O freio nos planos de privatização de estatais iniciados no governo de Jair Bolsonaro (PL) foi puxado pelo governo de Lula no início do feriadão da Semana Santa, na quinta-feira (6/4). Além dos Correios, o governo petista tirou do Programa Nacional de Desestatização (PND) estatais como Empresa Brasil de Comunicação (EBC); Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro); e Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev). A ação está alinhada com outras iniciativas realizadas nas primeiras semanas de governo, como a interrupção de estudos sobre a privatização da Petrobras, maior empresa pública do país.
Bandeira histórica do PT, o veto às privatizações tem sido defendido por Lula desde a campanha eleitoral do ano passado, quando o então candidato chegou a advogar pela reversão da venda das ações da Eletrobras – plano que até agora não foi posto em prática.
A convicção de Lula não mudou nem sob a pressão por aumento na arrecadação federal imposta pelos planos apresentados pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no projeto do novo arcabouço fiscal, que exige um aumento de até R$ 150 bilhões por ano no montante que entra nos cofres do governo. Para os petistas, empresas estatais são um patrimônio público e devem atuar alinhadas com objetivos traçados pelo estado.
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Um dia antes do anúncio do governo Lula, na quarta-feira (5/4), três governadores de partidos mais à direita defendiam um estado mais enxuto e expunham planos de privatização ou concessão de estatais e obras de infraestrutura, como estradas, em um evento promovido pelo Bradesco em São Paulo. Para Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul, Ratinho Jr. (PSD), do Paraná, e Tarcísio de Freitas (Republicanos, foto em destaque), de São Paulo, a venda das estatais melhora a eficiência dos serviços e evita que os cofres públicos arquem com eventuais prejuízos causados por aparelhamento e má administração.
Vende-se (ou aluga-se)
Além dos três governadores citados acima, outros chefes de Executivo Brasil afora estão promovendo plano de venda ou concessão de estatais e serviços públicos. A privatização ocorre quando o bem é vendido definitivamente. No caso das concessões, o processo pode ser comparado com um aluguel, pois, nesse modelo, a iniciativa privada ganha o direito de explorar o bem ou serviço público.
No Distrito Federal, por exemplo, o governo de Ibaneis Rocha (MDB) toca 26 projetos de parcerias público-privadas (PPPs). Há propostas sob análise do Tribunal de Contas (TCDF), em fase de consulta pública ou em estudo de viabilidade.
Duas das principais tratam da concessão do Metrô e da Rodoviária do Plano Piloto. Os projetos estão em análise no TCDF desde 2020 e a expectativa da Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) do DF é que, até o meio do ano, a Corte autorize o andamento das propostas.
No Rio Grande do Sul de Eduardo Leite, o plano também é focar nas concessões ao longo dos próximos anos, principalmente de rodovias estaduais e do Cais Mauá, uma seção do porto fluvial de Porto Alegre.
Em seu primeiro mandato, o governador tucano conseguiu derrubar uma lei que previa plebiscitos antes de privatizações e vendeu uma série de estatais, como a Sulgás e a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), que foi arrematada em dezembro do ano passado por R$ 4,151 bilhões pelo consórcio Aegea, grupo privado do setor de saneamento básico.
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O tucano, porém, voltou atrás em relação a planos de privatizar o banco estatal Banrisul.
Tarcísio projeta arrecadar até R$ 180 bilhões
O governador de São Paulo tem um plano ambicioso de privatizações e concessões para realizar ao longo de seu mandato e prevê que, tudo dando certo, pode arrecadar até R$ 180 bilhões em quatro anos.
A joia maior dessa coroa é a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Tarcísio disse, no evento do Bradesco citado acima, que negocia um acordo com o Banco Mundial para estruturar a privatização da estatal de água e esgoto.
“O Estado [de São Paulo] já tem uma tradição de trabalhar com a iniciativa privada. Já trilhou o caminho das privatizações e fez muitas concessões. A gente entende que a iniciativa privada traz eficiência. Então, por que privatizar?”, discursou o ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro. “Não é privatizar por privatizar. É para trazer mais eficiência e investimento”, completou ele, que, antes da Sabesp, quer vender a Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae).
Tarcísio já iniciou a gestão completando o leilão de um trecho do Rodoanel e gerando uma imagem para simbolizar a vontade de privatizar: bater o martelo da forma mais teatral possível. Veja:
Zema quer privatizar a Cemig
Iniciando seu segundo mandato, o governador mineiro Romeu Zema (Novo) tem planos ambiciosos na área de privatizações: projeta vender a Companhia Energética Minas Gerais (Cemig) e a Companhia de Saneamento do estado (Copasa).
Filiado ao partido mais liberal do país, Zema passou o primeiro mandato reclamando da resistência da Assembleia estadual aos planos de privatização. Mesmo assim, conseguiu fechar a concessão do Metrô de Belo Horizonte ao grupo Comporte Participações S/A, de São Paulo, por R$ 25 milhões. Agora, com uma base mais sólida no Legislativo mineiro, o governador espera avançar mais na agenda de desestatização.
Além das duas grandes empresas de energia elétrica e saneamento, o mineiro pretende entregar para empresas privadas rodovias estaduais e aeroportos regionais.
No Paraná, Ratinho Jr. também trabalha para vender a empresa estadual de energia elétrica, a Copel, e conceder ao menos 3 mil km de rodovias estaduais para a iniciativa privada, prevendo que as empresas concessionárias invistam R$ 50 bilhões na estrutura viária do estado.
O modelo planejado por Ratinho Jr. mostra que, apesar das diferenças ideológicas entre os governos de direita e a gestão federal, não deixa de existir pragmatismo entre os entes federativos.
“Na questão das concessões rodoviárias, temos um bom relacionamento com o ministro [dos Transportes] Renan Filho, que tem nos ajudado”, disse recentemente o governador paranaense.
Em São Paulo, Tarcísio também conta com esse pragmatismo para convencer o governo federal a permitir a privatização do Porto de Santos. O governador já conversou pessoalmente com o presidente Lula sobre a questão, e, após o encontro, o ministro petista Rui Costa, da Casa Civil, garantiu que não há dogma por parte da gestão do Planalto e que o melhor formato para cada projeto será avaliado.
Na contramão
Apesar de historicamente ser um político alinhado ao campo da direita, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), tem nadado no sentido oposto ao de outros liberais. Em reunião na última semana no Palácio do Planalto em que o presidente Lula falou a governadores sobre mudanças no Marco Legal do Saneamento Básico que estão sendo criticadas pelo mercado financeiro por reabrirem espaços e vantagens a estatais, Caiado classificou como “importantes para Goiás” os decretos assinados pelo petista.
“A Saneago passa a ter uma expectativa muito maior. Deixou de ser engessada nas ações, principalmente nos pequenos municípios e nas regiões mais vulneráveis, onde as maiores estruturas empresariais não têm interesse em fazer investimentos”, declarou Caiado.
Também na contramão de outros governadores de seu campo político, Caiado tem repetido que não tem planos de privatizar a estatal goiana de saneamento.