POLÍCIA
Ameaças de morte e conluio com vereadores: o escândalo de grilagem em GO
Um escândalo de grilagem de terras em Formosa (GO) vem envolvendo políticos, uso do poder público, ameaças de morte e fraude de documentos de falecidos. O caso veio à tona após investigação do Ministério Público de Goiás (MPGO), que analisou escrituras, interceptações telefônicas e uma vasta quantidade de provas para pedir à Justiça mandados de busca e apreensão e decretação de prisão preventiva.
Os mandados foram autorizados e cumpridos contra 13 pessoas físicas e jurídicas. D’Artagnan Costamilan, empresário de 72 anos, alvo do pedido de prisão, está foragido. Três ex-vereadores, suspeitos de legislarem e atuarem em benefício exclusivo do empresário, também estiveram na mira da operação, denominada “Escritório do Crime”. Até o atual presidente da Câmara Municipal de Formosa e a Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo da cidade foram citadas nas investigações.
A apuração de seis meses mirou um grupo suspeito de praticar crimes de grilagem, corrupção, falsidade ideológica, uso de documento falso e associação criminosa. O caso chegou ao conhecimento do MP quando o verdadeiro dono de dois lotes de Formosa percebeu uma fraude na documentação de venda das terras.
D’Artagnan Costamilan é apontado como a figura de destaque de todo o esquema. Segundo a investigação do Ministério Público, ele usava do alto poder financeiro para atos de corrupção envolvendo agentes públicos. Um dos exemplos disso foi quando o empresário fez com que três vereadores atuassem “em benefício exclusivo dele em detrimento do interesse público do povo de Formosa”, para conseguir se apropriar de uma área pública.
Vereadores
Para isso, ele teria contado com a participação dos agora ex-vereadores Wenner Patrick de Sousa (Avante), Almiro Francisco Gomes (Podemos), o “Miro Bikes”, e Jurandir Humberto Alves de Oliveira (PSC). D’Artagnan tinha tanta influência política que conseguiu até alterar o Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Formosa para criar uma comissão inédita, em dezembro de 2017.
A Comissão de Assuntos Fundiários foi criada, em tese, para promover avanços no contexto imobiliário do município. Na prática, ela era uma “comissão fantasma”, que não produziu “nenhum documento referente aos anos de 2017, 2018, 2019, 2020, 2021, 2023”, como informado pela própria Câmara. O único objetivo desse grupo de trabalho político era destinar áreas públicas para D’Artagnan e sua empresa loteadora, a Nossa Casa.
O fato deixou até o MP surpreso. “Tão logo foi criada a desditosa Comissão de Assuntos Fundiários, a mesma foi provocada para tratar exclusivamente do interesse do investigado D’Artagnan Costamilan nas questões afetas à sua empresa privada. […] Certamente, algo nunca antes visto na municipalidade foi protagonizado pelos investigados.”
Além dos três vereadores que participaram da Comissão, Wenner, Almiro e Jurandir, também se associaram à ela o advogado da Nossa Casa, Nilson Ribeiro dos Santos, o então procurador da Prefeitura de Formosa, Alessandro Oliveira, e Cláudio Thomé, que trabalha como agrimensor, a profissão que determina os limites legais das propriedades, e estaria a serviço de D’Artagnan.
Outro movimento de Alessandro chama atenção. O procurador municipal, que deveria defender os interesses de Formosa, não só participou da comissão fantasma, mas também peticionou ao Judiciário na defesa do interesse de D’Artagnan e contra a cidade.
Como o cartório de 1º Ofício não permitiu que a loteadora Nossa Casa registrasse, de forma ilegal, áreas públicas, Alessando defendeu que o registrador deveria acatar uma manifestação da Comissão de Assuntos Fundiários e fazer esse registro. O MP ainda constatou que essa manifestação não foi produzida por Alessandro, mas pelo advogado privado de D’Artagnan, Nilson Ribeiro, que foi “plantado” na Comissão.
Em outro movimento político que demonstra a influência do empresário foragido, a Câmara Municipal de Formosa promoveu uma Audiência Pública, requerida por Wenner Patrick, para discutir a importância da implementação de um outro cartório na cidade. Isso porque o 1º Cartório vinha passando um pente-fino em documentações e barrando ações ilegais de D’Artagnan. A audiência contou com a presença de Wenner, Alessandro e Almiro, entre outros.
Política, manipulação e abuso do Estado
Não à toa, quando todo o esquema foi descoberto, o MP definiu, no pedido dos mandados: “A criminalidade se entranhou nos órgãos estatais do município”. Um outro vereador, da atual legislatura, também surge em conversas interceptadas.
