POLÍTICA
Precatórios: o que são? Quem tem direito? O que muda?
O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) propôs uma mudança para adiar o pagamento de precatórios e viabilizar o aumento do Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, antes das eleições presidenciais de 2022.
O Auxílio Brasil, novo programa social que substituirá o Bolsa Família, prevê o pagamento de R$ 400 para cerca de 17 milhões de beneficiários até o fim de 2022, ano em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenta a reeleição. No entanto, para conseguir chegar a esse valor, o governo depende de um aumento no teto de gastos, a partir da PEC dos Precatórios.
PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios. A proposta abre folga de R$ 91,6 bilhões no Orçamento federal. A PEC ainda será votada no Senado.
O texto permite o adiamento do pagamento de parte dos precatórios devidos pela União em 2022. Pelos cálculos do Tesouro, isso gerará uma folga de R$ 44,6 bilhões. Precatórios são títulos que representam dívidas que o governo federal tem com pessoas físicas e empresas, provenientes de decisões judiciais definitivas. Quando a decisão judicial é definitiva, o precatório é emitido e passa a fazer parte da programação de pagamentos do governo federal.
A proposta é polêmica e levanta críticas por parte de analistas, políticos e economistas.
Veja abaixo o que são os precatórios, como e por que o governo quer mexer neles e entenda a quais são as críticas ao projeto. O UOL procurou o Ministério da Economia para pedir um posicionamento sobre as críticas, mas a pasta não respondeu até a publicação deste texto.
O que são precatórios?
São pagamentos que a Justiça manda o Poder Público (União, estados ou municípios) fazer. Quando alguém entra na Justiça contra o governo federal, estadual ou municipal por algum motivo, essa ação vai sendo julgada até chegar à última instância, em um processo que pode levar anos.
Quando o governo perde e não pode mais recorrer, as ações tornam-se transitadas em julgado. Com isso, o valor que a Justiça manda o governo pagar vira um precatório. Os gestores públicos precisam prever dinheiro no Orçamento todo ano para quitar essas dívidas.
Em 2022, o governo federal deverá pagar cerca de R$ 89,1 bilhões em precatórios, um salto em relação aos R$ 54,7 bilhões em 2021.
Quem tem direito ao precatório?
Qualquer pessoa, empresa ou entidade que tenha ganhado em definitivo uma ação contra o governo federal, estadual ou municipal na Justiça. Alguns exemplos:
- Pessoas desapropriadas para a construção de obras públicas
- Contribuinte que pagou mais impostos do que deveria
- Aposentado que pede pagamentos retroativos por tempo trabalhado e não computado no cálculo da aposentadoria
- Servidor público que tem direito a reajuste salarial
O que o governo quer mudar com a PEC dos Precatórios?
A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) propõe estabelecer um teto para o pagamento destas dívidas a cada ano. O teto seria calculado a partir do valor pago em 2016, atualizado pela inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).
A partir deste cálculo, o governo calcula que seriam pagos R$ 44,5 bilhões em 2022 – e não os R$ 89,1 bilhões originalmente previstos. A sobra, de R$ 44,6 bilhões, ajudaria a bancar o Auxílio Brasil, o programa social que substituirá o Bolsa Família.
Além disso, a PEC estabelece uma mudança no cálculo do chamado teto de gastos, a regra fiscal constitucional que limita a despesa pública ao orçamento do ano anterior corrigido pela inflação. A proposta estabelece que o teto será calculado a partir do orçamento do ano anterior reajustado pela inflação de janeiro a dezembro – e não de julho a junho. Esta mudança técnica gera uma nova sobra de R$ 47,0 bilhões para 2022.
Com essas duas mudanças, o governo conseguirá a folga fiscal de R$ 91,6 bilhões.
Por que o governo quer adiar o pagamento?
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirma que os precatórios são um “meteoro” vindo de “outros Poderes”, uma referência ao Judiciário, que removeria as possibilidades de funcionamento do governo.
Guedes tenta encontrar fontes de financiamento para o novo programa social do governo, o Auxílio Brasil, para atender mais pessoas e melhorar a popularidade de Bolsonaro antes das eleições do ano que vem.
O salto nos precatórios dificulta o novo programa, porque vai sobrar pouco espaço no teto de gastos. A regra limita o total de gastos do governo à soma do ano anterior, corrigida apenas pela inflação.
Guedes chegou a dizer: “devo, não nego e pagarei assim que puder“. A PEC também propõe mudar a regra do teto de gastos para permitir gastos adicionais de mais de R$ 90 bilhões em 2022, o que é visto como furo no teto.
Críticos acusam governo de ‘pedalada’ e calote
Analistas destacam o aspecto eleitoral da proposta, questionam a legalidade da medida e chegam a dizer que trata-se de uma “pedalada” e de calote.
“Querem abrir um espaço no Orçamento para o próximo ano, dando uma folga para acomodar o novo Bolsa Família. [Esta] é uma bandeira eleitoral, porque o Bolsa Família dá voto”, afirma Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos.
Para Gabriel Quintanilha, professor de direito da FGV Rio, “quando há uma proposta de alteração da forma de pagamento do precatório, temos uma violação ao direito adquirido. Esta proposta de emenda é inconstitucional”.
Ele diz que, mesmo que a PEC seja aprovada no Congresso, poderá ser barrada pela Justiça. “Ainda resta o filtro do Judiciário, e historicamente ele tem rechaçado todo tipo de meio para adiar pagamento de precatório”, diz.
Fernando Facury Scaff, professor de direito da USP (Universidade de São Paulo (USP), afirma que o que Guedes “está fazendo é nitidamente uma pedalada. É um calote puro e simples”, diz.
O governo nega que o adiamento seja equivalente a calote. Em nota, o Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) afirmou que a “tentativa de desmontar a sistemática constitucional de pagamento revela contornos antidemocráticos” e pode ser considerada um “amplo desrespeito aos direitos dos cidadãos brasileiros, ao regramento firmado pelo Congresso Nacional e à própria autoridade das decisões judiciais”.
Em seu Twitter, o diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente), Felipe Salto, apontou que o precatório é uma despesa mandatória, isto é, a União é obrigada a pagá-la.