BRASIL
Entenda como são feitas as pesquisas eleitorais
Como 2 mil pessoas podem representar o país? Não conheço ninguém que respondeu. Será que posso confiar nessa pesquisa? Essas e outras dúvidas pairam sob a cabeça do eleitor durante todo o período eleitoral. As pesquisas, que começam a ser realizadas antes mesmo da campanha, pretende apontar, por exemplo, a intenção de voto da população, e viram frequentemente objeto de desconfiança e descrédito.
Para explicar o – complexo – processo desse universo, o iG conversou com Márcia Cavallari, CEO do Ipec-Inteligência, uma das empresas que atua no ramo.
Como uma pesquisa eleitoral é feita?
Cada instituto de pesquisa desenvolve seu método de pesquisa. Em comum, eles têm a necessidade de definir uma amostra. É esse o número que representará todo o país.
Esse público precisa ter características semelhantes às do grupo maior que se quer pesquisar, chamado de ‘universo’ – ou seja, se o ‘universo’ é o Brasil, o número de pessoas entrevistadas tem que se assemelhar às características da maioria do povo brasileiro baseados em dados públicos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Segundo o TSE, por exemplo, dos 146,4 milhões de eleitores brasileiros, 52% são mulheres. Desta forma, em uma pesquisa onde são ouvidas 2 mil pessoas, 1.048 devem ser eleitoras.
“Com base nesses dados, sabemos quantas entrevistas temos que fazer em cada faixa etária, gênero, grau de escolaridade, e o entrevistador vai batendo nas casas de maneira a conseguir cumprir essas cotas definidas. Ficamos com uma amostra que representa o eleitorado como um todo. O princípio da amostragem é conseguir um público que represente o todo”, explica Márcia.
“É a mesma coisa de exame de sangue. Você tira uma pequena amostra do seu sangue. O princípio da amostragem é esse, conseguir uma parcela bem definida que represente todo o universo, já que não é possível fazer um censo”, completa.
Alguns institutos, como o Ipec, trabalham com a pesquisa presencial, onde um entrevistador vai de casa em casa aplicando o questionário. Mas elas também podem ser feitas pela internet ou até mesmo por telefone.
Resultados conflitantes
Ao passo que pesquisas vão sendo divulgadas, cresce no eleitor a sensação de que aquele vai ser o resultado da votação. Márcia alerta que o que é verificado é a intenção de voto – ideia que pode mudar a qualquer momento na concepção de quem responde.
“Intenção não é voto, por que a pesquisa não tem papel de projetar o resultado, mas de diagnosticar o momento. Quando eu faço a pesquisa e divulgo o resultado hoje, se acontecer algo depois, já não vale mais, porque ele pode influenciar a opinião pública.”
Além dos fatores externos, como a própria mudança de opinião, há outros aspectos que podem apontar para resultados muito diferentes entre candidato A ou B durante uma pesquisa, como a formulação das perguntas.
“Se a pesquisa pretende medir a intenção de voto em si, o questionário normalmente tem uma pergunta quebra-gelo, para começar uma relação, e já partir logo para as perguntas de intenção de voto. Às vezes, dependendo da pergunta, você pode criar um mindset no eleitor que prejudica o resultado”, explica ela.
“Tem gente que faz a pergunta espontânea, sem listar os candidatos, questionando: ‘se eleição fosse hoje, em quem você votaria?”. Tem quem pergunte: ‘em outubro deste ano teremos eleições para presidente. Em quem você pretende votar?’. Só o fato de ter mudado a formulação já pode levar a resultados diferentes. Por isso o questionário é importante”, completa.
“Quando falo ‘se a eleição fosse hoje’, eu peço que o eleitor decida agora. Se pergunto ‘em quem pretende votar’, via de regra, traz mais gente falando ‘não sei’.”
Descrédito
Em um cenário político tão polarizado, passou a ser comum que as pesquisas sejam desacreditadas por políticos, mesmo aqueles que parecem liderar a corrida eleitoral. Para Márcia, essas questões são comuns à política.
“Só um fica na frente, e quem não fica, não gosta. Sempre tem esse papel de desacreditar. Penso que estamos sentindo mais por conta de redes sociais, as pessoas falam mais, as torcidas pelos candidatos. Os institutos vão ter que lidar com isso. É igual futebol, e a pesquisa acaba sendo o juiz dizendo quem está na frente”, afirma.
“Não conheço ninguém que respondeu!”
A matemática envolvida no desenvolvimento de uma pesquisa eleitoral é complexa, e segundo explica Márcia, o tamanho da amostragem – pequeno, se comparado ao total de eleitores do país, mas suficiente, já que representa todos os públicos -, torna difícil que se conheçam muitos respondentes.
“As pesquisas têm uma teoria estatística, matemática, não é uma coisa que leva a um senso comum, obvio. Sempre fazem perguntas sobre como uma amostra representa o país inteiro. Todas essas questões levantam dúvidas para elas questionarem. Mas por que não conhece ninguém? Porque a probabilidade de conhecer alguém é o tamanho da amostra dividido pelo número de eleitores, que é de 0,0000(…). É pequena, são só duas mil entrevistas.”
Ela também explica por que não é necessário aumentar em longa escala o número de respondentes.
“Toda pesquisa por amostragem tem uma margem de erro associada, por que não estamos entrevistando todo mundo e há a possibilidade de não representarmos bem o universo. Ela diminui conforme se aumenta a amostra, mas a partir de um determinado momento, por mais que se aumente, a queda não é significativa. Em uma amostra de 2 mil, a margem de erro estimada é 2,2. Se aumenta para 3 mil, a margem de erro cai para 1,8. Não se ganha muito em eficiência.”
Como saber se posso confiar?
Todas as pesquisas eleitorais devem ter registro detalhado no TSE, com informações sobre o contratante, questionário aplicado, custo e metodologia, entre outras.
Márcia Cavallari ensina que verificar essas informações, que são de domínio público, podem facilitar na hora de entender se trata-se de um trabalho sério ou não.
“Veja o CNPJ, se a empresa é do ramo, se entende do assunto ou se é um aventureiro. Muitas pesquisas são registradas sem o nome do contratante. É normal o instituto fazer isso uma vez, mas todas as vezes com recursos próprio é estranho”, aponta.
“Outra questão são os valores inexequíveis. É só pensar no que é necessário para a pesquisa: se um funcionário fizer 10 entrevistas por dia, ele vai trabalhar oito horas, parar para comer, se locomover, todos os valores precisam estar contabilizados. São as informações públicas que os ajudam a perceber”.