TECNOLOGIA
Taxa de entrega para e-books na Amazon gera polêmica entre autores
Pode parecer estranha a ideia de que um livro digital possui um valor de entrega, mas essa taxa existe. Ao escolher receber royalties de 70%, escritores independentes que usam a plataforma de autopublicação da Amazon arcam com um custo de entrega do e-book, variável de acordo com o tamanho do arquivo.
Há alguns meses, a taxa de entrega de e-books se transformou em um assunto viral nas redes sociais. A autora Thaís Bergmann foi uma das responsáveis por isso, pois publicou um vídeo no TikTok em que comentava sobre a existência da tarifa. O post da escritora mostrava que autores que publicam pelo Kindle Direct Publishing (KDP), plataforma de autopublicação da Amazon, têm essa taxa cobrada quando escolhem a opção de royalties de 70%.
A informação está disponível publicamente na página de preços de livros digitais da plataforma, que também deixa claro que o custo é cobrado apenas nesta condição (autores que escolhem a opção de royalties de 35% não têm esse valor deduzido da venda).
Segundo a Amazon, os custos de entrega do e-book são iguais ao número de megabytes do arquivo digital em questão multiplicado pela taxa de custo de entrega local. Quantia essa que, no Brasil, é de R$ 0,30/MB.
No caso de arquivos com tamanhos fracionados, a Amazon arredonda para o quilobyte mais próximo e, após a multiplicação, o valor final também é ajustado para duas casas decimais, de maneira que o custo mínimo de entrega de um livro digital acaba sendo de R$ 0,01 para vendas em reais.
Voltando ao caso de Bergmann: quando um leitor compra o livro “Nosso Último Verão” pela Amazon, ele paga R$ 5,99. Mas, desse valor, é retirado R$ 0,31 de taxa de entrega do e-book, o que faz com que a quantia caia para R$ 5,68. É só então sobre esse montante que os royalties de 70% da autora são aplicados, fazendo com que, no final das contas, Thais leve para casa R$ 3,98 pela obra.
Outro livro da escritora, “Motivos para (não) te encontrar”, é vendido em um arquivo digital mais pesado (6,77 MB). Aqui, os valores subtraídos em uma simulação de royalties de 70% são ainda mais altos.
Nesse caso, se o livro custasse R$ 5,99, restariam apenas R$ 3,96 do montante original, já que a taxa de entrega do e-book é de R$ 2,03. Finalmente, sobre esse valor, seriam aplicados os 70% da autora — e Bergmann, ao término da operação, ganharia apenas R$ 2,77 pela venda do livro.
Por que existe uma taxa de entrega de e-books?
Apesar dos esclarecimentos sobre o funcionamento e cálculo da taxa, não há uma explicação oficial na página da plataforma sobre quais encargos ela engloba ou por qual motivo esse valor já não estaria deduzido na porcentagem de venda que pertence à Amazon.
Essas questões, no entanto, foram levantadas por usuários nos comentários do vídeo que viralizou. A teoria mais plausível é a de que possíveis serviços estariam por trás desse custo, como armazenamento em nuvem, manutenção de servidores e tráfego de dados.
Ainda assim, Bergmann critica a cobrança: “Apesar de eu entender [as justificativas apresentadas], acho importante lembrar que a Amazon já cobra 30% do valor do livro por venda. Como não tenho conhecimento técnico sobre o assunto, não posso dizer se esse valor é ou não suficiente, mas, como autora, acho injusto que a gente pague por isso (e não é um valor barato!), sendo que a literatura já é tão desvalorizada e a gente ganha tão pouco”.
A autora não é a única insatisfeita com a situação. Tico Farpelli, que escreveu “Um Dia Frio e O Tempo Que Nos Separa” (obras publicadas pelo KDP), além da achar a tarifa da empresa “um pouco absurda, já que, ao contrário do envio de livros físicos, basta uma conexão do sistema da Amazon com o Kindle para fazer a entrega”, também não entende por qual motivo esse valor é cobrado em separado.
“Acho que [a taxa] é mais uma forma de lucro sobre as obras. E o que me deixa confuso é o fato de que o autor já leva apenas 70% dos royalties, na melhor das opções, e ainda tem mais esta parcela retirada do seu já pequeno lucro”, desabafa Farpelli.
Vale destacar que o vídeo gravado por Bergmann gerou tanta discussão entre autores e leitores no TikTok, que, até o fechamento desta matéria, contava com mais de 20 mil curtidas, 220 compartilhamentos e 238 comentários. As mensagens se dividiam entre o tom de revolta pela tarifa cobrada e as discussões sobre os possíveis serviços por trás do custo.
Lucas Cabrero, escritor do livro “Filhos de Janeiro”, publicado pelo KDP, é um dos que, na contramão de seus colegas, acha compreensível a existência de uma taxa como essa, ainda que não saiba avaliar o quão justo é o preço cobrado. “Na minha opinião, é uma cobrança coerente, já que é o custo de transmissão do arquivo em si. Isso consome banda e a taxa é justamente sobre isso, a banda gasta. A cobrança é coerente, mas não tenho certeza se o valor é também”, reflete o autor.
