MUNDO
40 anos após guerra, Argentina e Reino Unido ainda disputam Malvinas
O mundo está olhando agora para a guerra na Ucrânia, no coração da Europa, mas há cerca de 40 anos, em 2 de abril de 1982, começou o único conflito armado entre uma potência nuclear e um estado latino-americano na história do continente, a batalha de Wireless Ridge.
Em 14 de junho de 1982, finalmente, os argentinos em Puerto Argentino se renderam às tropas britânicas e a guerra chegou ao fim.
As Ilhas Malvinas (como são conhecidas na Argentina) ou Falklands (como o Reino Unido as chama) estão no centro de uma disputa formal de soberania entre Buenos Aires e Londres, que já dura 189 anos e tem sido palco de tensões e dor na história recente de ambos os países.
Um arquipélago de 11.718 quilômetros quadrados de superfície, frio e rico em recursos, localizado no Atlântico Sul e a cerca de 600 quilômetros da costa da Argentina, ainda está no centro do conflito cujas origens remontam a 500 anos.
Mais de 3 mil pessoas vivem no arquipélago — que é de importância estratégica devido à sua posição no Oceano Atlântico e seus recursos naturais — incluindo descendentes dos primeiros colonos que chegaram quando o Reino Unido assumiu o controle à força em 1833, imigrantes e soldados em uma base no Monte Agradable (Mount Pleasant, para os britânicos).
“Era uma noite fechada, tudo muito escuro”, disse à CNN Rubén Pablos, veterano de guerra e atual diretor dos Veteranos das Malvinas da província de Rio Negro, que participou da batalha de Wireless Ridge em junho de 1982.
Ele conta que estava chuviscando, e de tantos sinalizadores e balas traçantes, parecia dia. “Estávamos lutando e pela quantidade de luz no céu, de tudo isso que eles dispararam, o número de projéteis parecia dia”.
A guerra durou pouco mais de dois meses. Mas também, como a Ucrânia, naquela época concentrou os olhos do mundo em um combate mortal e espetacular, com um saldo de 649 soldados argentinos, 255 soldados britânicos e 3 civis mortos.
“Quarenta anos depois, estamos no mesmo lugar”, disse à CNN Alejandro Corbacho, especialista na guerra das Malvinas, em seminário organizado pela Universidade CEMA, em abril deste ano.
A guerra no Atlântico Sul
Mas como surgiu o conflito armado entre o Reino Unido, uma potência nuclear vitoriosa na Segunda Guerra Mundial e envolvida na Guerra Fria, e a Argentina, um país sul-americano com histórico de boas relações com a Grã-Bretanha?
Trata-se de uma história em que levanta dúvidas e tensões que remontam à época do Império, quando os britânicos tentaram duas invasões anos antes da independência da Argentina, e que depois dominaram a indústria frigorífica e as ferrovias por longas décadas.
A reivindicação argentina sobre as ilhas permaneceu em vigor desde 1833, mas ganhou força após a Segunda Guerra Mundial e no contexto das Nações Unidas (ONU), que em 1960 promoveu a descolonização dos territórios por meio da resolução 1.514 (XV) da Assembleia Geral.
Então, em 1965, a resolução 2.065 reconheceu especificamente a disputa de soberania das Malvinas e a existência de um caso contemplado na resolução 1.514, e convocou as partes a negociar.
“Os britânicos interpretam esta resolução, segundo a carta da ONU, a partir da autodeterminação, e os argentinos, também segundo a carta da ONU, da integridade territorial”, disse Corbacho, que também é diretor do Observatório de Segurança e Defesa da a Universidade CEMA.
Mas após o início da ditadura militar na Argentina em 1976, as tensões aumentaram. O terceiro governo do chamado Processo de Reorganização Nacional, formado pelos líderes das Forças Armadas e liderado pelo general Leopoldo Fortunato Galtieri, tomou a decisão de resolver a questão pela força em 1982, em um contexto de baixa popularidade e crescente crise. econômico.
Forte combate aéreo, terrestre e marítimo nas Malvinas
Em 2 de abril de 1982, as forças argentinas desembarcaram nas ilhas, tomaram a capital, Puerto Argentino (Port Stanley para os britânicos), e derrotaram uma pequena guarnição britânica.
Os Estados Unidos rapidamente mostraram seu apoio ao Reino Unido, seu aliado na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Alemanha, Itália, França, Japão e Canadá seguiram.
Quase imediatamente, o Reino Unido, liderado pela então primeira-ministra Margaret Thatcher, enviou uma frota, incluindo dois porta-aviões, para retomar as Ilhas Malvinas, e as forças argentinas se posicionaram para aguardar o ataque.
O que se seguiu foram 74 dias de intensos combates terrestres em torno de Pradera del Ganso (Green Goose, para os britânicos) e Puerto Argentino, batalhas aeronavais — um submarino britânico afundou o cruzador argentino ARA Belgrano e aviões argentinos fizeram o mesmo com os navios britânicos HMS Sheffield e HMS Antelope, entre outros —, com grandes perdas humanas.
Pablos participou dos combates em Wireless Ridge (ou Colina de la Radio), uma das montanhas que formavam a defesa argentina em Puerto Argentino, em 12 de junho de 1982.
“A última batalha para tomar Puerto Argentino foi a nossa posição (Wireless Ridge). Foi uma das batalhas mais sangrentas. Lutamos desde a tarde até o amanhecer quando começou a nevar e até que nos deram a ordem de retirar para a cidade onde chegamos”, disse Pablos à CNN.
