POLÍCIA
Criminosos usam “atalhos” nas redes para vender conteúdo de pedofilia

Meu sobrinho de 16 anos me procurou no início de janeiro para pedir ajuda com uma denúncia. Ele navegava em um grupo do Telegram em busca de conteúdos de mangás e animes e se deparou com a venda de conteúdos de exploração sexual infantil.
A mensagem, compartilhada de um número do Paraná, estava acompanhada de diversas fotografias de nudez de crianças e adolescentes. Vinha também com um link para finalizar a compra, que dizia: “Você gosta de porno adolescente? Ta com 10$ aí no pix? Brota no PV [privado]”.
O exemplo indica que o Telegram e o WhatsApp são usados em uma rede mais complexa para comercializar material de pornografia infantil, considerado crime no país pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Usuários desses apps de mensagens fornecem esses conteúdos em outras redes sociais, mas não diretamente: os ciberpedófilos usam “atalhos” como códigos em buscas e a divulgação de outros links, que por sua vez levam para páginas web com o material ilegal. Também adotam uma linguagem específica nos chats e diversos códigos para “despistar” o grande público e grupos de combate à pedofilia.
Por exemplo, um código já conhecido por quem consome esse conteúdo, e até pelas autoridades que investigam, é o CP (child pornography, ou pornografia infantil em português).
Segundo Thiago Tavares, presidente da ONG Safernet Brasil, que trabalha por uma internet mais segura, “é importante catalogar esses códigos porque os algoritmos de detecção (das redes sociais) são programados para detectar palavras em inglês. Já em português ou com codificações, eles acabam não identificando.”
A mais recente pesquisa TIC Kids Online, do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), mostra que 93% das pessoas entre 9 e 17 anos usam a internet no Brasil, e 78% deles acessam redes sociais.
Somente em 2022, a Safernet registrou no Brasil 111.929 denúncias de abuso e exploração sexual na internet — uma média de 306 por dia — envolvendo 40.572 páginas (URLs) distintas, das quais 18.218 foram removidas. Além disso, foi o segundo ano consecutivo que a pornografia infantil bateu recorde. Foram 101.833 casos em 2021, um aumento de 9,9% entre os dois períodos.
Como a rede de pedofilia se organiza
A reportagem conseguiu acesso no Telegram a ofertas de pornografia infantil por meio da ferramenta de busca de grupos públicos do próprio app. Para isso, lançou mão de algumas siglas e termos usados neste meio — que não serão revelados aqui para não permitir que outras pessoas encontrem este conteúdo.
Além de fotos e vídeos diretamente no app de mensagens, os conteúdos traziam links para sites e perfis de plataformas como Instagram, TikTok e até do WhatsApp — que também permite criar grupos públicos — facilmente indexados na busca do Google.
As caixas de comentários dessas plataformas, na maioria das vezes, funciona como um bate-papo para pedófilos venderem e divulgarem “packs” (pacotes de diversas fotos e vídeos), “mais conteúdos”, trocas e vendas. Também é usado o recurso de aviso “link na bio”, ou seja, com o link para continuar as conversas de forma privada em apps de mensagens.
Há também uma busca por crianças e adolescentes vulneráveis para troca de pornografia infantil, por meio de uma frase de uso comum entre este nicho (que não citaremos aqui) para trocarem conteúdo por WhatsApp.
Muitos dos vídeos com pedofilia são postados em um site de relacionamento adulto pouco conhecido (ocultaremos o nome por motivos de segurança). A plataforma está apenas em versão web, sem apps para celular, e seu domínio está no nome de uma empresa sediada em Londres chamada TLD Registrar Solutions Ltd.
Os comentários e grupos na plataforma britânica, no entanto, não se restringem a números e perfis brasileiros. Um dos mais “famosos” por compartilhar conteúdos do tipo possuía 32 links ativos e disponíveis no Google até a publicação desta reportagem.
Até o dia 27 de fevereiro, alguns grupos continuavam no ar no Telegram divulgando links para sites com conteúdo de exploração infantil. Em 2 de março, esses grupos “não existiam”.
Segundo Tavares, da Safernet, já é sabido que cibercriminosos usam essas plataformas maiores como TikTok, Instagram, Google e Telegram como “mural de anúncio para chegar na audiência, usando linguagem modificada, linguagem velada” e plataformas menores para a divulgação do conteúdo ilegal.
Sobre o site de relacionamento onde é compartilhada pornografia infantil, para a base de dados da Safernet este é um domínio novo e recente, com apenas duas denúncias em 2023.
O problema é que, segundo Tavares, essas plataformas menores não adotam ferramentas para barrar esses conteúdos.
O WhatsApp, por exemplo, possui um mecanismo para identificar esses criminosos. Segundo o presidente da SaferNet, “existem superfícies que monitoram o aplicativo com moderação humana e softwares que escaneiam imagem de perfil, números e outras informações. Com isso, produzem um relatório de combate à exploração sexual infantil e as polícias do mundo inteiro têm acesso ao documento”, disse.
Outro ponto é que, com esses códigos, perfis privados no TikTok ganham espaço em buscadores como o Google para a divulgação desses aplicativos menores que contêm o conteúdo ilícito.
Procuramos o Google para entender como a plataforma trabalha para identificar e bloquear esses materiais. Em nota, disseram que o motor de busca tem “proteções robustas” para limitar o alcance de conteúdo com abuso e exploração sexual infantil.
A empresa também afirmou: “Detectamos, removemos e denunciamos proativamente esse tipo de conteúdo e implementamos proteções adicionais para filtrar e remover resultados apontando para conteúdo que sexualiza menores.”