Procurada pelo Tecnoblog para um posicionamento oficial a respeito dos serviços por trás da tarifa, a Amazon não se pronunciou sobre o assunto até o fechamento desta matéria. O espaço continua aberto para a empresa, caso ela queira explicar mais detalhes sobre a questão.
Autores com editora vivem outra realidade
Para quem se perguntou se o mesmo acontece com autores que publicam na Amazon por meio de uma editora, vale a pena entender as diferenças que existem entre os dois mercados.
Juliana Daglio, que tem livros como “O Lago Negro” e “A Vovó Chamou o Diabo para a Ceia” publicados de maneira independente na plataforma, já experimentou também o outro lado da moeda ao ter uma de suas obras disponíveis na Amazon por meio do Grupo Editorial Record.
Para essa situação, a autora explica como funciona a relação do autor com o e-book veiculado: “Com o Lacrymosa, eu tenho um contrato padrão, que é um contrato em que a editora fica inteiramente responsável por toda a distribuição digital e física do livro. […] Como autora, eu não tive acesso à distribuição do meu e-book, embora eu receba os royalties normalmente, como está no meu contrato, e pessoalmente não pague nada para ter meu livro na Amazon”.
Daglio, que também trabalha nos bastidores do mercado, explica que até mesmo essa distribuição é feita de forma terceirizada pelas editoras, já que, por trás delas, “existem ainda outras empresas responsáveis pela divulgação do livro”.
Plataforma da Amazon domina o mercado
O Kindle Direct Publishing não é o único programa de autopublicação disponível no Brasil, mas além de oferecer determinadas facilidades, como a publicação gratuita e rápida, conta ainda com uma enorme fatia do mercado.
Para se ter ideia, em agosto de 2021, segundo dados divulgados pela Veja, a plataforma já havia batido a marca de 200 mil títulos disponíveis no país. Uma popularidade sentida também pelos autores independentes que estão por lá.
“Existem outras plataformas e é possível, sim, encontrar espaço de outro jeito, mas a Amazon é, de longe, a maior de todas. Como autora independente, não faz sentido, pelo menos na minha opinião, publicar em outro lugar, mesmo que a gente tenha que lidar com esses e alguns outros problemas da plataforma”, explica Bergmann.
A importância do Kindle Direct Publishing é, inclusive, consenso entre os escritores entrevistados para essa matéria. Na falta de uma editora que dê suporte ao seu trabalho, autores que precisam se lançar sozinhos no mercado parecem sentir uma certa “obrigatoriedade” de estar na Amazon e, consequentemente, terem de lidar com as condições impostas por ela.
“Para mim, isso [a taxa de entrega de e-books] enfatiza o quanto a Amazon pode mandar e desmandar no quanto repassa para o criador, porque muitas vezes a gente não tem plataformas tão populares quanto o KDP. Você fica meio que refém deles, porque eles pegaram uma parcela enorme do mercado de e-books. Opções até existem, mas não com o alcance e poder da Amazon”, enfatiza Cabrero.
Problemas vão além da taxa
Diante disso, a taxa de entrega de e-books parece ser apenas a ponta do iceberg dos problemas com os quais autores independentes têm de lidar.
Uma situação que afeta especialmente aqueles que desejam ter suas obras disponíveis no Kindle Unlimited — serviço de assinatura da Amazon que dá acesso a livros digitais —, já que o autor não pode publicar seus e-books em nenhuma outra plataforma.
Karen Santos, escritora que possui mais de vinte livros publicados pelo KDP, disponíveis no Kindle Unlimited, explica a situação:
“Para mim, como autora, eu não acho justo [a taxa de entrega] porque eu estou presa dentro de uma engenharia da Amazon. Mas aí é uma questão minha com o meu livro. Eu preciso ser exclusiva deles, eles me cobram uma taxa para enviar e a única forma de ler é dentro do sistema deles. Então nós ficamos presos dentro desse ciclo. Mas eu escrevo romance erótico e nossos ganhos são de 90% a 95% de página lida [via Kindle Unlimited]. Então essa discussão a gente entende e acompanha, mas, para nós, o que vale mais é o valor da página lida, que também é um preço muto baixo”.
E não é só isso. Santos relata que a gestão de carreira na plataforma é uma preocupação que recai totalmente sobre o autor, ainda que todo o seu trabalho esteja disponível e seja exclusivo da Amazon.
Entre as questões levantadas pela escritora estão a divulgação e conversão de leitores, a experiência final do público (arquivos muito pesados podem não abrir para quem lê pelo app, por exemplo) e até mesmo o mercado de pirataria, que afeta muito as vendas oficiais.
“O nosso produto hoje em dia é uma casa construída em terreno alugado. Toda a questão é muito maior do que se a taxa de envio é justa ou não. Porque, ao mesmo tempo em que a gente mantém essa estrutura viva, não é uma estritura que a gente tenha controle”, desabafa a autora.
Fonte: IG TECNOLOGIA