Foi estabelecido um limite de até 40% para o comprometimento dos ganhos mensais como crédito. Ou seja, quem recebe R$ 600, o mínimo que será pago pelo programa, pode retirar até R$ 240 da renda para o consignado, e sobram R$ 360 para as demais despesas. Os bancos, por outro lado, são livres para definir as taxas de juros.
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Bradesco, Itaú, Santander, Nubank e BMG são algumas das instituições que já decidiram não oferecer o crédito. Em reunião na Febraban, na segunda-feira (8/8), o presidente Jair Bolsonaro fez um apelo para que os banqueiros concedam o crédito consignado aos beneficiários do programa de auxílio do governo.
Especialistas consultados pelo Metrópoles avaliam a medida como uma espécie de “armadilha” para a população vulnerável. A nova concessão impulsiona o risco de endividamento, a retroalimentação do sistema financeiro e um potencial aumento nos índices de fraude.
Na visão do economista Paulo Feldmann, da FIA Business School, a nova legislação é “condenável”. Ele sugere ainda que o limite de 40% é extremamente elevado, em especial para famílias em vulnerabilidade social, e chega a ser “cruel”.
“O limite é muito alto e na minha opinião é até cruel, pois só favorece os bancos e cria problemas sérios para as famílias mais vulneráveis”, frisa. Diante do contexto socioeconômico, é provável “que as famílias irão se endividar diante das dificuldades pelas quais estão passando”.
Condições básicas de sobrevivência
Ainda no mês de julho, a Defensoria Pública da União (DPU) lançou uma nota técnica alertando para os problemas sociais e econômicos que a promulgação da lei pode causar.
O coordenador do Comitê Temático Especializado Renda Básica Cidadã da DPU, Ed Fuloni, ressalta que a mera possibilidade de financiamento, desvinculada de outras políticas públicas, não altera a situação econômica dos beneficiários, mas implica, a longo prazo, no aumento da pobreza.
“Sabemos que o valor de R$ 600 não compra uma cesta básica na maioria das capitais brasileiras. Com o empréstimo, o dinheiro vai entrar e sair, mas as dívidas permanecem” alerta. “Isso tanto não resolve o problema, como acaba criando outro”.
O endividamento e a inadimplência atingiram níveis recorde no mês de julho, conforme levantamento divulgado na segunda-feira (8/8), pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Após três meses em queda, o índice voltou a subir no mês passado e atingiu quase 8 em cada 10 famílias brasileiras, maior número registrado nos últimos 12 anos.
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A condição extrema, chamada de superendividamento, corresponde à situação em que não é possível para o devedor pagar o que deve sem comprometer o valor mínimo necessário para a própria sobrevivência, conforme definição do Código de Defesa do Consumidor.
O contexto financeiro do país, marcado pelos altos índices inflacionários e pelo desemprego ainda elevado, sustenta a estimativa de que parte significativa da parcela de beneficiários vai optar por recorrer à alternativa de financiamento.
Retroalimentação do sistema financeiro
Considerando a faixa de renda da população brasileira que tem direito a receber o Auxílio Brasil, e o valor do salário mínimo ideal estabelecido pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), de R$ 6.527,67, o risco de superendividamento na faixa populacional é significativo.
O levantamento anual sobre o perfil do brasileiro endividado de 2021, realizado pela Serasa Experian, aponta que 48% dos brasileiros endividados que receberam auxílio emergencial gastaram a maior parte do montante recebido com alimentação básica, e 15% com o pagamento de dívidas.
“A nossa preocupação é de que essa dívida seja mais vantajosa para o mercado financeiro do que para as famílias, diante da falta de limitação de juros em um momento de crise econômica”, aponta o defensor público Fuloni. “Quem tem fome, tem pressa. A limitação de taxas dos bancos poderia amenizar um pouco a situação que, como está posta, já é bastante preocupante”.
Aumento de fraudes
Dados do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) revelam um aumento de 91% dos registros de reclamações no Portal do Consumidor e e de 172% na base de dados do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) contra empréstimos consignados fraudulentos em 2021, em comparação com o ano anterior.
Especialistas do Idec e da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), consultados pela DPU, sugerem que esse aumento ocorreu após a ampliação de 35% para 40% na margem de empréstimo consignado em benefícios previdenciários do INSS, em 2020.
“Existe um problema complexo e recorrente de fraudes em consignação de maneira geral. Esses golpes atingem, especialmente, idosos e pessoas com pouco acesso à informação. Estamos colocando aproximadamente 20 milhões de pessoas nesse mercado — a nossa preocupação é que as pessoas fiquem especialmente vulneráveis a fraudes desse tipo”, pondera Fuloni.