MUNDO
‘Machuca judeus’, diz advogado em carta a Lula, que equiparou Israel ao Hamas
“Equiparar as atitudes de Israel às do Hamas é injusto, desproporcional e ofende a alma de nós judeus”, afirma o advogado Roberto Podval em carta aberta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) escrita nessa segunda-feira (13). “Veja, presidente, não estou dizendo que não lastimamos a vida dos palestinos inocentes, tampouco estou dando razão a Netanyahu. Mas equiparar a ação de um Estado Democrático à de um grupo terrorista é desmedido e machuca todos nós judeus, inclusive os que discordam da ação”, afirma o texto.
Podval é advogado criminalista e mestre em direito pela Universidade de Coimbra, em Portugal. Membro do Grupo Prerrogativas, é ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e presidente do Conselho do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA). Leia a íntegra do texto:
“Meu querido presidente, como advogado que acompanhou de perto toda a injustiça pela qual passou, como ser humano que compartilhou sua dor naquele cárcere ilegal, como um entusiasta das suas ideias na busca por uma sociedade mais igualitária e justa, menos preconceituosa e onde as pessoas tenham o mínimo de dignidade, ouvi suas palavras criticando Israel e, mais que isso, equiparando-o ao Hamas.
Meu querido presidente, claro que tem todo direito de expressar sua indignação pelas centenas de mortes de palestinos inocentes, e para lhe dizer a verdade, ousaria afirmar que a imensa maioria dos judeus — seja de Israel, seja do mundo afora — compartilha dos mesmos sentimentos. Mas, meu presidente, equiparar as atitudes de Israel às do Hamas é injusto, desproporcional e ofende a alma de nós judeus. Machuca fundo.
Não sei se sabe, querido presidente, mas o Hamas tem como regra matar judeus. Já Israel é uma democracia liberal. Veja, presidente, não estou dizendo que não lastimamos a vida dos palestinos inocentes, tampouco estou dando razão a Netanyahu. Mas equiparar a ação de um Estado democrático à de um grupo terrorista é desmedido e machuca todos nós judeus, inclusive os que discordam da ação.
Enfim, querido presidente, me desculpe o atrevimento, mas até pelos profundos respeito e admiração que tenho pelo senhor e por reconhecer tudo que representa para nós brasileiros, não poderia deixar de expressar meus sentimentos e convicções.
Desejo-lhe muita saúde e ainda mais sucesso na administração do nosso Brasil, grande abraço.”
Outras críticas
Vários representantes da comunidade judaica criticaram o presidente Lula após uma declaração em que ele comparou as ações de Israel na guerra com as do grupo terrorista Hamas. Ao defender a criação do Estado da Palestina, o petista disse que não é justo nem correto que Israel ocupe a Faixa de Gaza e expulse os palestinos de lá e que a atitude do Exército israelense é “igual ao terrorismo”.
Para o rabino Rav Sany, diretor do Olami Faria Lima, a insistência de Lula revela a necessidade de “conhecer melhor o assunto”. “O presidente insiste em comparar o incomparável: uma organização terrorista como o Hamas, que usa seus próprios cidadãos como escudo humano, com um estado democrático e pluralista, como Israel, que só quer se defender do ataque bárbaro e selvagem, além do desejo de resgatar reféns. Lamento profundamente.” O rabino também sustentou que, ao contrário do que alega Lula, Israel não está atacando os hospitais, “está entregando combustível para funcionar, e o Hamas o confisca”.
A nova comparação foi feita nesta terça-feira (14), durante o programa Conversa com o Presidente, nas redes sociais. “É verdade que houve ataque terrorista do Hamas, mas o comportamento de Israel fazendo o que está fazendo com criança, hospital, com mulheres […] é igual ao terrorismo”, declarou Lula.
Em nota, o Instituto Brasil Israel (IBI) manteve a posição crítica sobre a avaliação feita por Lula. “É uma pena que o governo do Brasil, diante da tragédia da guerra, perca o equilíbrio e a ponderação, reduzindo a possibilidade de contribuir de maneira decisiva e propositiva com negociações entre as várias partes no conflito”, declarou, completando que a acusação feita pelo presidente “reforça os extremistas de ambos os lados e enfraquece as partes que lutam por um futuro de coexistência para israelenses e palestinos”.
O presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), Claudio Lottenberg, classificou como “equivocadas e perigosas” as falas de Lula. “Além de equivocadas e injustas, falas como essa do presidente da República são também perigosas. Estimulam entre seus muitos seguidores uma visão distorcida e radicalizada do conflito, no momento em que os próprios órgãos de segurança do governo brasileiro atuam com competência para prender a rede terrorista que planejava atentados contra judeus no Brasil”, disse Lottenberg. “A comunidade judaica brasileira espera equilíbrio das nossas autoridades e uma atuação serena que não importe ao Brasil o terrível conflito no Oriente Médio”, acrescentou.
Nesta segunda-feira (13), lideranças políticas e religiosas também rebateram a declaração do presidente equiparando a defesa de Israel aos ataques do grupo terrorista. A fala foi classificada por políticos como equivocada e “fruto de desconhecimento” sobre a “selvageria” do Hamas, que causou mortes de civis e crianças em atentados.
Representantes da comunidade israelita no Brasil reagiram à declaração de Lula. O líder do Grupo Parlamentar de Amizade Brasil-Israel, o deputado Gilberto Abramo (Republicanos-MG), definiu o comentário como “equivocado”. Ao R7, ele disse que Lula sabe e conhece a situação de conflito na Faixa de Gaza, “mas não admite a realidade dos fatos”.
O parlamentar também afirmou que os movimentos de Israel e do Hamas são “completamente distintos”. “O Hamas, quando atacou Israel, em nenhum momento avisou civis ou quem quer que seja do ataque, que foi premeditado para atacar civis. Israel, por outro lado, pediu para que os civis palestinos saíssem da Faixa de Gaza. O que percebemos é que o próprio grupo Hamas é que faz as pessoas de escudo humano”, completou.
O presidente executivo do grupo StandWithUs Brasil, André Lajst, disse que as falas de Lula são graves.
“O presidente brasileiro equiparou Israel, um Estado democrático, com um grupo terrorista com intentos abertamente genocidas que massacrou cerca de 1.200 pessoas — dentre elas, três brasileiros — e sequestrou 240 pessoas”, disse a entidade. “Israel não mata ‘inocentes sem nenhum critério’”, acrescentou. O grupo afirma ainda que todas as vidas perdidas nesse conflito são de igual valor, palestinas e israelenses. “E é lastimável que tantos civis inocentes estejam morrendo. Justamente por causa disso, é necessário compreender corretamente as causas dessa tragédia e os verdadeiros responsáveis por ela”, concluiu.