“Com meus amigos, com meu grupo, não entendemos como saímos de lá vivos e ninguém se machucou. Fiquei tremendo naquela noite”.
E em 14 de junho de 1982, finalmente, os argentinos em Puerto Argentino se renderam às tropas britânicas e a guerra chegou ao fim.
Pablos e seus companheiros eram prisioneiros dos britânicos.
“Eles nos levaram dois ou três dias depois de helicóptero para o Estreito de San Carlos. Era uma espécie de geladeira abandonada, grandes galpões e lá percebemos que éramos cerca de 640 mais ou menos entre soldados e militares”.
“O tratamento foi muito bom por parte dos ingleses. A partir desse momento eles já nos reconheceram como soldados, que lutaram com muita honra e muita força”, acrescentou.
Mas para muitos veteranos da guerra na Argentina e no Reino Unido, um novo conflito começou após o cessar-fogo.
Na Argentina, as forças armadas afirmam ter registros de 52 suicídios entre veteranos, embora associações de ex-combatentes falem de até 500.
Já no Reino Unido, um estudo recente do Ministério da Defesa fala de 95 suicídios entre seus veteranos, embora as organizações britânicas de veteranos coloquem o número em 264.
“Reconhecemos que é muito complicado e para além de alguma contenção, a questão da guerra que, como nos dizemos, é um horror que o ser humano, a mente, atravessa há 40 anos e muitos mais, também o pós-estresse traumático continuará agindo, disse Pablos.
O interminável conflito entre Argentina e Reino Unido
A derrota argentina precipitou a queda do governo militar na Argentina e o retorno da democracia em 1983, após longos anos de repressão e violações sistemáticas dos direitos humanos no país.
“Assim que a guerra terminou, com sucessivos governos democráticos, as Malvinas foram encurraladas dentro da ditadura militar”, disse Pablos.
Mas também endureceu as negociações e a diplomacia entre ambas as partes, especialmente por causa da rejeição dos ilhéus à Argentina após a guerra.
“O fato de ganharem uma importância que não tinham foi fortemente incorporado”, disse Corbacho.
Ao mesmo tempo, o Reino Unido aumentou seu interesse pelas ilhas, em grande parte devido aos direitos de pesca e exploração de petróleo.
Nesse sentido — e diferentemente de antes da guerra, quando a presença militar era mínima — nas Malvinas existe desde 1985 uma base militar britânica em Mount Pleasant, controlada pela Royal Air Force, que opera uma ala aérea composta por quatro caças de lá, Eurofighter Typhoon.
Uma história complexa antes da guerra das Malvinas, desde 1520
Segundo o Ministério das Relações Exteriores da Argentina, as ilhas foram descobertas em 1520 por membros da expedição do navegador português Fernando de Magalhães, a serviço da Espanha.
A partir desse momento, argumenta o Ministério de Relações Exteriores argentino, sua localização foi registrada na cartografia europeia, sob o controle da Espanha com base nas Bulas Papais e no Tratado de Tordesilhas de 1494.
O Reino Unido, no entanto, sustenta que foi o navegador inglês John Davies quem descobriu o arquipélago em 1592.
As partes concordam que as ilhas foram nomeadas pela primeira vez em 1600 pelo navegador holandês Sebald van de Weert, que as chamou de “Sebaldinas”, tanto quanto a História Geral das Relações Exteriores da República Argentina, editada por Carlos Escudé e Andrés Cisneros (com a participação de Corbacho, entre outros pesquisadores), como a Official History of the UK Malvinas Campaign, de Sir Lawrence Freedman.
Em 1692 o capitão inglês John Strong desembarcou nas ilhas e deu o seu nome ao estreito que separa as duas maiores ilhas do arquipélago: chamou-lhe Falkland Sound (Estreito de Falkland), em homenagem ao Visconde de Falkland.
Da Espanha às Províncias Unidas do Rio da Prata
A Espanha rejeitou esses avanços e reivindicou seus direitos às ilhas invocando o Tratado de Tordesilhas e vários outros acordos com a Grã-Bretanha, incluindo Utrecht em 1713 e a convenção Nootka Sound em 1790.
Mas foram finalmente os franceses que iniciaram a colonização das ilhas com o primeiro povoado, Puerto Luis, fundado em 1764, como assinala o trabalho de Cisneros e Escudé.
Como esses marinheiros vinham de Saint-Malo, na França, batizaram as ilhas como Les Malouines, de onde derivou o nome espanhol Las Malvinas.
A Espanha negociou com a França a transferência de Puerto Luís para sua soberania e exerceu o controle sobre as Ilhas Malvinas. Em 1811, devido à onda de revoluções de independência na América Latina, evacuou o pessoal ali estacionado.
Em seguida, o governo das Províncias Unidas do Río de la Plata, que sucedeu ao Vice-Reino do Río de la Plata (incluía a atual Argentina e se estendia aos territórios que hoje compõem, no todo ou em parte, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Brasil e Chile), reivindicou os direitos territoriais da Espanha, inclusive os que pesavam sobre as ilhas, e em 1820 passou a exercer sua soberania sobre o arquipélago.
Finalmente, em 1833, o Reino Unido expulsou o governador argentino e a guarnição, assumindo o controle das ilhas — que se tornaram um dos atuais 14 Territórios Ultramarinos Britânicos —, que permanecem até hoje com exceção de dois meses durante a guerra de 1982.