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MUNDO

“Eu sou uma princesa”, diz menina após ter grande parte de marca de nascença removida

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Luna antes e depois do tratamento (Foto: Reprodução/@luna.love.hope)

Luna tem apenas 2 anos e 9 meses, mas uma longa história de superação: passou por cinco cirurgias de remoção do Nevus e outras cinco de enxerto — todas na Rússia, onde é realizado o tratamento. A pequena já nasceu com a condição rara, que é caracterizada por uma mancha profunda e escura na pele. Mas a preocupação da família vai além da estética, pois o Nevus também causa melanoma, um tipo de câncer de pele.

Para pagar o tratamento (que custa o equivalente a mais de R$ 600 mil) e a estadia, a família, que mora na Flórida, nos Estados Unidos, realiza campanhas de venda de produtos online. O resultado é visível e até a própria Luna já tem percebido a evolução. “A cada cirurgia, a mancha vai embora 100%, mas, no lugar, ficam marcas. A pele está com aspecto de queimadura. Por isso, ainda precisamos passar por cirurgiões plásticos no Brasil. Agora, ela entrou na fase em que toda hora se olha no espelho e fala: ‘Uau, eu não tenho mais preto. Uau, eu sou uma princesa’”, contou a mãe, a publicitária de Brasília Carolina Fenner, 38 anos, que administra o perfil @luna.love.hope.

Mas não tem sido fácil. A cada etapa do tratamento, as duas vão sozinhas para a Rússia, onde ficam de três a seis meses. “Psicologicamente, acho que está mais pesado para mim do que pra ela. Estou muito cansada. Faz praticamente três meses que não durmo”, desabafou. Confira, abaixo, a entrevista completa.

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CRESCER: O resultado está sendo como esperado? Luna teve alguma complicação?
Carolina Fenner: Ela já fez cinco cirurgias que, na verdade, são dez. Pois cada uma delas tem duas partes, que é a remoção da mancha e, depois de alguns dias, o enxerto. Ela não teve nenhuma complicação séria até duas semanas atrás, quando teve uma infecção em uma sobrancelha. O médico achou que tinha infeccionado e, ao abrir para limpar, encontrou um câncer. Ele removeu tudo e refez a cirurgia. Mas na semana passada, ao trocar o curativo, ele percebeu que organismo da Luna tinha rejeitado o enxerto. Então, tivemos essas duas ‘surpresas’ nas últimas semanas, que foram a pior parte desses dois anos de Rússia. Ultimamente, eu parei de pensar um pouco no resultado. A pele dela ainda está não está legal, está com aspecto de queimadura, mas ela está livre de câncer na parte que já foi removida. Luna já teve três cânceres. Agora, estamos voltando para o Brasil e, no ano que vem, vou visitar alguns cirurgiões plásticos pensando na estética. Mas, por enquanto, o foco é a remoção completa da mancha sem sofrimento para a Luna.

Luna já passou por cinco cirurgias de remoção e cinco enxertos, na Rússia (Foto: Reprodução/@luna.love.hope)
Luna já passou por cinco cirurgias de remoção e cinco enxertos, na Rússia (Foto: Reprodução/@luna.love.hope)

CRESCER: Como ela está lidando com o tratamento?
CF: Duas horas depois da cirurgia, Luninha já está dançando. E esse foi o fator principal que influenciou nossa vinda para cá. Não é uma cirurgia tão agressiva quanto as convencionais. Claro, ela tem seus momentos, não gosta de médicos e passou seus dois anos praticamente trancada em um apartamento na Rússia, indo e voltando do hospital. Mas ela está sempre feliz, dançando, então, acho que foi uma boa escolha.

CRESCER: E como você está emocionalmente?
CF: Já foram cinco idas à Rússia. Algumas vezes, ficamos três meses. Outras, seis meses.  Psicologicamente, acho que está mais pesado para mim do que pra ela. Estou muito cansada. Faz praticamente três meses que não durmo. Duas vezes que tentei dormir, ela mexeu no curativo e saiu sangue. Então, estou sem dormir, literalmente. Cheguei na minha exaustão já há algum tempo e estou bem abalada psicologicamente. Está bem difícil. Estou contando os dias para voltar ao Brasil. Preciso de um tempo para descansar e viver um pouco. Desde que eu engravidei, não tenho vida. Mas a Luna está bem. Eu tento fazer da vida dela o mais normal, dentro do possível.

Carol e Luna, na Rússia (Foto: Arquivo pessoal)
Carol e Luna, na Rússia (Foto: Arquivo pessoal)
 
Especialista russo examinando Luna (Foto: Arquivo pessoal)
Especialista russo examinando Luna (Foto: Arquivo pessoal)

CRESCER: A pandemia atrapalhou de alguma maneira?
CF: Muito! Era para a Luna ter terminado todas as cirurgias há muito tempo. Duas vezes, por causa da pandemia, não conseguimos vir para a Rússia. Numa das vezes, praticamente nos expulsaram do país. Então, atrasou bastante.

CRESCER: Ela tem notado que a mancha está saindo?
CF: A cada cirurgia, a mancha vai embora 100%, mas, no lugar, ficam marcas. A pele está com aspecto de queimadura, por isso, ainda vamos passar por cirurgiões no Brasil. Agora, ela entrou numa fase em que toda hora se olha no espelho e fala: ‘Uau, mamãe, o doutor tirou o preto! Eu não tenho mais preto. Uau, eu sou uma princesa’. Ela olha as fotos antigas e diz que ‘a Luna estava dodói’.

