POLÍCIA
Mulher que estava com estudante de medicina morto pela PM disse que eles discutiram antes do crime e cita ‘despreparo’ dos agentes
A mulher que estava no hotel com o estudante de Medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, na noite em que ele foi morto pela Polícia Militar, relatou em depoimento que eles tiveram uma briga horas antes do crime. Ela também relata que foi agredida pela vítima.
Marco foi morto com um tiro à queima-roupa na madrugada desta quarta-feira, 20, na Vila Mariana, na Zona Sul de São Paulo. No depoimento, os PMs afirmaram que o rapaz tentou pegar a arma de um deles. No entanto, imagens das câmeras de monitoramento do hotel contradizem a versão dos agentes.
Na delegacia, a jovem de 21 relatou à polícia que atua como garota de programa e que o conhecia o estudante há dois anos. Durante esse período, eles mantiveram um relacionamento amoroso, mas que não havia deixado de cobrá-lo pelo programa. O rapaz devia à ela cerca de R$ 20 mil.
Ainda segundo o boletim de ocorrência, as discussões entre eles eram “normais”, seja por causa da dívida ou pelo fato da família de Marco Aurélio não aceitar o relacionamento dos dois.
Naquela noite, ela o encontrou por acaso em um bar na Vila Mariana, e viu que ele estava bebendo. Ambos teriam se cumprimentado, mas ficaram distantes um do outro. Ele foi embora do bar sozinha, e durante a madrugada, mandou uma mensagem, dizendo que queria “ficar com ela novamente”.
A jovem aceitou o encontro com a intenção de cobrar a dívida, mas que não pretendia ter relações sexuais com o estudante. Ainda segundo o relato, Marco Aurélio pediu um carro de aplicativo da casa dele, feito uma parada para buscá-la na casa dela, e seguiram para o hotel na Rua Cubatão. A mulher contou que eles costumavam se encontrar no estabelecimento.
Em dado momento, quando já estavam no quarto, a vítima teria lhe dado R$ 250, e ao ser cobrado do restante da quantia, passou a discutir com ela. A jovem diz que tentou diversas vezes sair do quarto, mas foi impedida pelo estudante, e chegou a ser agredida na cabeça.
“A depoente tentou novamente sair do quarto, quando Marco Aurélio bateu na cabeça da depoente, a empurrando para longe da porta”, aponta o depoimento.
Ao escutar a discussão, a recepcionista do hotel teria chamado a polícia. A jovem afirma ainda que conseguiu sair do quarto, desceu as escadas do estabelecimento e se escondeu próximo à recepção, ao passo que Marco Aurélio a seguiu, e foi até a rua.
Ela também relata que, na sequência, escutou um policial entrar no estabelecimento e perguntar por que o estudante teria batido na viatura. Depois, escutou o disparo de arma de fogo e viu o estudante caído no chão.
Marco Aurélio foi socorrido acordado e gritando. Ele foi levado ao Hospital Ipiranga e a jovem o acompanhou. Na unidade de saúde, a mulher afirmou que foi hostilizada pela família do estudante, e que o irmão dele lhe deu um soco.
“Sendo que o irmão de Marco Aurélio, de nome Pedro, desferiu um soco no rosto da depoente, gritando que iria matá-la; [ela disse] que, os policiais militares afastaram a família de Marco Aurélio da depoente, e a trouxeram para esta especializada [delegacia de polícia, a DHPP].”
Ao Estadão, a família da vítima afirmou que, embora tivessem relação conturbada, os dois se gostavam. A mãe destacou que prova disso é que, depois de ele ser baleado, a jovem o acompanhou até o hospital e que mandou mensagem para um dos irmãos para avisar a família.
‘Falta de preparo’ dos policiais
A testemunha também relatou “falta de preparo” de policiais militares após Marco ser morto com um tiro à queima-roupa.
A declaração da mulher sobre a ação dos policiais foi dada em entrevista, de forma anônima para a TV Globo. Ela alegou ter medo de retaliação. A mulher mantinha um relacionamento com Marco Aurélio há dois anos, e passavam muito tempo juntos, conforme ela relatou. Ela também contou que ficou escondida em um cômodo do hotel após ter discutido com o estudante e que “cada um ia para sua casa e amanhã a gente ia se ver de novo”.
Marco Aurélio havia saído do hotel e voltou rápido, segundo a mulher. “Foi questão de um minuto para ele voltar com os policiais em cima dele. Encurralam ele ali. Eu não vi 100%, mas eu ouvi 100% de tudo”, contou à Globo.
“Do nada, eu ouvi um barulho de um tiro. O moço da recepção quis me deixar dentro do quarto, eu falei que não ia ficar, eu precisava sair de lá para chamar a família dele e tudo. Estavam os dois [policiais] armados e, se reparar, ele [Marco] entra, e o policial já está apontando a arma para ele. Desde lá de fora, eu não sei o que aconteceu lá fora, eu não sei se ele realmente deu esse soco.”
“Eles têm instrumentos de choque, eles têm algema, eles têm muitos meios, sabe? Então, para mim, ele [policial que atirou] foi totalmente desqualificado”, completou.
O crime
O caso aconteceu por volta das 2h, na Rua Cubatão, Vila Mariana. Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP), os policiais estavam em patrulhamento quando Marco Aurélio passou pela viatura e teria dado um tapa no retrovisor do veículo, tentando fugir em seguida.
Ele correu em direção a um hotel onde estava hospedado e foi perseguido pelos policiais, que relataram que o estudante estava alterado e agressivo. Imagens do circuito interno do local mostram o momento em que os agentes entram em confronto com o rapaz, que resiste à abordagem.
Em seguida, um dos policiais efetua um disparo e atinge Marco Aurélio na região do peito. No depoimento, os PMs relataram que o rapaz tentou pegar a arma de um deles.
No entanto, o vídeo mostra que, na verdade, um dos PMs atirou após o outro agente, que atendia a ocorrência com ele, dar um chute no estudante, ter a perna segurada pelo jovem e cair para trás, desequilibrado. Nas imagens, não é possível observar Marco Aurélio tentando pegar a arma do policial, como afirmado pelos agentes no depoimento à polícia.
O estudante foi socorrido e levado ao Hospital Ipiranga, mas após duas paradas cardiorrespiratórias, ele não resistiu e morreu por volta das 6h40 da própria quarta-feira. O caso foi registrado como morte em decorrência de intervenção policial no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
Policial indiciado
O agente responsável pelo disparo foi indiciado por homicídio doloso no Inquérito Policial Militar (IPM). Conforme a SSP informou ao Terra, ambos os PMs envolvidos na ocorrência permanecerão afastados das atividades operacionais até a conclusão das apurações. “Toda a conduta dos agentes é investigada. As imagens das câmeras corporais que registraram o fato serão anexadas aos inquéritos conduzidos pela Corregedoria da Polícia Militar e pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP)”, acrescentou a corporação. *Com informações do Estadão