POLÍTICA
Com contingenciamento obrigatório, nova regra fiscal é apresentada à Câmara
Relator da nova regra fiscal, Cláudio Cajado (PP-BA) apresentou, na noite desta segunda-feira (15/5), às lideranças da Câmara dos Deputados o esboço do relatório do projeto. A matéria prevê uma série de medidas de contingenciamentos obrigatórios, a serem acionadas em caso de descumprimento das metas, mas retira a possibilidade de criminalização do presidente da República.
A expectativa é publicar o texto ainda nesta noite e apresentação formal às 9h desta terça (16/5), para votação do regime de urgência já nesta quarta-feira (17/5). O mérito, porém, só deve ir ao plenário na próxima semana.
O fechamento do texto, no sentido de atender as diretrizes apontadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ainda assim rígido de forma a agradar o Parlamento, é considerado essencial para aprovação da matéria. De acordo com o líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), lideranças de todas as legendas, menos o PL, se comprometeram em votar a favor do regime de urgência.
“A proposta deve ter um espírito de longevidade. Ou seja, não é apenas uma lei imediatista, para servir ao atual governo, mas aos próximos. E todos os acordos que foram feitos em cima do que nós vamos apresentar logo mais, no sentido de fazer com que haja credibilidade e sustentabilidade para o equilíbrio fiscal das contas públicas. Atacando a política fiscal nós vamos atacar a política monetária com a queda dos juros que é o que todos nós queremos”, disse Cajado ao deixar a reunião desta noite.
Além disso, também foi confirmado que o aumento real do salário e o pagamento do Bolsa Família ficam garantidos, mesmo em cenários nos quais o governo não cumpra as regras fiscais estabelecidas.
O projeto, como está agora, adiciona de forma gradual vedações previstas no art. 167-A. São eles. No primeiro ano de descumprimento das regras fiscais, ficam vedadas:
- A criação de cargos, empregos ou funções que impliquem no aumento de despesa;
- A alteração da estrutura de carreira que que implique no aumento de despesa;
- Criação ou majoração de auxílios, vantagens e benefícios de qualquer natureza;
- Criação de despesa obrigatória;
- Medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º da Constituição
- Criação ou expansão de programas e linhas de financiamento; remissão, negociação ou refinanciamento que impliquem ampliação de subsídios e subvenções;
- Concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária
Em caso de segundo ano consecutivo de descumprimento, adicionam-se estas vedações:
- Aumentos e reajustes em geral na despesa com pessoal;
- Admissão ou contratação de pessoal, a não ser que seja para repor vagas;
- Realização de concurso público, a menos que seja para reposição de determinadas vacâncias
Além disso, Cajado confirmou a permanência dos relatórios bimestrais, como forma de avaliação das receitas e despesas do governo, no sentido de monitorar o atingimento da meta fiscal. “Se durante esses relatórios o governo perceber que não vai se atingir a meta contida nas leis de diretriz orçamentária, obviamente começa o contingenciamento”, disse o relator.
O deputado também afastou a possibilidade de criminalização do presidente da República em caso de descumprimento: “Uma coisa é você fazer as sanções da gestão, outra coisa é você criminalizar os gestores. Essa questão da criminalização está afastada. É outra legislação, nós não estamos modificando nem alterando o que é crime de responsabilidade”.
Cajado ainda adiantou que o governo pode propor a retirada de algumas vedações.
“O presidente pode propor ao Congresso Nacional que não haja essas vedações e nós poderemos votar retirando algumas. Então há uma outra possibilidade do governo, desde que reconheça, através de uma mensagem, indicando a fonte da receita, demonstrando de onde virá o dinheiro”, destacou.
O deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, comentou a apresentação do relatório do novo arcabouço fiscal nas redes sociais.
Veja:
“O dia foi bastante produtivo. Avançamos nas conversas com os líderes partidários para garantir o regime de urgência para a proposta do relator Claudio Cajado sobre o novo Regime Fiscal Sustentável, na presença do ministro Fernando Haddad”, disse Arthur Lira, em publicação no Twitter.
Discussão
Mais cedo, Cajado apresentou a matéria ao presidente da Casa Baixa, Arthur Lira (PP-AL), e a Fernando Haddad, ministro da Fazenda do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Também nesta segunda, o presidente Lula se reuniu com a equipe econômica e aceitou a inclusão dos chamados “gatilhos”, mas cobrou a preservação de seus pedidos. As mudanças foram inclusas no texto final, apresentado há pouco.
A expectativa do Planalto, para aprovar o PLP 93/23 o mais rápido possível, é compartilhada por Arthur Lira. A ideia é superar a matéria para depois concentrar esforços na aprovação da reforma tributária. O presidente da Câmara dos Deputados já garantiu a votação de ambos os textos ainda neste semestre, com possibilidade de adiar o recesso parlamentar, caso seja necessário.
