximas não entendiam e de angústias para as quais as quais eu não tinha resposta. Não é fácil ser ou pensar diferente em um mundo de pessoas típicas, onde o que foge da média, do normal, é visto como indesejável ou errado.”
Acompanhamento especial
Para lidar com as suas sensibilidades, Letícia conta ter sido orientada a fazer tratamento psicológico e terapia ocupacional, além de um acompanhamento especial, assim como os dois filhos. Segundo ela, o mais novo não precisou de tratamento neoropsicológico, mas passou por alterações significativas na escola.
“Ele teve que passar pelo processo de reclassificação (com prova) do 2º para o 3º ano do ensino fundamental no início desse ano letivo, o que deixou sequelas, pois ele desenvolveu um medo de prova que não tinha antes e que agora estamos trabalhando para resolver”, relata a servidora, que explica que os dois filhos foram integrados ao Plano Educacional Individualizado (PEI) desde o início desse semestre e já apresentam sinais de melhora na disposição para ir à escola.
Como mãe, ela se sente aliviada por poder oferecer um suporte que ela não teve na infância. “Meus filhos vão crescer sabendo da própria superdotação, dos seus potenciais e das suas dificuldades, o que vai possibilitar que lidem com cada um desses aspectos para se tornarem adultos mais seguros de si e capazes de lidar com as frustrações e dificuldades que acompanham a sua intensidade, sensibilidade e complexidade”, ponderou.
Após anos sofrendo sozinha sem saber o que realmente tinha, Letícia encontrou grupos nacionais e regionais que apoiam famílias superdotadas. “A participação tem sido muito importante na minha vida, tanto pela troca de experiências, quanto por poder desabafar com pessoas que entendem as minhas dificuldades e necessidades. Nos grupos, ouvimos as histórias de outras famílias que passam pelas mesmas situações, trocamos dicas de atividades e estratégias para lidar com as dificuldades dos nossos filhos, bem como para desenvolver os potenciais deles. Esse acolhimento tem feito muita diferença na minha rotina”, avaliou.
Superdotação
No Brasil, há aproximadamente 2,6 mil superdotados identificados, segundo a Associação Mensa Brasil. A neoropsicopedagoga Andreia de Araújo Rota explica que essas pessoas apresentam capacidade mental acima da média de inteligência.
“Crianças superdotadas apresentam maior desempenho em áreas cerebrais envolvidas no processamento de determinado tipo de tarefa. Exames como eletroencefalograma computadorizado (neuroimagem) é capaz de medir o grau de ativação dos neurônios diante de estímulos visuais, musicais e verbais”, explicou.
De acordo com Andreia, a supertodação é diagnosticada através de teste de QI que são realizados por neuropsicólogos. “Não é necessário um tratamento clínico especial, pois a superdotação/Altas habilidades é uma condição do indivíduo não sendo caracterizada como patologia, o superdotado precisa apenas conhecer seu potencial, e podem contar com ajuda de profissionais habilitados como neurologista, psicólogos, neuropsicologos, psicopedagogos, entre outros, para acompanhamento”, explica.
A especialista pontua que a condição é considerada como uma característica genética, porém os fatores ambientais também são importantes para que uma pessoa de alto QI possa desenvolver a sua capacidade. Segundo ela, a superdotação é uma combinação de genes do pai e da mãe, e não segue um padrão de hereditariedade.