Esse movimento contrasta com a virada de forças nos Três Poderes sobre o orçamento secreto: com o novo governo, o Executivo e o Judiciário aliaram forças contra as emendas de relator, e deixou o Legislativo isolado na defesa do que chamava de “orçamento municipalista”.
Levando em conta as indicações feitas por parlamentares após o primeiro turno, alguns casos se destacam. Um deles é o do deputado federal Rui Falcão (PT-SP), indicado pelo partido ao comando da Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante da Câmara. Em dezembro, pouco antes da posse de Lula, o parlamentar solicitou R$ 5 milhões do orçamento secreto. Antes, o petista não tinha solicitações ativas.
As emendas de relator foram alvo de duras críticas de Lula durante a campanha eleitoral. O então candidato à Presidência chegou a classificar esses pagamentos como a “maior vergonha deste país”. Por meio desse mecanismo, não fica claro o quanto do valor indicado será realmente empenhado (ou seja, pago de fato), mesmo sob o governo do petista.
Também chamam atenção as indicações de Denis Bezerra, presidente do PSB-CE, partido do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin. O parlamentar não conseguiu se reeleger e, logo após o primeiro turno, solicitou R$ 8 milhões em emendas. Em junho, a quatro meses da eleição, ele indicou R$ 1,8 milhão para Várzea Grande, Campos Sales e Santa Quitéria. Bezerra, no entanto, cancelou os pedidos.
Nesses municípios, Denis recebeu baixa votação. As únicas cidades que permaneceram com indicações de emendas feitas por Denis, além da capital Fortaleza, foram Santa Quitéria e Ipu. Em ambas, ele foi o candidato a deputado federal mais votado. Não fica claro quando as indicações foram canceladas.
Dentre as indicações canceladas, está uma de R$ 387 mil destinada à compra de um ônibus escolar para a prefeitura municipal de Campos Sales. O objeto da solicitação foi protagonista de um escândalo envolvendo a distribuição desses veículos para atender aliados do “centrão” ligado ao governo de Jair Bolsonaro (PL).
Outro petista que solicitou emendas foi paulista Nilto Tatto (SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista. O parlamentar pediu R$ 2 milhões em emendas, cadastradas após o segundo turno. A senadora Zenaide Maia (PSD-RN), vice-líder de Lula no Congresso, também fez solicitações do orçamento secreto somente após a eleição do petista. Suas indicações ativas somam R$ 2,4 milhões.
A Flourish chart
Rodrigo Agostinho (PSB-SP), ex-deputado indicado à presidência do Ibama, tem R$ 3 milhões em indicações do orçamento secreto. Ele fez três solicitações em 2022, todas após a eleição, as quais foram destinadas a cidades onde figura entre os candidatos mais votados.
Entre os congressistas da oposição, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) só solicitou emendas após a derrota do pai. Ele pediu R$ 17,5 milhões em emendas.
Na avaliação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, a base de apoio consistente a Lula conta com deputados do PT. PDT. PSB, PSol, PCdoB, Avante, PV, Solidariedade, Pros e Rede. Essas legendas não figuram entre as que mais solicitaram emendas de relator. Juntas, porém, somam indicações que ultrapassam R$ 87 milhões entre outubro e dezembro.
Levando-se em conta que deputados de PSD e MDB fazem parte da base de apoio do governo Lula, a soma dos valores indicados por aliados do petista é de R$ 636 milhões após o primeiro turno.
Quando são considerados os valores totais solicitados entre outubro e dezembro, porém, a oposição a Lula segue com as maiores somas em indicações: o senador Wellington Fagundes (PL-MT) solicitou R$ 190 milhões; o deputado Junior Lourenco (PL-MA) indicou R$ 162 milhões; e Marx Beltrão PP-AL cadastrou R$ 127 milhões em emendas de código RP9.
Entenda o orçamento secreto
Defendidas por parlamentares do chamado Centrão como “orçamento municipalista”, as emendas de relator foram criadas em 2019, a partir de projeto de iniciativa do Executivo (PLN nº 51) para alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020 (nº 13.898, de 2019).
O encaminhamento da proposta continha mensagem assinada pelo general Luiz Eduardo Ramos, então ministro-chefe da Secretaria de Governo da gestão de Jair Bolsonaro (PL). Elas foram consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro do ano passado.
Na ocasião, prevaleceu a tese de Rosa Weber, relatora das ações. A ministra considerou que as emendas do relator-geral devem ser utilizadas “exclusivamente à correção de erros e omissões, vedada a sua utilização indevida para o fim de criação de novas despesas ou de ampliação das programações previstas no projeto de lei orçamentária anual”.
O dispositivo foi criticado pela falta transparência, pois não eram divulgadas informações sobre quem libera os recursos, para quais fins e sob quais critérios. Além disso, o bloco de oposição acusava o governo Bolsonaro de usar as emendas de relator para cooptar parlamentares. O ex-presidente chegou a reservar R$ 19,4 bilhões para o orçamento secreto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2023.
Após a decisão do Supremo, a PEC de Transição alterou a verba prevista para o orçamento secreto, de forma a permitir que o relator-geral apresente até R$ 9,85 bilhões em emendas para políticas públicas. A outra parte foi direcionada para emendas individuais, que passam de R$ 11,7 bilhões para cerca de R$ 21 bilhões em 2023.