POLÍTICA
Após emendas, governo Lula testa fidelidade com votação de arcabouço fiscal
A Câmara dos Deputados deve decidir, nesta quarta-feira (17/5), se o projeto que institui o novo arcabouço fiscal (ou regime fiscal sustentável, como quer chamar o relator do texto, Cláudio Cajado) vai tramitar em regime de urgência e, dessa forma, ir diretamente para a votação em plenário, evitando a passagem por comissões temáticas. A votação do mérito do projeto deve ficar para a próxima semana, no dia 24 de maio, mas essa primeira decisão vai testar a articulação do governo Lula em uma questão prioritária.
Na tentativa de consolidar uma base no Congresso Nacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) articulou a liberação de R$ 1,4 bilhão em emendas aos parlamentares nos primeiros 15 dias de maio. Priorizando bancadas aliadas e o Centrão, o Executivo tenta evitar nova derrota em plenário.
A liberação do montante acontece após as críticas de líderes da Câmara, que, por meio de uma votação-surpresa para o governo no início de maio, tentaram “mandar o recado”: sem liberação, os projetos não serão aprovados pelos deputados. Os governistas foram surpreendidos com a aprovação de um projeto para derrubar parte do decreto do presidente sobre contratos e serviços de saneamento.
Agora, os governistas tentam evitar nova surpresa e alavancar a proposta fiscal apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e adotada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Os valores foram empenhados como um aceno aos congressistas.
Entre as principais beneficiárias de empenhos, estão siglas de centro, como o PSD, MDB e União Brasil, que juntos contam com nove ministérios do governo.
O empenho faz parte da primeira fase para a liberação da despesa pública, em que é formalizado a reserva de determinado valor disponível no Orçamento para a despesa. Dessa forma, lê-se o empenho como uma garantia por parte do Planalto de que o pagamento será feito. O governo tenta confiar na manobra para conseguir aprovar matérias no parlamento.
Arcabouço fiscal
Após quase um mês de negociações, o texto final do Projeto de Lei Complementar (PLP) 93/2023, responsável por definir a nova regra fiscal, foi apresentado às lideranças da Câmara dos Deputados na última segunda-feira (15/5) pelo relator Cláudio Cajado (PP-BA). A oficialização da entrega dá início à fase final de tramitação do texto, a ser apreciado no plenário na próxima semana.
A conclusão do texto do novo marco fiscal foi fechada com apoio de líderes até da oposição, o que levou ministros, como Haddad e Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, a falarem abertamente na confiança numa votação ampla para a aprovação da urgência.
Na residência oficial de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, estiveram reunidos o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o relator durante a manhã de segunda.
Antes de se encontrar com Lira e Cajado, Haddad esteve com o presidente Lula e demais integrantes da equipe econômica, no Palácio do Planalto. Segundo o ministro, o presidente Lula foi “colocado a par dos detalhes que estão ainda em aberto” e deu orientações.
Uma das preocupações do titular do Executivo federal era sobre a política de valorização do salário mínimo. O petista queria que o aumento real do salário mínimo e o reajuste do Bolsa Família – bandeiras de campanha do petista – fiquem fora das travas do texto. Os pedidos de Lula foram acatados.
“A política fiscal da União deve ser conduzida de modo a manter a dívida pública em níveis sustentáveis, prevenindo riscos e promovendo medidas de ajuste fiscal em caso de desvios, garantindo a solvência e a sustentabilidade intertemporal das contas públicas”, aponta o documento entregue por Cajado.
Teste de fogo
Com a votação do projeto do arcabouço fiscal ao Congresso Nacional, o governo Lula terá o maior teste de fogo no parlamento desde o início do mandato.
Para garantir aprovação, o PLP deve ter adesão de ao menos 257 deputados. O desfecho do projeto dará a Lula o tom de sua governabilidade no Congresso Nacional neste momento. Apesar de ter quatro meses de mandato, o presidente ainda não aprovou grandes projetos no parlamento e, por isso, não tem real noção do tamanho de sua base aliada.
Aliás, a grande vitória de Lula até agora não ocorreu propriamente dentro de seu mandato, com a aprovação da chamada Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição. Aprovada no fim do ano passado, a medida permitiu ao petista abrigar promessas de campanha no então futuro governo (como o Bolsa Família e o aumento do salário mínimo).
Na votação-supressa do saneamento na Câmara dos Deputados, partidos aliados “traíram” o governo, votando pela derrubada do decreto editado por Lula. Aprovado com 295 votos a favor e 136 contra, a queda do documento teve apoio expressivo de bancadas de partidos que, em tese, integram a base de Lula, como PSD, MDB, União Brasil e o PSB. Juntas, as legendas controlam 12 dos 37 ministérios.
Teto de gastos X novo arcabouço
O atual teto de gastos, em vigor desde 2017, estabelece que as despesas públicas federais só podem crescer o equivalente ao gasto do ano anterior, sendo este corrigido pela inflação.
A regra foi criada no governo de Michel Temer (MDB), quando o país passava por recessão marcada pela crise fiscal e gastava mais do que arrecadava, acumulando sucessão de déficits primários. Na época, o argumento usado era o de que a regra orçamentária iria controlar os gastos públicos.
Pela norma fiscal, a meta do resultado primário é estipulada em valor numérico a cada ano. O resultado é elaborado a partir da diferença entre receitas e despesas no ano. Atualmente, esta é a única meta que precisa ser cumprida pelo Executivo federal. Agora, pela nova proposta do governo, em vez de um teto, o aumento das despesas do governo será limitado a 70% do crescimento das receitas. Por exemplo, se a arrecadação federal subir 10%, o governo poderá aumentar os gastos até 7%.
O texto, porém, impõe um limite mínimo para a variação com o objetivo de evitar que uma queda brusca ou temporária na arrecadação federal obrigue o governo a comprimir os gastos. Propõe ainda um limite máximo de variação, que afasta o risco de o Executivo federal aumentar os gastos públicos de forma exagerada quando há uma alta na arrecadação.
Diferentemente da norma atual, que tem uma única meta de resultado das contas públicas, a equipe econômica quer que o novo arcabouço tenha um intervalo, também chamado de “banda”, para cumprir as metas.
Por exemplo, se o governo, em um determinado ano, não cumprir o intervalo da meta, no ano seguinte as restrições para despesas serão maiores. O objetivo é evitar o descontrole das contas públicas.