RIO BRANCO
“Falta um olhar humanizado na área da saúde”, diz psicóloga sobre a morte do técnico de enfermagem
A morte do técnico em enfermagem Euzir Félix de Souza, de 57 anos, trouxe algumas reflexões sobre o ambiente de trabalho dos profissionais da área da saúde. A neuropsicóloga e psicóloga Jorgenilce Alves conversou com a equipe do Na Hora da Notícia sobre a sobrecarga que os profissionais da saúde enfrentam e a desvalorização que enfrentam.
“Tem aquele ditado que fala que ‘casa de ferreiro, espeto de pau’. Quando eu ouço esse ditado, não penso no ferreiro, mas penso em algumas profissões. Acredito que a que mais nos faz refletir esse ditado depois da última pandemia são os profissionais da área da saúde de um modo geral, principalmente aqueles que estão na linha de frente, trabalhando com casos mais agravados, tanto na área de saúde mental quanto na área de urgência e emergência”, inicia a profissional da psicologia.
Jorgenilce levanta questionamentos e também diz que a área da saúde perdeu aquele caráter no que se refere ao investimento financeiro, que vai desde investir no treinamento das pessoas, reciclar profissionais até a questão dos salários.
“De um tempo para cá, vem se exigindo muito do profissional de saúde, mas não se paga de modo adequado. A área da saúde está sendo tratada como uma área comercial. Durante a pandemia, vimos profissionais que tiveram que se sujeitar a arriscar suas próprias vidas, passaram meses sem entrar em contato com a família, alguns se sujeitando a conversar com os filhos e parentes pelo celular. Não estamos falando somente de médicos, pois eles ainda têm salários compatíveis com isso. Falamos dos enfermeiros, técnicos de enfermagem, psicólogos”, destaca ela, ressaltando ainda que o baixo salário desses profissionais não lhes permite investir em sua própria saúde mental e na saúde de um modo geral.
No caso de Euzir, um dos comentários dos colegas de trabalho foi que ele não aguentou a forte pressão com a carga horária de trabalho, onde, por inúmeras vezes, nem sequer se tem horário de descanso.
“Nas circunstâncias da morte dessa pessoa, especificamente, alguém que morre, que é um enfermeiro, que morre encolhido em uma cama, no lugar de descanso de um hospital. Provavelmente, ele já não estava bem, e as pessoas não têm tempo nem para olhar para o outro como um ser humano. Além disso, esse profissional não é olhado da mesma maneira que os pacientes que ele atende. É de se chamar a atenção que um profissional da área da saúde, provavelmente exausto e cansado, já devia estar se sentindo mal há algum tempo. Pois ninguém morre da noite para o dia. Não se desenvolve um quadro grave que leve alguém a óbito da noite para o dia. Isso já vem acontecendo há algum tempo, mas falta esse olhar humanizado dentro das instituições de saúde. Se falta dentro da área de saúde mental, o que dizer nos outros campos de atuação. Chama muito a atenção a maneira como esse senhor morreu esquecido, né? Ali, quietinho, no canto dele, como se não estivesse gritando, chamando atenção, presumem que a pessoa está bem, mas, na verdade, a pessoa pode estar tão mal que nem consegue dar sinais”, diz a psicóloga, que destaca também os fatores que levam a situações como essa, por exemplo, a falta de investimento e valorização salarial, que não permite que os profissionais tenham um autocuidado.
A reportagem entrou em contato com a assessoria da Secretaria de Estado de Saúde do Acre (Sesacre) para saber se há algum programa voltado para o cuidado do servidor e foi informada que “O Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), além do suporte técnico, realiza o nexo epidemiológico da doença com o trabalho. Dentro das unidades de saúde de gestão estadual, existem os Núcleos de Atenção à Saúde do Trabalhador e os Núcleos Hospitalares de Epidemiologia, que notificam transtornos mentais relacionados ao trabalho e acionam o Cerest”.
A assessoria da Fundação Hospital Estadual do Acre (Fundhacre) também foi procurada e disse ao NHN que a unidade “possui o Núcleo de Atenção à Saúde do Trabalhador (Nast) e conta com todos os serviços clínicos e especializados que existem na Fundhacre voltados à saúde dos servidores da instituição”.