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SAÚDE

Varíola: especialistas alertam para estigmas contra pessoas LGBTQIAP+

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Varíola dos macacos: especialistas alertam sobre o risco de estigma para população LGBTQIAP+
André Biernath – @andre_biernath – Da BBC News Brasil em Londres

Varíola dos macacos: especialistas alertam sobre o risco de estigma para população LGBTQIAP+

A varíola dos macacos (ou monkeypox), doença descoberta em 1958, está causando um surto mundial inédito. Já sãos mais de 18 mil casos confirmados, em ao menos 78 países. No Brasil, segundo informações do Ministério da Saúde, há 1.369 diagnósticos positivos para a doença.

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A resposta sanitária global ao surto vem acompanhada de uma preocupação: o risco de estigmatizar homens que fazem sexo com outros homens, pelo fato de essa população concentrar a maior parte dos casos da doença.

De acordo com o Ministério da Saúde, até o momento, 95% dos casos da doença no Brasil foram registrados em homens que fazem sexo com homens. O perfil epidemiológico segue o que tem sido identificado em todo o mundo.

Um estudo publicado no New England Journal of Medicine mostrou que 98% das pessoas diagnosticadas com o vírus entre abril e junho em mais de uma dúzia de países se identificam como homens gays ou bissexuais.

A terminologia “homens que fazem sexo com homens”, também chamada HSH, é uma classificação técnica adotada na área da saúde que inclui homossexuais, bissexuais e pessoas que não se identificam com alguma dessas orientações.

Entretanto, para Renan Quinalha, professor de Direito da Unifesp e autor do livro “Movimento LGBTI+: uma breve história do século XIX aos nossos dias”, essa classificação “reproduz discriminação contra grupos sexo-diversos já privados de seus direitos”.

Para ele, a epidemia de HIV/Aids já demonstrou que pautar a campanha de informação, sensibilização e conscientização em um “grupo de risco” é ultrapassado e ineficaz.

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Todos são vulneráveis

O fato de o surto estar mais concentrado nessa população, não significa que os demais estão isentos de risco. Alexandre Naime Barbosa, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), alerta que todos são vulneráveis à monkeypox.

“Já temos casos em casais heterossexuais, mulheres cisgênero e crianças. Mas, atualmente, a doença está predominando em homens que fazem sexo com homens e precisamos falar sobre isso abertamente, sem estigmatizar”, diz Barbosa.

Saber quais populações são mais vulneráveis à doença neste momento é importante para que os sistemas de saúde direcionem suas mensagens e intervenções. Por exemplo, em muitos países que já começaram a vacinação contra a varíola dos macacos, os HSH são grupo prioritário.

Por outro lado, Barbosa ressalta que é preciso comunicar essa vulnerabilidade sem estigmatizar, sem apontar uma relação de culpa ou julgar algum comportamento, como aconteceu no início da pandemia de HIV/Aids. Na década de 1980, a doença foi associada principalmente aos homossexuais.

Posteriormente, constatou-se que qualquer pessoa pode se infectar. Entretanto, o estrago já estava feito e até hoje a população LGBTQIA+ sofre preconceito em decorrência disso. O temor é que o mesmo se repita com a varíola dos macacos.

“Responsabilizar moralmente os indivíduos e suas práticas sexuais por um surto de uma doença pode levar a um processo semelhante ao que aconteceu com a epidemia do HIV Aids. Chamada de peste ou de câncer gay nos anos 80, a doença se mostrou um dispositivo de extermínio e de controle dor dissidentes sexuais e de gênero, inclusive com respaldo de organizações e instituições nacionais e internacionais do campo da saúde pública. Fazer a mesma coisa hoje pode inclusive afastar essas pessoas do sistema de saúde por se sentirem ainda mais discriminadas”, alerta Quinalha.

Preconceito no atendimento

O ator Matheus Góis, de 23 anos, conta que procurou atendimento em uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) assim que notou a presença de sintomas sugestivos de varíola dos macacos – febre e dor muscular, seguida do aparecimento de lesões na pele.

Ele conta que, no local, foi vítima de preconceito quando médico que o atendeu deduziu que ele era HIV positivo e não deu o atendimento adequado.

“Automaticamente, o médico associou que, por eu ter vindo do Centro de Especialidade, que trata de ISTs, esta era a minha questão. Ele viu que eu estava de camiseta e boné rosa, associou que eu era gay e, então, achou que minha doença era Aids. Ele não perguntou quais sintomas eu tinha ou o que eu estava sentindo. Não quis nem ver as feridas”, conta Góis.

O ator relatou o caso em uma publicação no Twitter e o médico foi afastado. Mas ele teme que esse tipo de postura fique a ainda mais comum com a forma como a doença vem sendo comunicada.

