POLÍTICA
Música de Ivan Lins tocada por soldados de Xi define retórica da visita de Lula à China
Pequim — “No novo tempo/Apesar dos perigos/Da força mais bruta/Da noite que assusta/Estamos na luta/Pra que nossa esperança/Seja mais que vingança/Seja sempre um caminho/Que se deixa de herança/No novo tempo/Apesar dos castigos/De toda fadiga/De toda injustiça/Estamos na briga/Pra nos socorrer.”
A música brasileira tocada por militares chineses para embalar os primeiros instantes do encontro de Lula com Xi Jinping em Pequim, nesta sexta-feira (14/4), é repleta de significados conectados com a agenda da viagem, marcada por alfinetadas nos Estados Unidos.
Brasil e China, cuja relação esfriou sensivelmente nos anos do governo de Jair Bolsonaro (PL), se reaproximaram sob Lula e, agora, dizem estar alinhada para um “novo tempo” no mapa geopolítico mundial, exatamente como diz a canção de Ivans Lins. Veja:
No governo do petista, a diplomacia brasileira assume que trabalhará por mais protagonismo dos países emergentes e menos subordinação à agenda das potências do mundo desenvolvido, os Estados Unidos à frente.
Nos dois dias de compromissos oficiais em Xangai e Pequim, o presidente brasileiro foi à Huawei, big tech chinesa banida nos Estados Unidos sob acusação de fazer espionagem a serviço do governo de Pequim; questionou a hegemonia do dólar e dos bancos multilaterais comandados pelas potências tradicionais; e defendeu parceria com a China para “mudar a governança mundial”.
Não poderia ser mais claro: estocadas explícitas nos americanos de um lado e, literalmente, música para os ouvidos do governo de Xi Jinping de outro. “Ninguém vai proibir que o Brasil aprimore a relação com a China”, chegou a dizer Lula ao encontrar o presidente chinês.
As mensagens dirigidas a Washington e o alinhamento com a cartilha política e diplomática dos chineses, em franca disputa com os americanos pelo posto de superpotência mais poderosa do planeta no século 21, foram a tônica da visita de Lula.
Para usar expressões de “Novo Tempo”, a canção de Ivan Lins tocada pelos fardados chineses na recepção ao presidente brasileiro em frente ao Grande Salão do Povo, a retórica ecoada na viagem mira a “força mais bruta” das potências tradicionais. Aquelas mesmas que a esquerda, da China ao PT, vê como fonte inesgotável de “perigos”, de “noites que assustam”.
Ainda na toada da canção, as estrofes seguintes bem que poderiam ser usadas para definir o plano, defendido por Lula nestes dias na China, de unir a força dos países emergentes para fazer valer seus interesses, de olho em um futuro melhor: “Estamos na luta/Pra que nossa esperança/Seja mais que vingança/Seja sempre um caminho/Que se deixa de herança”.
“Estamos na briga/Pra nos socorrer”, poderiam dizer ainda os países emergentes.
A letra parece sob medida para o “novo tempo” pregado por Lula na terra de Xi Jinping, seu mais novo melhor amigo de infância.
Em tempo: consultado, o Palácio do Planalto informou que a música tocada na cerimônia foi sugerida aos chineses pelo cerimonial do governo brasileiro.