Luna já está notando a evolução no tratamento (Foto: Reprodução/@luna.love.hope)
Luna já está notando a evolução no tratamento (Foto: Reprodução/@luna.love.hope)

CRESCER: O tratamento deve finalizar em quanto tempo?
CF: Em janeiro, ainda voltaremos para a Rússia para uma cirurgia final, pois sobraram alguns pontinhos de Nevus no rosto e bumbum. Ela também vai fazer um tratamento de quelóide, pois acabou desenvolvendo no meio disso tudo. Acabando tudo isso, acredito que, em abril, a gente volta para casa e aí iniciamos a próxima fase, que é focada na estética.

CRESCER: A Luna tem convivido com outras crianças com a mesma condição. Isso tem contribuído de alguma maneira?
CF: Ela convive, quase desde o começo do tratamento, quando chegamos aqui, com uma amiguinha, que é americana-asiática. Ela veio fazer o mesmo tratamento. A mãe dela viu nosso Instagram e mandou mensagem quando estávamos aqui. Nos encontramos na Flórida e, desde então, somos vizinhas. É a criança que a Luna mais tem convívio. As duas se olham, passam a mão no rosto uma da outra, como se entendessem o que estão vivendo. Acho que vão ser grandes amigas no futuro.

CRESCER: Na última entrevista, falamos sobre o preconceito. Como foi nesse último ano?
CF: Tem sido barra pesada. As situações são diárias. Não temos como evitar os olhares curiosos, mas eu sigo tentando educar as pessoas através do perfil no Instagram. Teve uma situação, em julho, nos Estados Unidos, quando fomos a uma igreja. Levei Luna até uma sala de recreação, três meninas vieram perto e uma delas disse: ‘Nossa, você é muito feia. Se eu tivesse nascido assim, eu seria muito infeliz’. Ela ainda olhou para mim e falou: ‘Nossa, você deve ter odiado que sua filha nasceu assim’. Nesse dia, percebi que a Luna está entendendo as coisas. Ela olhou para mim e perguntou: ‘Por que ela não gosta de mim? Por que as crianças têm nojo de mim?’. E, desde então, tem me machucado muito mais. Eu escrevi um livro, que está na fase final de diagramação, e é focado, principalmente, no bullying. Precisamos educar as pessoas. A educação vem dos pais e, às vezes, eles estão do lado dos filhos e não fazem nada. Recentemente, a Luna apanhou no aeroporo de Moscou. Ela tentou chegar perto de algumas crianças para brincar e as crianças bateram nela. Então, começou a chegar num ponto já cruel. Estou tentando mudar isso. Não posso bater de frente com as crianças, mas faço esse trabalho de conscientização nas redes sociais. Mas, fora isso, não sei mais o que eu posso fazer.

Os pais de Luna comercializam produtos como bonequinhas de pano com Nevus, agenda, mochila e chaveiros para ajudar nos custos do tratamento. Vendas e doações podem ser feitas através do site Ajude a Luna.

Luna com os pais (Foto: Reprodução/@luna.love.hope)
Luna com os pais (Foto: Reprodução/@luna.love.hope)

Sobre o Nevus

Segundo o cirurgião oncológico André Molina, do Núcleo de Câncer de Pele do A.C. Camargo Câncer Center, em São Paulo, o Nevus Melanocítico Congênito ainda não tem uma causa completamente conhecida, mas acredita-se que algumas mutações genéticas possam estar relacionadas.

Atualmente, também não há exames de rotina que identifiquem a condição na gravidez. “Na gestação, essas manchas ainda são superficiais, fazem parte da composição da pele do embrião, então, o exame de imagem que temos disponível não consegue identificar. Por isso, normalmente, o diagnóstico é feito no momento do parto mesmo”, explicou o cirurgião oncológico Eduardo Bertolli, que também atua no Núcleo de Câncer de Câncer Pele do A.C. Camargo Cancer Center, assim como no Núcleo de Cirurgia Oncológica da Beneficência Portuguesa de São Paulo e no Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo (SP).

Luna nasceu com Nevus gigante (Foto: Reprodução/@luna.love.hope)
Luna nasceu com Nevus gigante (Foto: Reprodução/@luna.love.hope)

Sobre os riscos, o Nevus, principalmente os de tamanho gigante, como é o caso de Luna, aumentam as chances de surgimento de câncer de pele. “A lesões pequenas e médias têm um risco de cerca de 1% ao longo da vida. Já os pacientes com Nevus grandes e gigantes têm um risco até 5% maior de desenvolver melanoma em alguma fase da vida”, disse. E, além do câncer, em alguns casos, as manchas podem levar à melanose neurocutânea, que é o crescimento de Nevus melanocíticos no sistema nervoso central. “Estes casos podem ser desde assintomáticos até extremamente graves”, alertou Bertolli. “Estudos já apontam que a asssociação desses Nevus Congênitos gigantes com algumas alterações neurológicas é ainda maior que com o melanoma. Por isso, essas crianças devem ser monitoradas mais de perto pelo seus pediatras e, inclusive, com o acompanhamento de um neuropediatra”, recomendou o médico.

No entanto, segundo os especialistas, a cirurgia de remoção não é indicada para todos os casos. “O risco de desenvolver o melanoma deve ser avaliado e a retirada é indicada principalmente nos casos de Nevus grandes e gigantes, que têm um risco maior para o desenvolvimento do melanoma. A ressecção de lesões gigantes não é fácil devido ao tamanho da área que deve ser removida. O seguimento com dermatoscopia [método de visualização da pele com o dermatoscópio, um aparelho que amplia a imagem até 20 vezes] também é muito útil, pois a lesão pode ser fotografada e sua evolução é acompanhada a cada consulta. E, se houver alterações, realiza-se a biópsia”, finalizou André Molina.

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