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MUNDO

“Tive que explicar para meu filho que ele não ia morrer”, diz brasileira que vive em Israel

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Brasileira morando há 12 anos em Israel, Tais Ilana Gaon Rolnik nunca pensou que estaria vivendo dias incertos e de tensão no país que escolheu para formar uma família. Casada e mãe de três filhos – um de 9 anos, um de 6 anos e um bebê de apenas nove meses de vida –, foi com choque e surpresa que recebeu as primeiras notícias da guerra, que completa uma semana neste sábado, 14.

No sábado passado, dia 7, Israel declarou guerra contra o Hamas, grupo palestino que promoveu um massacre, deixando centenas de mortos. Algumas das vítimas estavam em um evento de música próximo à Faixa de Gaza. Muitos corpos foram encontrados por lá, incluindo de três brasileiros, Ranani Glazer, Bruna Valeanu e Karla Stelzer Mendes.

Em entrevista ao Terra, Tais conta como recebeu as informações que alarmaram o mundo, como sua rotina mudou desde então, como tem conversado com seus filhos sobre tudo o que está ocorrendo e se imagina algum cenário de paz que parece cada vez mais distante para a região.

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Confira.

“Estou sentindo todas as emoções possíveis imagináveis. Por um lado, a gente tem que continuar vivendo. Tenho três filhos pequenos, então, preciso continuar cuidando deles. Agora eles estão em casa, porque não tem mais escola, as aulas presenciais foram suspensas.

Eu moro em Modi’in, cidade que fica no meio do caminho entre Jerusalém e Tel Aviv. Aqui não tem tantos conflitos, porque não estamos perto da fronteira, mas tem barreiras nas entradas da cidade. Não estão mais permitindo a entrada de quem não mora aqui, nem de trabalhadores árabes, então alguns serviços, como obras ou retirada de lixo, estão parados.

É uma loucura, sabe, porque você tem que tentar viver uma vida normal mesmo assim, com as crianças, tem que ir trabalhar também. Eu trabalho como office manager em uma high-tech. Nos primeiros três dias de guerra, eles deixaram ir embora para casa quem quisesse, mas agora já está voltando à rotina. Para mim isso é bom, porque preenche minha cabeça e não fico vendo notícias toda hora.

Isso nunca tinha acontecido antes em Israel. Desde que estamos aqui, nunca teve um massacre grande como dessa vez, e foi muito perto da gente, sabe? Todo mundo conhece alguém que está na guerra, já que muitos reservistas foram chamados e muita gente se voluntariou para lutar. Muitos amigos nossos estão lutando no Sul, e também no Norte, por causa do Líbano.

Aqui mesmo, no meu trabalho, infelizmente um funcionário nosso perdeu um filho, que estava no exército e morreu com apenas 22 anos.”

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Ataque do Hamas

“Foi uma coisa assim, nossa, absurda. Para a gente, a verdade é que assim, foi uma surpresa, porque foi no sábado que começou, né? E nós somos religiosos, então estávamos no Shabat [dia de descanso judaico]. Eu não estava vendo TV, não estava com o celular, nada. Meu marido, Natan, foi para a sinagoga com as crianças e uma vizinha, que não é religiosa, falou pra ele: ‘Volta para casa, porque o país está em guerra’. Quando voltou para casa, ele me contou o que aconteceu. Ligamos a TV para ver as notícias e ficamos que em choque.

Tudo era muito incerto. Não sabíamos o que estava acontecendo. Ainda é tudo muito incerto. Não sabemos quanto tempo tudo isso vai durar, quando as crianças vão voltar pra escola, se um dia voltará a ser seguro, como é que vai ser. Por enquanto, as aulas das crianças vão retornar remotamente, online, neste domingo – igual como ocorreu quanto teve a pandemia de covid-19. E será assim até sei lá quando. Não tem uma previsão de nada.”

Rotina em meio à guerra

“Todos os dias tem o Pico da Hora, que é um órgão, assim, de segurança, que passa mensagens e orientações quando precisamos ficar em casa por conta de alguma ameaça na área. Eles também orientaram Israel inteiro e fazer estoques de água, pão, esse tipo de coisa. Algumas pessoas ficaram desesperadas e já correram para o mercado e compraram tudo o que puderam. A gente não chegou a fazer isso, mas temos algumas coisas guardadas no quarto seguro para as crianças, tipo leite, fralda, creme, algumas coisas assim, porque é lá que elas dormem.

Sim, tem um quarto seguro aqui no meu apartamento. Na verdade, todos os prédios novos em Israel têm. Quando os israelenses precisam sair do prédio para encontrar bunkers para se refugiar é porque moram em construções mais velhas que não tem isso dentro de casa. O quarto seguro é um quarto normal, mas tem uma porta tipo de chumbo e uma janela bem protegida que fecha até o fim. Esses quartos já salvaram muitas vidas. Já vi imagens de prédios inteiros que colapsaram em ataques, mas a coluna onde ficam os quartos seguros segue íntegra.

Se tocar a sirene aqui, é para o quarto seguro que vamos para nos proteger. Só tocou uma vez até agora. Quando é assim, temos que permanecer lá até a sirene parar de soar. Dai esperamos uns 2 minutos, ou mais, porque pode ser que a sirene toque novamente porque mais misseis podem estar vindo. Quando a sirene tocou, a gente manteve a calma por causa das crianças, né? O nosso filho mais velho ficou um pouco assustado e o pequeno chorou, mais porque estava escuro o quarto do que outra coisa. Mas daí acendemos a luz no quarto e ficou tudo bem.

