POLÍCIA
‘As ricas de Curitiba são piores do que as do RJ’, reclamou membro da quadrilha de blogueira carioca presa por estelionato
Conversas em um aplicativo de mensagens obtidas pela Polícia Civil de Santa Catarina ajudam a esclarecer como atuava a quadrilha de estelionatários comandada por Alexandre Navarro Júnior, o Juninho, de 28 anos. Noiva do chefe do bando, a blogueira carioca Rayane da Silva Figliuzzi, de 24, está cumprindo prisão domiciliar em Areal, no interior fluminense, e chegou a ser detida por PMs em um restaurante da cidade no último domingo. O casal fazia parte, no WhatsApp, do grupo chamado “Família Errejota“, através do qual os integrantes organizavam os golpes, aplicados sobretudo em idosos.
As investigações apontaram que, a partir de uma central de operações montada em um apartamento de alto padrão em Copacabana, na Zona Sul do Rio, falsas telefonistas entravam em contato com as vítimas em cidades catarinenses como Balneário Camboriú e Florianópolis. Elas simulavam ser funcionárias de instituições bancárias checando compras no crédito para convencer os alvos a entregar senha e cartão a comparsas que se dirigiam ao local e, em seguida, faziam várias transações em maquininhas pertencentes ao grupo, uma delas vinculada a um CNPJ no nome de Rayane, concluindo a farsa conhecida como “golpe do motoboy”. Os diálogos flagrados pelos agentes, contudo, deixam claro que o grupo também se fazia presente em outros estados, como Paraná e Rio de Janeiro, onde constatou-se a atuação da quadrilha em pelos menos três bairros da capital — Tijuca, Ilha do Governador e Recreio dos Bandeirantes — e na Região dos Lagos.
Em uma das conversas, membros do bando falam sobre o perfil das vítimas em cada região. O assunto começa com uma mensagem enviada por uma mulher: “O que estão achando das listas, das penas, de retorno, de tudo? O Juninho está cogitando mudar de cidade se Curitiba continuar não rendendo. Porque a lista de pobre foi ruim, e a de rico também está”, diz ela. “Péssimo, horrível”, responde um comparsa. Na sequência, outra integrante completa: “As ricas de Curitiba são piores do que as ricas do RJ. Eu consegui falar com três até agora. Duas foram pra gerente e eu nem cheguei a falar metade do script. O terceiro ainda ouviu tudinho e disse que iria ligar, mas não ligou, e a linha não segura mais de dez segundos”.
O último trecho da fala se refere a um dos itens principais no roteiro do golpe. As mulheres pediam que a pessoa do outro lado da linha contatasse o número do banco no verso do cartão, mas o primeiro telefonema não era de fato encerrado, e outro membro do bando fingia atender a vítima, aumentando a veracidade do esquema. “Essa lista é de 320 nomes, eu tenho uns 180 nomes”, detalha a mesma pessoa na mensagem subsequente, antes de voltar às queixas: “Não atendem, quando atendem já sabe que é golpe, ou fala que já tem contato com o gerente”.
Os policiais ainda não conseguiram descobrir como a quadrilha obtinha os nomes das possíveis vítimas. Outro diálogo, porém, dá a entender que é Juninho que chegava a esse tipo de material. “Cadê a lista?”, questionou uma integrante da quadrilha. O chefe respondeu: “Já mandei”. E deu a ordem para quatro das telefonistas: “Às 14h10 podem começar”. Mais tarde, no mesmo dia, ele elogiou uma das subordinadas: “Saímos do zero em Floripa. Parabéns! Vamos que vamos”. A golpista devolveu com um emoji cruzando os dedos: “Obrigado, amanhã tem muito mais”.
Em mais uma conversa reveladora, os criminosos chegam a xingar gerentes de banco que consegue evitar que os clientes caiam no esquema. “Desliguei, estava tramando com o gerente. Ele mandou um áudio pra ele falando que era golpe e que já fazia uns dias que estávamos atacando a região”, relata uma das telefonistas. “Hoje o ‘fdp’ do meu estava fazendo a mesma coisa”, retruca outra. “Dá um ódio”, arremata a primeira.