“Quando uma autoridade diz que um grupo de pessoas é o responsável por portar o novo vírus, automaticamente há uma associação. O problema é como estão falando sobre a doença. Há um novo vírus, estamos vindo de uma pandemia, e é preciso saber como orientar as pessoas, porque elas estão com medo. Daqui a pouco, não vão nem encostar em quem é LGBT, achando que todos têm a varíola dos macacos. Assim como aconteceu com a Aids nos anos 1980. É basicamente isso. Parece que querem, de novo, associar uma doença à comunidade”, lamenta Góis.

Estigmatizar um grupo a determinada doença não apenas prejudica seus integrantes, como dificulta o combate a essa doença, à medida que cria uma falsa percepção de risco nos demais. Barbosa conta o caso de uma paciente jovem e heterossexual que chegou ao seu consultório com sintomas típicos de monkeypox.

Inicialmente, ela procurou uma dermatologista, já que notou algumas lesões na pele. Mas decidiu procurar uma segunda opinião após receber o diagnóstico de forunculose (uma infecção bacteriana na pele) nesse primeiro atendimento.

“O nome disso é falta de percepção de risco e isso pode acontecer tanto por parte do paciente, que devido ao estigma pode achar que não está vulnerável à determinada doença, quanto do profissional de saúde e isso é perigosíssimo”, alerta o vice-presidente da SBI.

Desde o início do surto, especialistas e autoridades de saúde buscam respostas para explicar por que o vírus conseguiu, pela primeira vez, se espalhar de forma significativa fora da África e por quais os motivos ele tem afetado principalmente os homens que fazem sexo com homens.

Segundo Ethel Maciel, epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo, a primeira questão pode ser explicada por mutações que deixaram o vírus mais adaptado à espécie humana. Em relação ao segundo ponto, uma possível explicação é o contato mais próximo com pessoas infectadas e eventos super espalhadores.

Os primeiros casos desse surto mundial de varíola dos macacos fora de países africanos onde a doença era endêmica foram atribuídos a saunas gays e raves. Mas especialistas alertas quem a monkeypox não é uma doença exclusiva de um determinado grupo da sociedade. Longe disso.

A monkeypox é transmitida pelo contato com secreções, como gotículas, saliva, lesões, entre outras. Embora a maioria dos casos esteja associado a relação sexual, a varíola dos macacos não é uma infecção sexualmente transmissível (IST) propriamente dita. A transmissão pelo sêmen, por exemplo, ainda é alvo de investigação.

“Um vírus que se espalha por gotícula e por contato não fica restrito em um grupo. Ele não precisa de qualquer conotação sexual para se espalhar, basta um contato próximo, como dividir roupa com alguém infectado, abraçar ou ficar muito perto em um local fechado”, explica Maciel.

Entretanto, a alta taxa de transmissão de varíola dos macacos por contato sexual no surto atual – cerca de 95% dos casos, segundo estudo publicado na revista científica New England Journal of Medicine – levou a OMS a recomendar que as pessoas reduzam o número de parceiros sexuais, reconsiderar o sexo com novos parceiros e trocar detalhes de contato com novos parceiros.

Na ocasião, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da entidade, citou especificamente os homens que fazem sexo com homens. Embora a recomendação tenha sido considerada acertada por alguns especialistas, no que diz respeito à saúde públicas, houve críticas a recomendação.

Comunicação assertiva

Para Renan Quinalha, professor de Direito da Unifesp e autor do livro “Movimento LGBTI+: uma breve história do século XIX aos nossos dias”, a afirmação é “problemática e bastante perigosa”.

“É problemática porque pode passar a impressão de que seja um problema apenas de LGBTQIAP+, particulariza em um grupo um problema que é social e pode desresponsabilizar o restante da sociedade. Além disso, recomendar um tipo de política de abstinência ou de redução de práticas sexuais a um grupo específico, sem maiores recomendações de prevenção, em pleno século XXI não parece ser o caminho mais efetivo”, afirma Quinalha.

Já Barbosa classifica a recomendação da entidade como “científica”, cujo objetivo é reduzir danos e ressalta que ela é válida tanto para homens que fazem sexo com homens quanto para a população hétero.

“Já está bem estabelecido que o ato sexual é um fator de risco para a transmissão de monkeypox. Ninguem está pregando abstinência. Estamos pregando uma rotina de cuidados enquanto a solução definitiva, que é a vacina, não está disponível”, afirma.

Para Quinalha, falar em contatos íntimos como fator principal de transmissão sem colocar em destaque a sexualidade das pessoas envolvidas ou tipos de práticas é um dos caminhos para conscientizar sobre a doença, sem estigmatizar. Mas ele lembra que apnas isso não basta.

“É preciso informar, conscientizar, diagnosticar, oferecer tratamento adequado e pensar políticas de prevenção a partir da ciência e dos especialistas, com investimento em saúde pública, sem moralização e estigmas. Nesse sentido, a vacinação é medida fundamental e urgente, sobretudo para os grupos mais expostos, e os governos nacionais precisam ser cobrados para assegurar esse direito fundamental à saúde”, completa o professor da Unifesp.

Após serem descartadas outras doenças, ele foi encaminhado à um Centro de Especialidade, para a confirmação do diagnóstico.

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Fonte: IG SAÚDE

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