Antes, a presidente do PT Gleisi Hoffmann apresentou ressalvas ao texto. Ela criticou os gatilhos para controlar gastos em caso de descumprimento das regras, o contigenciamento de recursos, a possibilidade de responsabilização criminal do presidente da República e alterações na banda de despesas.
Quando começou a ser discutido, o arcabouço fiscal previa, o crescimento anual máximo dos gastos públicos atrelado a 70% do crescimento da receita primária. Esse cálculo envolve a arrecadação com impostos e transferências.
Participaram da reunião: o ministro Fernando Haddad, o secretário executivo da Fazenda Gabriel Galípolo, José Guimarães (PT-CE), Isnaldo Bulhões (MDB-AL), Antônio Britto (PSD-BA), Hugo Motta (Republicanos-PB), Eduardo Bolsonaro (PL-SP), André Fufuca (PP-MA), Fábio Macedo (Podemos-MA), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Marcos Pereira (Republicanos-SP), Altineu Cortês (PL-RJ), Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), Danilo Forte (União-CE), Marcel Van Hattem (Novo-RS), Felipe Carreras (PSB-PE), Luiz Tibé (Avante-MG).
Teste de fogo
Com a votação do projeto do arcabouço fiscal ao Congresso Nacional, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá o primeiro teste de fogo no parlamento desde o início do mandato. A proposta foi encaminhada ao parlamento na forma de projeto de lei complementar (PLP), e, na Câmara, passará por comissões temáticas e por deliberação em plenário, para depois para o Senado Federal.
Para garantir aprovação, o PLP deve ter adesão de 41 senadores e 257 deputados. O desfecho do projeto dará a Lula o tom de sua governabilidade no Congresso Nacional. Apesar de ter quatro meses de mandato, o presidente ainda não aprovou grandes projetos no Parlamento e, por isso, não tem real noção do tamanho de sua base aliada.
Aliás, a grande vitória de Lula até agora não ocorreu propriamente dentro de seu mandato, com a aprovação da chamada Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição. Aprovada no fim do ano passado, a medida permitiu ao petista abrigar promessas de campanha no então futuro governo (como o Bolsa Família e o aumento real do salário mínimo).
Teto de gastos X novo arcabouço
O atual teto de gastos, em vigor desde 2017, estabelece que as despesas públicas federais só podem crescer o equivalente ao gasto do ano anterior, sendo este corrigido pela inflação.
A regra foi criada no governo de Michel Temer (MDB), quando o país passava por recessão marcada pela crise fiscal e gastava mais do que arrecadava, acumulando sucessão de déficits primários. Na época, o argumento usado era o de que a regra orçamentária iria controlar os gastos públicos.
Pela norma fiscal, a meta do resultado primário é estipulada em valor numérico a cada ano. O resultado é elaborado a partir da diferença entre receitas e despesas no ano. Atualmente, esta é a única meta que precisa ser cumprida pelo Executivo federal.
Pela nova proposta do governo, em vez de um teto, o aumento das despesas do governo será limitado a 70% do crescimento das receitas. Por exemplo, se a arrecadação federal subir 10%, o governo poderá aumentar os gastos até 7%.
O texto, porém, impõe um limite mínimo para a variação com o objetivo de evitar que uma queda brusca ou temporária na arrecadação federal obrigue o governo a comprimir os gastos. Propõe ainda um limite máximo de variação, que afasta o risco de o Executivo federal aumentar os gastos públicos de forma exagerada quando há uma alta na arrecadação.
Diferentemente da norma atual, que tem uma única meta de resultado das contas públicas, a equipe econômica quer que o novo arcabouço tenha um intervalo, também chamado de “banda”, para cumprir as metas.
Por exemplo, se o governo, em um determinado ano, não cumprir o intervalo da meta, no ano seguinte as restrições para despesas serão maiores. O objetivo é evitar o descontrole das contas públicas.
Por que criar uma nova regra fiscal?
Ao aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, no ano passado, o Congresso Nacional determinou que o atual governo apresente, até o fim de agosto deste ano, uma nova regra fiscal para substituir o teto de gastos, em vigor desde 2017.
Segundo o texto analisado pelos parlamentares e sancionado pelo então presidente, Jair Bolsonaro, a ideia é “instituir regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico”.
Se aprovado pelo Congresso, o arcabouço vai substituir a regra do teto de gastos, criada em 2017 com o objetivo de limitar o crescimento das despesas públicas. A estratégia da equipe econômica é criar norma que permita ao governo investir e pagar as despesas sem gerar descontrole nas contas públicas.