Rayane, Juninho e outros membros da quadrilha tiveram a prisão preventiva decretada em novembro do ano passado. No dia 19 de janeiro, porém, a Justiça catarinense concedeu à blogueira o direito à prisão domiciliar, em virtude do filho recém-nascido que ela teve com Alexandre. O mesmo benefício foi estendido, por motivos semelhantes, a outras quatro denunciadas: Maiara Alves Teixeira, Isabela de Oliveira Dolores, Joyce Kelen Farias da Silva e Yasmin Navarro, irmã de Juninho e também blogueira. O Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC), entretanto, já pediu à Justiça que Joyce mude para o regime fechado, já que ela sofreu um aborto e perdeu o filho que esperava, mas ainda não houve decisão a respeito.
Todos os 15 denunciados pela promotora Havah Emília Piccinini de Araújo Mainhardt se tornaram réus na Justiça catarinense. Mais da metade deles, oito mulheres, todas jovens, são apontadas como as telefonistas: as já citadas Maiara, Isabela e Joyce, além de Thais Canton Pires, Danyella Celeste Ribeiro Neto, Marina Gonçalves, Mariana Missias Fernandes Marques e Josiane Santos Oliveira. Havia ainda dois responsáveis por coletar os cartões das vítimas: Henrique de Lima Varrichio e Gabriel Paiva Silva Barros. Os investigadores citam, por fim, quatro proprietários das máquinas de cartão usadas nos golpes: Rayane, Yasmin, Brenda Miyuki Prieto Yazawa e Marcelo Varrichio Júnior, irmão de Henrique.
Além das cinco mulheres em prisão domiciliar, o único réu já localizado pela foi polícia foi justamente Henrique, encontrado com cartões de vítimas e maquininhas em um imóvel na Avenida Trompowsky, uma das regiões mais nobres e valorizadas de Florianópolis. Foi a partir dele, também integrante do grupo “Família Errejota”, que a polícia conseguiu chegar aos outros acusados, que, assim como Juninho, o chefe da quadrilha, permanecem foragidos.
— Esse grupo foi denunciado não só pelo crime de estelionato, mas também pelo de organização criminosa. Há provas robustas nos autos de que eles atuaram não só em Santa Catarina, mas também, pelo menos, no Rio de Janeiro — explica o delegado Attilio Guaspari Filho, responsável pelo inquérito: — É muito importante para a polícia e para a sociedade que a população denuncie o paradeiro dessas pessoas, de modo que elas parem de aplicar golpes, caso ainda o estejam fazendo, até para manter o estilo de vida e pagar os honorários advocatícios.
“Aos pouquinhos, tô voltando”
Antes de frequentar o noticiário policial, Rayane da Silva Figliuzzi era habituada a aparecer nas páginas de fofoca. A jovem, que fez trabalhos como modelo, já foi apontada como affair do rapper norte-americano Tyga, durante uma visita do artista ao Rio, e também do cantor Saulo Pôncio. Nas redes sociais, onde anunciava diversos produtos de beleza e bem-estar, ela tem, atualmente, cerca de 88 mil seguidores.
Seis dias depois de obter a prisão domiciliar, em 25 de janeiro, a modelo postou uma foto sorridente no Instagram: “Bom dia, está tudo bem com vocês? Aos pouquinhos tô voltando“, escreveu. Na véspera, ela já havia compartilhado uma frase motivacional junto de um clique no qual aparece com um conjuntinho verde e branco: “Transforme suas frustrações em desafios“, filosofou. Nos últimos dias, a jovem também usou o perfil para postar fotos do filho pequeno, o resultado de um procedimento estético nos lábios e até uma nota com “esclarecimentos” sobre o episódio da detenção por PMs no domingo passado.
Até janeiro, a última postagem no feed da blogueira no Instagram fora feita em 15 de junho do ano passado, ainda antes de o caso vir à tona, há mais de sete meses. Era um registro luxuoso em Fernando de Noronha, em mais um indício da vida de riquezas levada, segundos os investigadores, por Rayane, Alexandre e outros integrantes da quadrilha, tudo às custas das vítimas do esquema.
Já Yasmin Navarro, a irmã de Juninho, que também fazia sucesso na internet, é acusada de fazer parte de um outro bando que praticava o mesmo golpe no Rio de Janeiro. Em operação semelhante, também com foco em vítimas idosas, ela e outras comparsas, todas protagonistas de uma vida de ostentação nas redes sociais, usavam um apartamento no Recreio, na Zona Oeste da cidade, como central de operações.