GERAL
Veja os prós e as lacunas do projeto de lei que proíbe celulares nas escolas em SP
A discussão sobre o uso de celulares por crianças e adolescentes em sala de aula voltou a ficar sob os holofotes com a aprovação do projeto de lei na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) que proíbe o uso de aparelhos eletrônicos em escolas públicas e privadas no estado de São Paulo.
De autoria da deputada estadual Marina Helou (Rede) e coautoria de outros 42 parlamentares, o texto foi aprovado por unanimidade na terça-feira (12). O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem 15 dias úteis para sancioná-lo ou vetá-lo.A proposta veda que estudantes usem qualquer tipo de dispositivo eletrônico com acesso à internet — como celulares, tablets e relógios — durante o período escolar, incluindo intervalos entre as aulas, recreios e atividades extracurriculares.
O uso de celulares e acesso às redes sociais na escola tem sido associado a uma diminuição significativa na capacidade de concentração e desempenho acadêmico dos estudantes, além de afetar a interação social.
Alguns especialistas em educação, entretanto, apontam que apenas a proibição não é o suficiente para reduzir o tempo de tela dos alunos a longo prazo e defendem a implementação da educação midiática nas instituições de ensino. Confira os pontos positivos e as lacunas do projeto de lei:
➡️ Interação social
Para a deputada estadual Professora Bebel (PT), segunda presidente da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de Ensino no Estado de São Paulo), a proibição do uso de celulares deve ser total, incluindo os recreios e intervalos (como o projeto de lei prevê), para estimular a interação social entre os alunos.
Em outubro, o g1 visitou a Escola Tarsila do Amaral, localizada na Zona Norte da capital, onde o uso de celular já é vetado. A reportagem encontrou no recreio crianças correndo, cantando a música-tema da série que acompanham na TV ou pintando desenhos no jardim. Mesmo aqueles que diziam sentir falta dos aparelhos, estavam socializando e se divertindo com os amigos no recreio.
Crianças brincam na hora do recreio na Escola Tarsila do Amaral, onde celulares são vetados — Foto: Luiza Tenente/g1
➡️ Concentração nas aulas e desempenho acadêmico
Apesar de promover a conectividade e o acesso a informações ilimitadas, a mera presença do celular pode levar a uma “fuga de cérebros”, reduzindo a capacidade cognitiva e, por consequência, a concentração, como explica o estudo publicado no jornal da Universidade de Chicago, em 2017.
Isso ocorre porque notificações, curtidas ou postagens nas redes sociais estimulam a liberação de dopamina no cérebro, que provoca sensações de prazer e satisfação. Por ser uma fonte inesgotável de estímulos rápidos, o mundo digital pode causar impulsividade e afetar o controle do uso do celular, levando até mesmo à dependência.
No ambiente escolar, os aparelhos eletrônicos têm prejudicado a capacidade de concentração e o desempenho acadêmico de crianças e adolescentes.
A diretora do Instituto Porvir, organização sem fins lucrativos que luta por uma educação brasileira de qualidade, Tatiana Klix, explica que o cérebro das crianças e dos adolescentes está em formação. Por isso, essa faixa etária é mais suscetível “às questões de vício, distração, manipulação de captura para redes e violência. É necessário ensiná-los a lidar com isso e é papel da escola”.
➡️ Lacunas do projeto de lei
O projeto de lei deixa algumas dúvidas sobre a sua execução. Ele prevê, por exemplo, que as escolas da rede pública e privada deverão criar canais acessíveis para a comunicação entre pais e responsáveis dos estudantes e as instituições de ensino.
Se um aluno levar o celular para a escola, o texto também determina que o dispositivo deve ser guardado em um local seguro, sem possibilidade de acesso durante as aulas. Contudo, em ambos os casos, a legislação não descreve como a implementação deve ser realizada, gerando dúvidas na comunidade escolar.
Muitas instituições da rede particular em São Paulo já vetaram o uso de celulares em sala de aula, usando armários com cadeados para armazenar os aparelhos, segundo o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo (Sieeesp), José Antonio Figueiredo Antiório.
Entretanto, Antiório pondera que o sindicato aguarda a sanção do governador para conversar com os mantenedores das escolas e organizar a implementação da legislação. “Somos favoráveis a esse PL, mas, ao mesmo tempo, queremos conversar com os professores, com a própria comunidade para saber se encontramos uma solução consensual para que a criança também não fique totalmente de fora.”
A diretora do Instituto Porvir também defende que os detalhes da restrição do uso dos celulares devem ser construídos coletiva e democraticamente entre a comunidade escolar e os pais. “Acho importante que o projeto de lei não determine essas questões ainda porque as escolas são organismos que são diferentes, que estão em comunidades, realidades, com acordos, crenças e modos diferentes”, diz.
Em relação à comunicação com os pais, a diretora do Instituto Porvir sugere que as famílias conversem com a escola para “entender que demandas são essas que os pais gostariam de ter e comunicar com seus filhos, se realmente eles precisam se comunicar com os seus filhos [durante as aulas] e criar novos acordos nas escolas em relação a isso”.
