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POLÍCIA

Caso amoroso, nazismo e vizinha inocentada: entenda cronologia do caso de envenenamento no Piauí

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Maria dos Aflitos foi presa por suspeita de participação em envenenamento Foto: Reprodução/TV Clube

A Polícia Civil do Estado do Piauí prendeu, no dia 31 de janeiro, Maria dos Aflitos Silva, de 52 anos, mãe e avó das vítimas que comeram baião de dois envenenado no município de Parnaíba, em 1º de janeiro. Este é o desdobramento mais recente da investigação que já dura mais de um mês.

O envenenamento em série, no entanto, fez vítimas dentro da família em um período de quase 6 meses. Francisco de Assis Pereira da Costa, de 56 anos, marido de Maria dos Aflitos, está preso preventivamente como principal suspeito dos crimes. Entenda abaixo a cronologia do caso que envolve um caso amoroso, nazismo e uma vizinha inocentada.

Primeiras mortes

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O primeiro caso de envenenamento foi registrado no dia 22 de agosto de 2024, quando João Miguel Silva, de 7 anos, e Ulisses Gabriel Silva, de 8 anos, passaram mal após ingerirem alimentos contaminados. Eles eram netos de Maria dos Aflitos e filhos de Francisca Maria Silva, de 32 anos.

As crianças foram internadas em Teresina e morreram semanas depois. João Miguel em 12 de setembro e Ulisses Gabriel em 10 de novembro. Francisco de Assis, “avôdrasto” dos meninos, informou ao Hospital Estadual Dirceu Arcoverde (Heda) que os meninos haviam supostamente consumido cajus entregues pela vizinha, Lucélia Maria da Conceição, de 52 anos.

Em 23 de agosto, a avó das crianças registrou um boletim de ocorrência contra a vizinha, acusando-a de envenenamento. Enquanto isso, Francisco de Assis entregou à polícia uma sacola contendo cajus que supostamente teriam sido doados por Lucélia.

Segundo a polícia, Lucélia foi descrita por testemunhas como uma mulher com temperamento explosivo e histórico de desavenças com crianças da região. Durante a investigação, a polícia, cumprindo mandado de busca e apreensão, encontrou terbufós, um pesticida agrícola, na casa de Lucélia, substância que a vizinha havia negado possuir.

Além disso, um gato foi encontrado morto em frente à sua residência e a perícia confirmou que ele também havia sido envenenado com terbufós. Em depoimento, Lucélia afirmou que o irmão a havia ensinado a usar terbufós nos cajus para matar morcegos, o que reforçou as acusações de Maria dos Aflitos. Diante dessas evidências, Lucélia foi presa preventivamente.

Almoço de Ano-Novo

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Quase cinco meses após os primeiros envenenamentos, novas mortes foram registradas na família.

Maria dos Aflitos morava com Francisco de Assis. Na casa, moravam com eles os três filhos de Maria dos Aflitos: Manoel Leandro da Silva, de 18 anos, uma adolescente de 17 anos e Francisca Maria. Os filhos de Francisca Maria também residiam no local: Igno Davi, de 1 ano e 8 meses, Maria Lauane, de 3, e Maria Gabriela, de 4 anos.

A família preparou uma ceia na noite do dia 31 de dezembro para celebrar a chegada do novo ano. Os pratos eram: carne, feijão tropeiro e baião de dois. Nenhum membro da família se sentiu mal após ingerir a ceia.

No dia 1º de janeiro, a família se reuniu para comer o que havia sobrado da refeição. No entanto, pela manhã, eles também ganharam peixes como parte de uma ação social promovida por um casal na região. Assim, a família fritou os peixes para acompanhar o que havia sobrado do Réveillon.

Posteriormente, a polícia descobriu que tanto Maria dos Aflitos quanto Francisco de Assis apontaram que o alimento envenenado seriam os peixes, tentando fazer com que a suspeita recaísse sobre outras pessoas.

Os membros da família só começaram a passar mal na tarde do dia 1º. Estavam na casa também Maria Jocilene, de 41 anos, vizinha da família, e seu filho, de 11. Maria dos Aflitos foi a única que não ingeriu os alimentos, pois, segundo a família, ela estava dormindo no momento da refeição.

