POLÍCIA
Qual recado os mandantes quiseram dar com o assassinato do delator do PCC?
Antônio Vinicius Lopes Gritzbach, delator do Primeiro Comando da Capital (PCC), foi assassinado em plena luz do dia no Aeroporto Internacional de Guarulhos — o maior do Brasil e da América do Sul e o segundo mais movimentado da América Latina em número de passageiros. A Polícia investiga se a ordem para o crime partiu da própria facção, mas ainda há incertezas sobre os mandantes. Até o momento, oito policiais militares foram afastados por suspeita de envolvimento no caso, que segue em apuração.
Apesar das incertezas sobre os mandantes, um crime cometido em plena luz do dia, em um local tão movimentado, pode ter sido planejado para enviar uma mensagem. É o que aponta Rafael Alcadipani, professor da FGV e especialista em segurança pública.
“Sem dúvida nenhuma, existe o interesse de causar pânico. Temos uma ação totalmente planejada e meticulosa para matar um criminoso que, literalmente, estava jurado de morte pelo crime organizado. Acho que isso é uma resposta para quem os trai, pois o crime organizado tem regras muito claras sobre traição: quem trai é morto.”
Grupos criminosos organizados são compostos por três ou mais indivíduos, com algum nível de estrutura e uma existência prolongada, voltada para a prática de ao menos um crime grave. Além disso, esses grupos atuam com o objetivo principal de obter vantagem financeira ou material. Frequentemente, o lucro desses grupos advém da oferta de bens e serviços ilícitos. Assim, se o delator foi assassinado pelo PCC ou, eventualmente, por policiais, ele foi alvo de um grupo criminoso organizado.
Para Alcadipani, o assassinato não foi apenas um ato de violência, mas uma demonstração da força da organização criminosa no País. “O tráfico de drogas, infelizmente, tem tido uma presença muito forte no Brasil”, explicou o especialista. “Uma ação como essa não é para amadores. É algo muito planejado, lidado e conduzido. Alguém que tem muita certeza do que está fazendo”.
O especialista menciona o tráfico de drogas pois essa é a principal fonte de renda do PCC desde que Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, assumiu a liderança máxima do grupo em 2000 e redefiniu os rumos da facção. Sob sua direção, o PCC passou por uma reestruturação que incluiu a criação das “sintonias” e a descentralização do poder, o que aumentou tanto os lucros da organização quanto a necessidade de lavar o dinheiro –atividade que Gritzbach realizava para a facção.
O PCC surgiu em 1993 na Casa de Custódia de Taubaté, no interior de São Paulo, com a proposta de atuar como um “sindicato do crime”, denunciando abusos no sistema prisional e promovendo uma “guerra contra o sistema”. Sob a liderança de Marcola, porém, a facção se transformou em uma organização voltada para o lucro, operando de maneira semelhante a uma empresa.
Atualmente, investigações do Ministério Público indicam que a facção criminosa também conseguiu infiltrar-se em serviços públicos estaduais, atuando por meio de empresas de transporte coletivo, de coleta de lixo e de organizações sociais de saúde.
“Audácia” da facção
Segundo o professor Rafael Alcadipani, o ataque ao delator da facção em um local movimentado como o aeroporto revela a “audácia” do crime organizado e o desafio que ele representa para o Estado. Ele destacou que ações desse tipo evidenciam o alcance desses criminosos e o controle que exercem em determinadas áreas, especialmente onde há ausência do poder público. “O crime organizado surge muito onde o Estado não está, daí se dá ainda mais a importância do governo atuar nessas áreas”, disse.
Alcadipani enfatizou que combater esse tipo de poder requer que o Estado combata também a corrupção interna em suas instituições, algo que favorece o fortalecimento do crime organizado: “É preciso lembrar que não existe crime organizado sem a corrupção de agentes do Estado.”
Além do assassinato do empresário, o motorista de aplicativo Celso Araújo Sampaio de Novais, de 41 anos, morreu no sábado, 9, após ser atingido por um tiro de fuzil nas costas durante o atentado que vitimou Gritzbach. Celso estava em serviço no momento em que foi alvejado e deixa três filhos e a esposa, com quem era casado há mais de 20 anos.
