POLÍTICA
De avião a dinheiro vivo: o suposto esquema ligado ao governador do AC
O governador do Acre, Gladson Cameli (PP-AC), será julgado na próxima quarta-feira (15/5) pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) por suposto envolvimento em um milionário esquema de desvios de dinheiro no estado, na ordem de R$ 11,7 milhões.
A Procuradoria-Geral da União (PGR) acusa o governador e mais 12 pessoas por crimes de organização criminosa, corrupção, peculato e fraude em licitação. Além de pedir ao STJ o afastamento do governador a instrução final, a PGR denuncia familiares dele, empresários e servidores por recebimento de propina e desvios em obras.
Somadas, as penas pelos crimes podem ultrapassar 40 anos de reclusão.
As investigações apontam quatro eixos principais de como era feita a lavagem de dinheiro pelo grupo no entorno do governador. A Polícia Federal (PF) fala em negociações de carros, imóveis e até aviões para cometer o desvio.
Há ainda operações bancárias, com depósitos de dinheiro em espécie e de forma fracionada, para despistar possíveis suspeitas e dificultar o rastreamento, segundo as investigações.
A reportagem procurou a assessoria de imprensa do governo do Acre e aguarda retorno. O espaço segue aberto.
Negociações de veículos
Segundo os autos do processo, uma das formas de lavagem de dinheiro usada pelos suspeitos era a compra de carros, com parte do pagamento dos veículos sendo feita com dinheiro vivo, com recursos de empresas ou sem clareza de onde vieram os valores. Algumas concessionárias não esclareceram a origem dos pagamentos.
Além de lavar dinheiro com a compra, um dos carros teria sido usado para pagamento de parte da construção de um imóvel do governador. Há também indícios de pagamentos feitos por empresas envolvidas na investigação de carros que estavam com investigados e que foram apreendidos nas operações realizadas.
A denúncia aponta que foram encontrados documentos que envolvem funcionários, servidores e até ex-colaboradores de Cameli nos pagamentos dos carros.
A investigação aponta que os pagamentos dos boletos de uma BMW foram feitos de maneira fracionada com dinheiro em espécie. São citados um total de 11 carros que foram negociados em valores que variam de R$ 94 mil a R$ 520 mil.
De acordo com a investigação, o objetivo seria ocultar e dissimular a origem de recursos ilícitos supostamente desviados em prol do governador.
Operações bancárias
A PF aponta que outra forma de lavar dinheiro era com operações bancárias. Foram realizadas dezenas de operações de crédito em espécie nas contas de Cameli. Os depósitos eram feitos por parentes, agentes públicos e empresas nas quais o governador possui participação societária. Eles eram feitos de forma fracionada, em aparente tentativa de não levantar suspeita dos órgãos fiscalizadores.
De agosto de 2018 a dezembro de 2021, houve a movimentação de cerca de R$27,6 milhões nas contas do governador, sendo R$ 13,6 milhões a crédito, e R$ 13,8 milhões a débito. Segundo os investigadores, foram altos os volumes de depósito em espécie, levando a hipótese de que a intenção seria fragmentar a origem dos recursos.
O total depositado em espécie nas contas de Cameli passou de R$ 149 mil em 2018 para R$ 880 mil em 2021.
A investigação detalha que os gastos com cartão de crédito pela primeira-dama do Acre, Ana Paula Cameli, tiveram um aumento de mais de 100%, e que eram feitos depósitos em sua conta na véspera ou no dia em que ela fazia o pagamento das faturas. Ela não possui fonte de renda, segundo os autos do processo.
A PF afirma também que algumas faturas do governador e da primeira-dama foram pagas por terceiros ou pessoas desconhecidas.
Um relatório mostra que a soma dos gastos com cartões de Cameli e de sua esposa chega a R$ 2.998.062,05 no período de 2018 a 2020, quando os rendimentos líquidos declarados no mesmo período resultam no montante de R$ 1.265.819,15, o que demonstra a incompatibilidade.
Operações imobiliárias
Outra vertente de lavagem de dinheiro eram as operações envolvendo imóveis, segundo investigadores. É apontada a possibilidade de uso de recursos públicos para o crime, com o uso de dinheiro em espécie para o pagamento da construção de um imóvel do governador, por exemplo.
Já a aquisição de terrenos teria sido feita através da entrega de alguns veículos, também usados em lavagem de dinheiro (os mesmos citados anteriormente na reportagem).
Operações com aviões
Outro eixo apontado pela PF seriam depósitos com dinheiro em espécie, e de forma fracionada, na compra de um avião. Os valores seriam inferiores a R$ 50 mil.
Os investigadores avaliam que a enorme quantidade de depósitos feitos seriam para afastar qualquer suspeita e dificultar o rastreamento. O valor total da aeronave em questão seria de R$ 350 mil.
Outro lado
“Lamentamos que autoridades, revestidas do poder estatal, usem a imprensa para antecipar condenação de pessoas, até aqui, tão somente investigadas”, respondeu a defesa do governador, em nota.
“Não é correto substituir o julgamento formal pelo julgamento na mídia. Não é correto fazer espetáculo e buscar publicidade às custas da Justiça. As acusações contra o governador não têm fundamento. Estão baseadas em ilações e documentos de terceiros obtidos de forma ilegal. A operação Ptolomeu foi deflagrada há mais de dois anos. Desde então não há qualquer indicativo de interferência dos investigados no curso da apuração. No mais, aguardamos com respeito e serenidade a decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça”, diz ainda a nota da defesa de Cameli.