As vítimas do envenenamento foram:

Manoel Leandro da Silva, de 18 anos (filho de Maria dos Aflitos e enteado de Francisco de Assis) – morto;
Francisca Maria da Silva, de 32 anos (filho de Maria dos Aflitos e enteado de Francisco de Assis) – morta;
Igno Davi da Silva, de 1 ano e 8 meses (filho de Francisca Maria) – morto;
Lauane da Silva, de 3 anos (filha de Francisca Maria) – morta;
Maria Gabriela da Silva, de 4 anos (filha de Francisca Maria) – morta;
Maria Jocilene da Silva, 41 anos, (vizinha de Maria dos Aflitos) – recebeu alta, voltou a ser hospitalizada 20 dias depois e morreu;
Uma adolescente de 17 anos (irmã de Manoel e Francisca Maria) – recebeu alta;
Um menino de 11 anos (filho de Maria Jocilene) – recebeu alta;
Francisco de Assis Pereira da Costa (padrasto de Manoel Leandro e Francisca Maria) – recebeu alta.

Manoel Leandro e Igno Davi faleceram no dia 1º, horas depois de terem sido atendidos. Entre os dias 2 e 4 de janeiro, Maria Jocilene, seu filho de 11 anos, Francisco de Assis e a adolescente de 17 anos receberam alta.

No dia 5 de janeiro, o laudo pericial do Instituto de Medicina Legal (IML) revelou que o veneno estava no baião de dois. A partir daí, a Polícia Civil passou a investigar o caso como homicídio.

Antônio Nunes, diretor do IML, informou que o veneno foi colocado em “abundância” em todo o baião de dois. À polícia, Maria dos Aflitos revelou que a substância foi inserida no baião de dois durante a madrugada do dia 1º de janeiro.

Em 6 de janeiro, Maria Lauane morreu, se tornando a 3ª vítima. No dia seguinte, em 7 de janeiro, Francisca Maria Silva, por quem Francisco de Assis nutria um “grande ódio”, também morreu. Após ficar mais de 20 dias internadas, Maria Gabriela Silva morreu no dia 21 de janeiro.

“Francisco de Assis mudou de versão sobre o consumo do alimento todas as vezes em que foi questionado pelos investigadores, vindo a apresentar sintomas apenas quase quatro horas após o ocorrido, o que, segundo a perícia, pode caracterizar uma contaminação dérmica, pelo manuseio da substância, e não por ingestão”, disse a polícia.

Prisão de Francisco de Assis e vizinha inocentada

Francisco de Assis foi preso preventivamente no dia 8 de janeiro sob suspeita de ser o responsável pelo envenenamento em série da família. Durante as buscas, foram apreendidos aparelhos celulares e documentos. A perícia criminal encontrou um baú trancado perto do fogão, um local de difícil acesso. Francisco, segundo o delegado, tinha acesso exclusivo ao baú, sendo este o único lugar onde algo poderia ser escondido.

“Francisco relatou durante as oitivas, assim como outros familiares, que eles tinham um relacionamento muito conturbado, para se dizer o mínimo. Ele não falava com nenhum dos filhos ou enteados. E ele tinha um ódio específico em relação à enteada Francisca. Esse ódio era tão grande que ele a chamava de ‘inútil e tola’, dizendo que tinha ‘nojo e raiva’ dela. Ele manifestou várias vezes o desejo de que ela saísse de casa”, revelou o delegado Abimael Silva.

Segundo as investigações, Francisco de Assis tinha desprezo pelos filhos e netos de Maria. Ele controlava os alimentos da casa e os armazenava em um baú trancado, cuja chave ele carregava pendurada em seu pescoço. A família chegou a passar fome por conta das ações do homem.

Em uma segunda casa, a que somente Francisco tinha acesso, a polícia encontrou livros com apologia ao nazismo. Em trechos grifados pelo homem, havia uma anotação sobre o uso de substância para matar pessoas.

“Percebe-se um meticuloso plano e espera inteligente para a prática dos dois primeiros crimes, sendo o intervalo entre os dois crimes mais de 4 meses. Isso revela uma preparação meticulosa e paciente na execução”, disse.

Após a prisão de Francisco de Assis, a vizinha, Lucélia Maria da Conceição Silva, suspeita de ter envenenado Ulisses Gabriel e João Miguel, foi solta e inocentada. Ela estava detida preventivamente na Penitenciária Feminina Gardência Gomes, na zona sul de Teresina.

