GERAL
Execução judicial de dívidas em uma importante decisão do STF
Tem sido amplamente noticiada a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu a validade de medidas como a suspensão de CNH, o cancelamento de cartão de crédito ou a apreensão de passaporte como forma de coagir o devedor a pagar suas dívidas em juízo.
Na ocasião, o STF analisou a ação que visava a reconhecer a inconstitucionalidade de dispositivos do Código de Processo Civil de 2015 que permitem ao juiz adotar medidas não previstas expressamente em lei (as chamadas “medidas executivas atípicas”) como formas de garantir a satisfação de débitos cobrados na Justiça.
A previsão destas medidas atípicas no Código de 2015 representou verdadeira revolução no Direito brasileiro. Até então, a execução judicial das dívidas em dinheiro era feita, segundo longa tradição, por meio da busca de bens ou de valores de propriedade do devedor que pudessem ser diretamente transferidos ao credor ou levados a leilão judicial. A única exceção a esta regra era a possibilidade de prisão civil do devedor de pensão alimentícia.
O problema é que, com grande frequência, o Poder Judiciário não encontra bens em nome do devedor, o que acaba por impedir que o credor receba aquilo a que tem direito. Por vezes, isso ocorre porque o devedor, de fato, não possui meios de adimplir suas dívidas. Há casos, porém – infelizmente muito frequentes -, em que o devedor se utiliza de artifícios para ocultar seus bens e, com isso, evitar que a execução possa alcançar o objetivo que dela se espera.
Quem nunca ouviu falar daquele sujeito que deve a várias pessoas, mas, ao mesmo tempo, tem carros importados, faz viagens internacionais…, enfim, tem um padrão de vida incompatível com as suas dívidas?
Com a entrada em vigor do Código de 2015, os juízes passaram a dispor do poder de adotar técnicas não previstas expressamente em lei que, por meio da restrição de direitos do devedor, possam pressioná-lo a pagar suas dívidas.
Foi justamente este tipo de medida que o Plenário do STF reconheceu como constitucional pelo placar de 10 votos a 1, restando vencido o ministro Luiz Edson Fachin.
É importante deixar claro que, como muito bem evidenciou o relator, ministro Luiz Fux, este poder conferido aos juízes não é de modo algum irrestrito. Continua proibido, por exemplo, que se decrete a prisão civil por dívidas, à exceção dos devedores de pensão alimentícia.
A decisão destacou, ainda, a necessidade de que sejam adotados critérios de razoabilidade e proporcionalidade pelo magistrado ao decidir desta forma. O juiz deve se perguntar, por exemplo: o devedor, de fato, tem condições de pagar a dívida? A medida adotada é capaz de levar a este resultado? Será que não haveria outros meios menos danosos aptos a produzir consequências semelhantes? Não há desproporção entre o mal imposto ao devedor e o possível benefício ao credor?
Como quer que seja, acerta o Supremo ao preservar este importante mecanismo de cumprimento das decisões judiciais, que, adotado com ponderação e cautela, tem o poder de reduzir o alto índice de inadimplência que se verifica no Brasil.
Com isso, talvez, o tradicional “devo, não nego, pago quando puder ou quiser” passe a custar caro ao devedor.
Thiago Ferreira Siqueira é advogado, pós-doutor e mestre em Direito Processual Civil