Estamos tentando, tipo, ter uma vida normal. Às vezes eu saio com as crianças, tento não deixar eles o dia todo dentro de casa. Para mim também é bom, sabe, para arejar a mente. Mas a gente sempre sai próximo de casa e vamos, por exemplo, para parques que estão perto de prédios ou de lugares que tem onde se refugiar, se precisar.”

O que tem dito aos filhos sobre a guerra

“Meu filho mais velho, que tem nove anos, entende um pouco mais, sabe? Ele faz muitas perguntas, é um pouco difícil pra mim. Um dia ele falou: ‘Mas eu não quero morrer’, e eu disse que isso não ia acontecer, que não tem perigo onde estamos, que estamos longe da guerra, mas é uma coisa que eles também sofrem com isso, mesmo que a gente não deixe que eles fiquem vendo imagens da guerra e, no máximo, falamos o mínimo para que eles se mantenham seguro. Falamos, por exemplo, que não pode abrir a porta para ninguém agora, que a porta precisa ficar trancada, que tem que tomar cuidado quando sai para rua. Ficar sempre de olho.

Meu filho do meio, que tem seis anos, não entende muito bem as coisas, então a gente explica meio por cima, que tem gente ruim que tá tentando fazer coisas ruins com o nosso povo e que a gente precisa se proteger, tomar cuidado.

Se tocar alguma sirene, eles sabem o que fazer. Nós ensinamos e eles também têm exercícios assim na escola. Na escola eles também assistem explicações básicas em vídeos para crianças. Tem um que mostra o domo de ferro com olhos e boca falando que eles existem para proteção… sabe? Esse tipo de coisa.

Você não quer preocupar os seus filhos, óbvio, mas ao mesmo tempo também você precisa alertar. É muito, muito difícil.”

Deixar ou ficar em Israel

“Tenho família no Brasil: minha mãe, meu pai e um dos meus irmãos. Outro irmão meu também veio para Israel. É claro que passou pela cabeça sair de Israel. Não necessariamente voltar para o Brasil, porque também tem questões de falta de segurança. Pensamos em ir para a Europa, mas dá um pouco de medo também. Várias cidades da Europa não estão mandando as crianças para a escola com medo de ataques. Pensamos em ir para a Austrália, meu marido tem um irmão lá. Não decidimos nada ainda. Tudo é incerto, não dá para saber o que vai acontecer. E a nossa casa é aqui, sabe? A gente vai deixar o país justamente nesse momento de aperto? Decidimos vir para cá, acreditamos nas forças do exército e que Deus vai nos proteger.

Meus pais estão bem preocupados, eles checam com frequência como estamos, como passamos a noite. Eles tentam não ver tanta notícia, mas sabem o que está acontecendo. Mas também sabem que por aqui não tem tanto míssil e coisas do tipo. Nós escutamos explosões, mas é distante. O que ouvimos mais são aviões, porque estamos próximos a um aeroporto. Direto tem voo não só de gente deixando o país, mas chegando também, para ajudar na defesa. Vários israelenses que moram em outros países estão voltando para se aliar ao exército. Acho isso incrível. Mas tem gente saindo também. Eu tenho duas amigas brasileiras que saíram. Uma delas voltou para o Brasil e a outra foi pra Grécia agora. Elas ficaram assustadas, até porque uma deles tem um bebê pequeno e não quis passar pelo estresse das incertezas daqui.”

O medo da guerra

“Eu acho que a gente sempre tem esse medo no fundo da cabeça. Igual no Brasil, você sempre tem um receio de que alguém vai te assaltar, mas você vive com isso, aprender a conviver com isso. Mas, claro, agora aumentou esse receio por aqui. Não vou falar que eu saio e fico despreocupada. Como eu falei, se eu saio com as crianças, fico de olho em lugares que podemos nos esconder de algo acontecer e evito ficar tanto tempo fora de casa.

Apesar de tudo, nos sentimos seguros porque confiamos muito no serviço de inteligência de Israel, de todos os esforços que o país tem feito para nos proteger, sabe? Muitas tentativas de atentado que foram planejadas eles conseguiram evitar, então confiamos nisso.”

Será possível viver em paz?

“Eu acho que é completamente possível vivermos em paz com os palestinos, mas desde que grupos como o Hamas e Hezbollah [grupo paramilitar libanês] sejam erradicados, aí sim palestinos e israelenses poderão viver em paz. É isso que a gente quer. É claro que é difícil acreditar nisso nesse exato momento, porque os palestinos vivem sob um regime extremista, mas eles não têm opção, sabe? O Hamas manda ali. Mesmo aqueles que não querem nada com o Hamas, aceitam o regime porque senão ele é ameaçado, ou a família dele é ameaçada. O que você vai fazer?

Como disse, isso é uma coisa que nunca aconteceu antes na história de Israel, mas eu acho que, quando isso tudo acabar, vai ser para o bem. Antes dessa guerra, o cenário político de Israel causava muita separação, brigas, desentendimentos, assim como no Brasil. Israel tinha grupos muitos diferentes, com muitas visões políticas diferentes que não se davam. O povo não estava unido. Agora, todo mundo se uniu. Não importa no que você acredita, já não tem mais essas diferenças, agora todo mundo está lutando pelo futuro do país, se ajudando e deixando as diferenças de lado, e isso é uma das coisas que espero que vá mudar a partir de agora.

Tenho certeza que o que estou vivendo é um momento histórico. Querendo ou não, o que aconteceu foi algo impensável para nós. Nunca acreditamos que ainda podia ter tanto mal no mundo, tanto ódio gratuito. Quem sabe, agora, isso mude.”

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