A mulher foi presa injustamente em agosto de 2024 e denunciada pelo Ministério Público do Piauí (MPPI) por duplo homicídio qualificado.  Ela teve sua casa depredada por vizinhos, que também atearam fogo no local. Segundo Lucélia, ela não entregou os alimentos às crianças e nem sequer conhecia a família.

Com a prisão de Francisco de Assis, a investigação do caso dos irmãos foi reaberta, e ele se tornou o principal suspeito. “Nunca mais eu dormi. Desde que isso aconteceu na minha vida eu não consegui mais dormir direito. Um pesadelo que ainda hoje está na minha cabeça ainda”, relatou Lucélia.

Após deixar a prisão, ela retornou para Parnaíba, onde estão o marido e seus dois filhos. Ela explicou que ficará na casa de familiares: “Com fé em Deus, vou viver a vida tranquila. A vida que eu tinha antes, né? Com minha família”.

Prisão de Maria dos Aflitos e caso amoroso

Em 22 de janeiro, mais uma morte chamou a atenção dos investigadores. Maria Jocilene da Silva, a vizinha de Maria dos Aflitos, passou mal enquanto visitava a casa da mulher e precisou ser internada. A mulher confessou aos investigadores que ofereceu café envenenado para Maria Jocilene, com quem mantinha um relacionamento amoroso antes mesmo de conhecer Francisco de Assis.

A ideia é que a morte de Jocilene parecesse um suicídio, segundo informou o delegado Abimael Silva relatou ao Fantástico no domingo, 2. O objetivo era atribuir a ela a culpa por todos os outros crimes, o que poderia levar à libertação de Francisco.

Jocilene, que recebeu alta depois de ter sido envenenada no dia 1º de janeiro, foi a única que permaneceu cuidando de João Miguel e Ulisses Gabriel no ano passado. Ela chegou a perder o emprego por isso, e denunciou a falta de assistência de Maria dos Aflitos às crianças.

“Para tentar despistar a polícia, Maria dos Aflitos afirmou, no momento da chegada dos agentes, que Jocilene teria sofrido um infarto, justificando que a vítima já teria tido um episódio similar anos atrás, em Brasília. O depoimento, registrado em áudio, reforça a linha investigativa de que a idosa tentou confundir as autoridades e encobrir mais um envenenamento dentro da própria casa”, afirmou a Polícia Civil.

A perícia encontrou traços de terbufós na taça em que Jocilene bebeu o café. O objeto havia sido lavado antes da chegada da polícia. Com a morte de Jocilene, as suspeitas contra Maria dos Aflitos se fortaleceram, e ela foi presa temporariamente no dia 31 de janeiro.

Confissão do crime

Após ser presa, Maria dos Aflitos confessou o assassinato de Jocilene. “O que houve é que eu tava cega de amor pelo Assis, e pra ter ele de volta, poderia acontecer o mesmo caso. Gosto muito dele, ainda gosto”, afirmou.

A mulher confirmou que os primeiros envenenamentos foram cometidos por Francisco, que desprezava seus filhos e netos. De acordo com ela, a história dos cajus foi premeditada pelo companheiro, para culpar Lucélia. As duas primeiras crianças mortas teriam sido envenenadas por meio de um suco.

Ela afirmou que encontrou o veneno atrás do fogão da residência e colocou a substância no café de Jocilene. Depois, Maria descartou a embalagem no lixo, que foi recolhido pela coleta de lixo antes da chegada da perícia. Cerca de 30 minutos após ingerir o veneno, Jocilene começou a passar mal, ainda na residência.

De acordo com os investigadores, Assis possui inteligência perceptível, enquanto Maria dos Aflitos tem baixa escolaridade, não sabe a própria data de nascimento e, conforme disse Assis, “é preguiçosa”. “Fica claro que os dois primeiros crimes foram executados e planejados de forma meticulosa e paciente, o que se encaixa no perfil de Assis, sendo o último praticado de forma diversa, sem atenção nos detalhes”, completou o delegado Abimael Silva.

A polícia concluiu que os envenenamentos foram premeditados e executados de forma meticulosa por Maria dos Aflitos e por Francisco de Assis. Os dois responderão pelas mortes de oito pessoas.

 

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