“Em casos como esse podemos ver o poder do crime, e que uma ação como essa não tem como se controlar”, aponta Alcadipani. “Se você começa a dar tiros de fuzil em um ambiente como o aeroporto de Guarulhos, vai perder completamente o controle disso.” Para o especialista, esse é um “mau sinal” e revela o perigo que o crime organizado representa para a população em geral.
Delator denunciou corrupção de policiais
Além de detalhar atividades do PCC, a delação premiada de Gritzbach também levanta acusações de corrupção envolvendo policiais civis de São Paulo. O empresário mencionou em seu depoimento o Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), o Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC), além do 24º DP (Ermelino Matarazzo) e do 30º DP (Tatuapé).
De acordo com o documento, cujo conteúdo foi revelado pelo jornal Estado de S. Paulo nesta terça-feira, 12, os crimes atribuídos aos agentes incluem concussão (extorsão praticada por servidores públicos), corrupção passiva e associação criminosa.
Após a morte de Gritzbach, foram afastados policiais militares do 18º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM-M), na Zona Norte de São Paulo, e do 23º BPM-M, na Zona Oeste da capital.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP), esses PMs já estavam sob investigação, um mês antes do crime, por suspeita de prestar segurança particular a Vinícius. Esse tipo de serviço extra, conhecido como ‘bico’, é considerado irregular quando realizado sem autorização da corporação. A SSP também repudiou a atuação dos agentes como escolta de um réu envolvido com o PCC.
E como corrupção das instituições fortalece o PCC?
Sobre o combate ao PCC, Alcadipani criticou a falta de articulação entre as esferas estadual e federal. “Perdeu-se o controle do PCC, mas precisamos de esforços articulados”, observou. “Se o governo federal e os governos estaduais conseguissem falar a mesma língua e tentar conduzir uma ação coordenada, já ajudaria bastante. Mas, infelizmente, não é isso que a gente vê.”
Para ele, o enfrentamento do crime organizado no Brasil precisa de ações coordenadas e de uma estratégia de combate sustentada e eficaz. Alcadipani ainda destacou a necessidade de depuração das instituições de segurança e justiça.
“É preciso que a gente considere que há partes do Estado comprometidas. A gente precisa fazer uma depuração interna das instituições de Estado”, disse o professor, ao comparar o cenário brasileiro ao das máfias italianas e dos Estados Unidos, onde, historicamente, o crime organizado prosperou em meio à corrupção.
Ele destacou que a corrupção entre agentes do Estado no Brasil já alcança até os mais altos escalões, como evidenciado pela recente operação da Polícia Federal, na qual desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul estão sob investigação por suspeita de participação em um esquema de venda de decisões judiciais. Como resultado da investigação, alguns desses magistrados foram até obrigados a usar tornozeleiras eletrônicas.
Embora confiante na capacidade investigativa do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) na resolução do atentado contra Gritzbach, Alcadipani apontou que o enfrentamento do crime organizado exige uma articulação entre as forças de segurança que vai além da resolução de um único caso. “É possível encontrar os responsáveis, mas não é só focar nesse crime; é preciso uma ação coordenada de enfrentamento”, afirmou.
Ao abordar a possibilidade de retaliações em resposta a ações do Estado, o especialista ressaltou a importância de uma atuação bem coordenada, destacando que o combate ao crime organizado não deve ser enfraquecido por receio de represálias. “É muito importante que, quando a polícia vai atuar, ela atue de forma organizada, coordenada e planejada, para minimizar ao máximo as perdas de vidas. E é preciso pesar muito bem se vale a pena realizar a ação.”
Alcadipani ainda afirmou que o episódio expõe o quão crítica é a situação do crime organizado em São Paulo. “O que esse episódio mostra é que a situação do crime organizado em São Paulo não está sob o controle que o Estado quer fazer parece que esteja. A situação está muito séria. O crime organizado está bastante ousado, está com bastante força, e isso chama atenção para a necessidade urgente de um foco mais rigoroso no combate a isso”, destacou.