RIO BRANCO
Sapos que só existem no Acre e podem contribuir para a produção de remédios estão ameaçados de extinção
Uma espécie de sapo encontrada apenas no interior do Acre, na região de Porto Walter, no Alto Juruá, cujas moléculas são reconhecidas pela ciência como importantes para a produção de remédios como analgésicos, estão entre animais e plantas de elevado potencial farmacológico ameaçados de extinção. São animais e plantas que podem ser usadas para fazer novos medicamentos ou cosméticos.
As espécies de sapos de Porto Walte são da família Dendrobatidae, um tipo conhecido como rã flecha dourada (Hyloxalus chlorocraspedus), que já teria perdido pelo menos 68% de sua área de ocorrência na úncia região do mundo onde é encontrada, município de Porto Walter, no oeste do Acre, região em que a floresta nativa vem perdendo espaço pelo avanço do desmatamento.
O alerta foi divulgado nesta sexta-feira (18) pela rede de TV BBC News Brasil a partir de um estudo divulgado perla Organização Não-Governamental WWW-Brasil. O estudo aponta que os sapinhos de Porto Walter estão entre 486 espécies de animais e plantas que podem ser extintos antes de seus benefícios para a ciência serem completamente conhecidos, tanto na Amazônia como em outro bioma brasileiro, o Cerrado.
O estudo divulgado hoje foi realizado pela consultoria Gondwana e financiado pela União Europeia no âmbito do projeto Eat4Change. O levantamento cruzou os mapas do desmatamento da Amazônia e do Cerrado até 2019 com os mapas de ocorrência de espécies ameaçadas ou que vivem em áreas restritas para entender como a perda da vegetação nativa afeta essa biodiversidade. O estudo aponta que quase todas (484 de 486) perderam parte de seu habitat. Algumas viram suas áreas de ocorrência encolher em mais de 90%, como é o caso da perereca Dendropsophus (93,1%), endêmica do Cerrado, e da serpente Typhlonectes cunhai (93,6%), endêmica da Amazônia.
De acordo com o estudo, os anfíbios foram os mais afetados: a área de distribuição das 107 espécies analisadas reduziu em 43%. Para lagartos e serpentes, o percentual foi de 29%; mamíferos, 27%; e aves, 26%.
A cuíca (Gracilinanus microtarsus), um marsupial com grande potencial socioeconômico para a agricultura por ser um voraz predador de insetos, reduziu sua distribuição no bioma em cerca de 67%, nível próximo do observado (68%) para o pato-mergulhão (Mergus octosetaceus), ave criticamente ameaçada que usa o bico fino para pescar e é conhecida por só habitar áreas com rios límpidos e cristalinos.
A ameaça é para animais que vivem entre os dois biomas, Cerrado e Amazônia, entre eles o chamado chororó-de-goiás (Cercomacra ferdinandi). Trata-se de um pássaro encontrado na bacia do rio Araguaia, com uma área de ocorrência significativa – 107,5 mil km² no Cerrado e 49,7 mil km² na Amazônia -, mas que não foi suficiente para que ele fosse protegido.
De acordo com o estudo, a alteração dos ciclos de inundação do rio Araguaia por barragens e a substituição da vegetação nativa por pasto fizeram desaparecer 74% de sua área de ocorrência na Amazônia e 35% no Cerrado. A análise apontou que, em ambos os biomas, a vegetação nativa vem dando lugar principalmente a pastagens e plantações de soja. Dados dos Biomas até 2019 apontaram que essas atividades ocupavam 40,9% da área original do Cerrado (33,8% pasto; 7,1% soja), e 14,6% da Amazônia (13,8% pasto; 0,8% soja).
A região mais afetada é o Cerrado, que há décadas vinha perdendo vegetação nativa com o avanço da agropecuária, especialmente a área que compreende os Estados de São Paulo e Goiás. O desmatamento mais recente, depois dos anos 1990, se estendeu sobre a área conhecida como Matopiba, acrônimo formado pelas siglas dos Estados Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A expansão da fronteira agrícola nessa região tem ameaçado, por exemplo, o tatu-bola (Tolypeutes tricinctus), escolhido como mascote da Copa de 2014. Em apenas cinco anos, a espécie assistiu a um aumento de 9% da cultura de soja dentro dos limites de seu habitat.
O levantamento não chegou a fazer distinção entre as áreas em que o desmatamento foi ilegal ou dentro da lei. Nesse sentido, Mariana Napolitano Ferreira, gerente de ciências do WWF-Brasil, ressalta que, ao contrário do bioma Amazônia, o Cerrado tem poucas áreas protegidas. Quase 50% da Amazônia são áreas de conservação ou protegidas; no Cerrado esse percentual é de 12%, bem pouco. A área de reserva legal [determinada por lei] para propriedades na Amazônia é de 80%. No Cerrado, cai para 20%, em alguns lugares, para 35%”.