D’Artagnan e um jornalista conversaram por telefone para combinar a publicação de uma matéria em um jornal da região para “beneficiar e cativar” Índio de Assis, que hoje preside a Comissão de Assuntos Fundiários. O veículo de comunicação do jornalista amigo do empresário publicou matérias positivas sobre a comissão, sobre Índio e sobre o ex-vereador Wenner Patrick.
O atual presidente da Câmara Municipal de Formosa, Marcos Goulart de Araujo (PP), o “Marquinho”, é outro citado por D’Artagnan. Em ligações em que o empresário se articula e planeja estratégias para impedir as investigações, após os ex-vereadores terem sido convocados pelo MP, ele diz que vai fazer “uma reunião com o Marquinho”.
O Ministério Público entendeu que os encontros marcados seriam para “armarem a história que irão contar para o promotor de Justiça no sentido de ocultar a verdade, que se tratou de parecer emitido mediante solicitação de D’Artagnan”.
Outro uso do Poder Público pelo grupo veio após o empresário ser flagrado tentando registrar uma escritura forjada com assinaturas de pessoas falecidas há mais de 15 anos. Interessado em uma área ocupada por um pequeno comerciante, que vendia água de coco e castanhas, D’Artagnan contou com apoio da Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo de Formosa para retirar o vendedor do local.
A Secretaria notificou o comerciante sob o argumento de “exercício de atividade comercial sem que tenha sido previamente obtida a licença para localização e funcionamento”, mesmo ele tendo trabalhado ali por vários anos, com alvará da prefeitura. Em menos de 24 horas, em plena sexta-feira, foi produzido relatório minucioso pelo chefe da Secretaria Municipal de Trânsito, no mesmo dia, em desfavor do comerciante.
O vendedor chegou a pedir auxílio à Câmara dos Vereadores, com uma fala durante a sessão, mas, em outra conversa interceptada entre o jornalista e D’Artagnan, o comunicador diz que vai pedir a gravação do vídeo da sessão para “Marquinho mandar retirar lá” a parte do pronunciamento do pequeno comerciante.
Ameaças de morte
Uma rádio local também repercutiu as falas do vendedor, mas, segundo o jornalista amigo do empresário, o locutor não foi incisivo na crítica por ter medo do superintendente que atuou abusivamente na retirada do comerciante. Em mais uma conversa interceptada, o jornalista diz a D’Artagnan que o superintendente “prometeu de matar ele”, se referindo ao locutor. “Tá prometido de morte. Ele num é besta, não, de ficar falando nome dos outros no rádio (SIC).”
Em outro caso, mais recente, o Metrópoles ainda mostrou que apresentadores da rádio 92 FM de Formosa também receberam ameaças. O advogado Nilson Ribeiro, suspeito de ser um dos principais articuladores do esquema, ligou para o veículo de comunicação e ordenou que os apresentadores Léo Teixeira e Hugo Teixeira lessem a nota enviada por ele à emissora, a respeito da operação.
Ouça:
“Eles ficam metendo o pau em mim; depois, [o programa] sai do ar e não publicam minha nota. É para ler minha nota. Senão, vou fazer igual ao [vereador] Marquim. Vou aí quebrar a porta e ler essa p*rra no ar”, ameaçou o advogado.
Mais ameaças também atingem a vítima que deu origem à operação. O homem chegou a registrar em cartório uma “declaração de suspeitos com intenção provável de homicídio doloso”. O documento traz nomes de vários envolvidos na Operação Escritório do Crime e aponta que a vítima “teme pela vida e segurança da família”.
“Se acontecer alguma tentativa contra minha integridade física e dos meus familiares mais próximos, devem ser totalmente responsabilizados os membros de altíssima periculosidade já identificados nesta operação.”
Outro lado
Entre os suspeitos procurados pela reportagem, Wenner e Jurandir não quiseram se pronunciar. “Nossos advogados estão analisando os autos do processo. Me manifestarei no momento oportuno”, disse Wenner. “Estamos na condução do processo com nossos advogados, tomando ciência do inteiro teor do mesmo e vendo o melhor momento para manifestação”, escreveu Jurandir.
O ex-vereador Almiro não respondeu até a última atualização desta matéria. Nilson Ribeiro afirmou que “não há uma acusação formalizada, somente um inquérito”. Confira a nota completa:
“Não pratiquei nenhum ilícito e todos os meus atos foram feitos na condição de advogado das partes, defendendo o direito de meus clientes. Não sou parte ou interessado em nenhum dos procedimentos, apenas o advogado. O que o promotor tenta é criminalizar a advocacia. Fui lançado neste inquérito somente em decorrência de inimizade pública com o promotor, que já existe há mais de quatro anos, o que é de amplo conhecimento.”
Alessandro Oliveira não foi localizado pela reportagem. O espaço segue aberto para manifestação de todos os envolvidos.