CIDADES
Calor extremo reduz validade de frutas e verduras e afeta plantações de grãos
A onda de calor extremo no Brasil já está afetando a produção agrícola, com impactos na qualidade de muitas frutas e verduras e atrasando a plantação da safra de grãos, como soja e milho. Produtos como alface, couve, banana, mamão e manga estão com a vida útil menor nos supermercados e sacolões.
“Depois que a fruta e a hortaliça são colhidas ou arrancadas do solo, o que acontece é que elas continuam com toda a parte fisiológica delas, de metabolismo e respiração. A fruta e a hortaliça só chegam na senescência (amadurecimento) depois de um determinado período em que elas foram colhidas, tanto da planta-mãe quanto do solo. O que acontece é que o calor aumenta a taxa respiratória e um produto que poderia durar uma semana acaba durando dois dias”, explica Joaquim Oscar Alvarenga, engenheiro agrônomo especialista em pós-colheta de frutas e hortaliças da Ceasaminas.
No ano de 1884, o químico holandês Jacobus Henricus van’t Hoff estudou a dependência entre a temperatura e a velocidade nos produtos agrícolas. Ele descobriu que quanto maior a temperatura, maior também a velocidade da reação dos alimentos. E essa regra é verificada neste momento pelo engenheiro agrônomo.
“A cada aumento de 10 graus na temperatura, a taxa respiratória do produto duplica ou triplica. Com o calor, as frutas amadurecem muito rapidamente porque liberam etileno, o hormônio do amadurecimento. Quanto mais rápido elas respiram, com o aumento de temperatura, menor é o tempo de prateleira, aquele período que vai da colheita até o tempo que as frutas ficam lá na banca do varejo ou na casa do consumidor”, justifica Alvarenga.
Este amadurecimento mais rápido pode ser facilmente percebido pelos consumidores em frutas como a banana e o mamão.
“Por exemplo, uma banana é colhida e só é vendida depois que é climatizada com o etileno. Quando ela recebe o hormônio, demora uns dois ou três dias para amadurecer. E agora ela amadurece mais rápido. Então o comprador chega na Ceasa e quer levar a banana amarelando ou começando a amarelar. E se você vai no mercado hoje, com essa temperatura alta, as frutas já estão maduras. O varejista não quer comprar uma fruta madura, que já perdeu o tempo de prateleira, porque muitas vezes ela vai perder na banca do varejo”, ressalta o especialista.
O consumidor pode evitar o amadurecimento mais rápido da banana armazenando a fruta em locais frescos e secos, sem a luz direta do sol, como em fruteiras.
Outra dica importante é separar as bananas quando elas estiverem maduras. Quando as bananas começam a amadurecer, elas liberam o etileno, que acelera o amadurecimento de outras frutas próximas. Isso significa que se você deixar bananas maduras próximas a outras frutas, elas podem acabar apodrecendo mais rápido do que deveriam.
E o cuidado também deve ser maior com as frutas de clima temperado, como maçã e ameixa.
“Por exemplo, as frutas de clima temperado, que são as de caroço, como ameixa, nectarina e maçã, por exemplo, têm que ser conservadas em geladeira. Mesmo na geladeira, em baixas temperaturas, elas já vão perdendo com o tempo. Agora se você não conserva, deixa de fora da geladeira e do frio, a tendência é da perda ser grande na casa do consumidor”, alerta Alvarenga.
As hortaliças também sofrem bastante nesse período de forte calor.
“No caso das hortaliças, as folhas são as que sofrem mais, como o alface. Elas têm muita perda por transpiração, pois a área de superfície da folha é grande. Normalmente a gente colhe o alface de madrugada, bem cedinho, e ele tem que ser vendido mais rápido porque com 9 ou 10 horas, já está todo murcho, caso ninguém jogue água nele. Então o ideal para diminuir essas perdas é o uso da geladeira, a conservação na cadeia do frio”, orienta o especialista da Ceasa.
Uma dica para conservar folhas por mais tempo é lavar bem, secar bastante (se possível com o secador próprio de hortaliças) e guardar na geladeira, numa vasilha ou num saco de plástico.
Calor também afeta as plantações de grãos
O calorão também impacta as plantações de grãos, como soja e milho. A estiagem atrasa o processo de plantio e pode provocar uma queda na oferta dos produtos daqui a algum tempo.
“Em alguns lugares, já era para ter acontecido o plantio da safra de grãos. Porém, pela falta de chuva e pelo calor, os produtores não plantaram ainda. Em alguns locais teve uma primeira chuva no início do mês, os agricultores plantaram e aí veio o problema, que foi essa estiagem. A alta temperatura acaba, de certa maneira, cozinhando a semente no solo e aí gera prejuízo porque depois tem que ser feito um outro plantio para correção, o que aumenta o custo de produção”, explica João Thomaz Cruz Silva, analista de assistência técnica e gerencial do Sistema Faemg Senar. “O problema é segurar por muito tempo e atrapalhar o planejamento inteiro da safra do ano”.
Preços
As altas temperaturas também afetam os preços de frutas, legumes e verduras. Nesse momento, como os produtos estão perdendo a validade mais rápido, tanto os produtores como os sacolões estão fazendo promoções.
Na próxima terça-feira (21), a Ceasaminas vai divulgar uma lista com os novos preços dos alimentos, onde será possível verificar qual foi o real impacto do calorão da última semana nos produtos agrícolas. Confira aqui a última atualização de preços das Ceasas em todo o país.
Mas outra situação pode ocorrer num médio prazo: daqui a alguns meses, o atraso de hoje na plantação de grãos deve provocar uma oferta menor de itens produzidos com milho e soja no mercado, o que pode causar aumento de preços e inflação.
O Brasil corre risco de desabastecimento de alimentos?
Na opinião dos dois especialistas ouvidos pela reportagem de O TEMPO, o impacto da onda de calor na produção agrícola ainda não é alarmante, mas as autoridades e os produtores precisam observar os efeitos das altas temperaturas nos próximos dias.
“Eu acho que desabastecimento não vai acontecer não. Mas a tendência é que, com o calor, diminua a oferta dos produtos, porque amadurece tudo numa época só, aí passam uns dias e vai ter queda na oferta”, afirma Joaquim Oscar Alvarenga, da Ceasaminas.
O analista da Faemg tem uma visão parecida.
“Eu acho que falar em desabastecimento é um pouco precipitado. Essa onda de calor está durando aí alguns dias, mas a previsão é que ela passe logo. Por durar pouco tempo, ela não deve gerar uma crise drástica de desabastecimento. Lógico que alguns produtos sofrem mais, mas esses itens também têm um ciclo de vida muito rápido, como as folhas, de 20 a 30 dias, então a produção também ocorre de maneira rápida para repor o mercado”, conclui João Thomaz Cruz Silva, do Sistema Faemg Senar.