Além da implementação, o texto aprovado na Alesp não determina se existirá fiscalização das instituições de ensino nem estabelece sanções para aquelas que desrespeitarem a legislação.
A deputada Professora Bebel — umas das coautoras do PL — alega que a Secretaria Estadual da Educação de São Paulo (Seduc-SP) será a responsável por estabelecer as normas para a restrição do uso dos celulares, após a sanção do governador.
Questionada sobre a implementação do PL, a Seduc-SP se limitou a informar que “o projeto de Lei segue agora para a análise do Executivo, que terá 15 dias úteis para se manifestar. A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo ressalta que o acesso a aplicativos e plataformas sem fins educativos é restrito nas unidades da rede pública estadual”.
➡️ Participação dos pais
O consumo excessivo das redes sociais e aplicativos já faz parte da rotina dos estudantes. Contudo, o problema não está restrito ao ambiente escolar e tem início no seio familiar. Por isso, a presidente da Apeoesp afirma que a participação dos pais no controle do uso de celulares pelas crianças e adolescentes é essencial.
A deputada estadual ainda pontua que a dependência digital é “resultado da precariedade da segurança pública e das redes de proteção para as famílias trabalhadoras, que adotam smartphones e tablets como ferramentas de cuidado das crianças em ambiente doméstico, e, ainda, do descaso do poder público com a oferta de políticas culturais e desportivas capazes de atender às necessidades da juventude”.
➡️ Educação midiática e uso da tecnologia
Especialistas ouvidos pelo g1 defendem que a medida de banir os aparelhos eletrônicos nas escolas não garante sozinha a redução do tempo de tela dos estudantes e que a tecnologia não deve ser demonizada.
Segundo Tatiana Klix, a tecnologia deve estar presente em sala para facilitar os processos pedagógicos e tornar as aulas mais atrativas. “A sociedade contemporânea está construída em cima das tecnologias digitais. A gente usa para trabalhar, se relacionar, comprar, se divertir, para fazer tudo. É importante que todas as crianças tenham direito a aprender sobre tecnologia, a ter senso crítico em relação ao meio digital.”
O Instituto Felipe Neto — organização civil que atua pela saúde mental e educação midiática — também defende a introdução da educação midiática nas instituições de ensino para discussão de temas como fake news e cyberbullying.
“O celular e as redes sociais são uma realidade moderna, estão nos lares, dentro das famílias e não existe um lugar onde as crianças e os adolescentes recebam informações sobre essa relação. Esse lugar precisa ser a escola. O que estamos propondo é uma ampliação do debate sobre celular nas escolas, para a gente falar sobre educação midiática e como podemos levar informação e aprendizado sobre celular e as redes sociais para dentro das nossas escolas”, explica o comunicador Felipe Neto.
“A escola não pode proibir e simplesmente fingir que o celular não existe. O ambiente escolar é uma parte especialmente importante da conversa e da solução para os desafios relativos à garantia de direitos de crianças e adolescentes no ambiente digital. E isso precisa ser levado em conta nessa discussão, a hora é oportuna para ampliarmos o debate”, pede Victor Vicente, head de educação midiática do Instituto Felipe Neto.
Tatiana Klix ainda afirma que o ensino de programação, robótica e linguagem computacional aos alunos é importante porque a sociedade demanda essas competências não apenas no mundo do trabalho, mas para a compreensão dos processos em geral que são cada vez mais mediados pela tecnologia.
➡️ Desigualdade
Existe uma desigualdade de acesso a dispositivos eletrônicos, internet e educação digital no país ao comparar a realidade de estudantes das redes de ensino públicas e privadas.
A diretora do Instituto Porvir alerta que o banimento dos celulares na sala de aula não deve excluir o debate sobre tecnologia ou o ensino midiático do ambiente escolar.
“Isso não vai ser benéfico, e não vai ser benéfico principalmente para as famílias mais vulneráveis, principalmente para as escolas que estão em contextos mais vulneráveis, onde as crianças não têm acesso a essas questões fora da escola. Elas também têm direito de aprender a se desenvolver neste mundo digital, de também se preparar para este mundo digital e também se preparar para serem críticas a ele. Então, acho que isso é muito importante de não se perder nesse debate.”
PL no Congresso Nacional
Em 30 de outubro, a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou um projeto que proíbe o uso de aparelhos eletrônicos nas escolas públicas e privadas. De autoria do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), o texto agora segue para a comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.
O projeto prevê a proibição do uso de celular em sala, no recreio e também nos intervalos entre as aulas para todas as etapas da educação básica. O porte dos aparelhos eletrônicos no ambiente escolar será liberado apenas para alunos dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio.
Segundo o parecer do relator, deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), o objetivo do projeto é “protegê-los [crianças e adolescentes] e prevenir futuros problemas tanto de ordem individual quanto social”.