POLÍTICA
Daniel Silveira e Bolsonaro divergem sobre Moraes em depoimento à PF
O depoimento de Daniel Silveira à Polícia Federal apresenta divergências em relação ao prestado por Bolsonaro. As contradições são, agora, escrutinadas pelos investigadores. No inquérito, a PF apura suposta trama contra o ministro Alexandre de Moraes para viabilizar um golpe de Estado.
A coluna teve acesso à íntegra da oitiva, que aborda a reunião de Daniel Silveira com Bolsonaro e o senador Marcos Do Val, no Palácio da Alvorada, em 8 de dezembro. Silveira disse à PF que o então presidente “não foi avisado com antecedência que Do Val iria ao seu encontro”.
Seguindo essa linha, Daniel Silveira afirmou que Do Val o procurou e “insistiu”, por telefone, para conseguir uma agenda com Bolsonaro. E que, então, comunicou ao senador a data que encontraria o presidente no Palácio da Alvorada. “Se Marcos do Val tivesse interesse, que aparecesse por lá”, relatou Silveira à PF. O senador, então, teria aguardado o ex-deputado na entrada da residência oficial.
Já Bolsonaro apresentou versão bem diferente. O ex-presidente relatou que “recebeu um telefonema de Daniel Silveira informando que o senador Marcos do Val gostaria de falar” com ele. Bolsonaro também disse que “quem solicitou a reunião” foi Silveira. Essa foi a primeira contradição detectada pela Polícia Federal, mas não a mais relevante.
Daniel Silveira alegou que não sabia o teor do que seria tratado entre o senador e Bolsonaro. De acordo com ele, Do Val disse que o assunto era “sigiloso” e que “necessitava de um encontro rápido” com o presidente. Já Bolsonaro relatou à PF versão bem diferente. O ex-presidente afirmou que Daniel Silveira adiantou, sim, que Alexandre de Moraes estaria na pauta do encontro.
“Deixa o Alexandre de Moraes quieto”
Indagado sobre o pedido de reunião, Bolsonaro respondeu à Polícia Federal que, “segundo Daniel Silveira, o senador Marcos Do Val também gostaria de tratar sobre algum assunto referente ao ministro (Alexandre de Moraes), sem nenhum outro detalhe ou conotação pessoal”. Bolsonaro relatou que “ouvia de Daniel Silveira que o senador Marcos Do Val teria algo para mexer com a República”.
Um terceiro ponto de divergência nos depoimentos foi sobre a própria reunião no Palácio da Alvorada. Daniel Silveira disse que o encontro com Bolsonaro e Do Val durou “de sete a 10 minutos”. E que se afastou “dois metros, por liturgia do cargo, deixando que eles conversassem com mais privacidade”. Segundo o relato do ex-deputado, Do Val fez elogios a Bolsonaro e disse que teria “uma bala de prata para usar contra o ativismo judicial”. E que o ex-presidente “apenas ouviu” o senador.
Já o ex-presidente disse que a conversa durou o dobro do tempo, 20 minutos. Embora não tenha detalhado à PF o que foi abordado, a coluna apurou que Bolsonaro já relatou a interlocutores que, no encontro, mais ouviu os dois parlamentares do que falou. Essa versão informal, caso verídica, também iria contra a versão de Silveira, que se colocou como mero espectador da reunião.
Já Do Val disse em seu depoimento à PF que Daniel Silveira telefonou para Bolsonaro e articulou o encontro com objetivo de traçar um plano para gravar Alexandre de Moraes e “invalidar as eleições”. Os depoimentos do senador e do ex-deputado, aliás, também estão repletos de divergências. Em dado momento, Silveira diz que Do Val tentou “cooptá-lo a enfrentar Moraes”.
Daniel Silveira disse que o senador teria lhe mostrado uma suposta troca de mensagens dele próprio com Moraes. Nela, o ministro do STF teria criticado uma notícia que informava que Silveira seria nomeado chefe de gabinete do senador Magno Malta (a nomeação acabou não acontecendo porque Silveira foi preso antes). Do Val teria dito ao ex-deputado: “Olha a parcialidade dele (Moraes). Vou derrubar”. Daniel Silveira relatou à PF que respondeu: “Deixa o Alexandre quieto. Não quero saber de nada com o Judiciário”.
Equipamentos de escuta
A Polícia Federal também questionou Daniel Silveira sobre mensagens trocadas com Do Val referentes a equipamentos de escuta e transmissão. O ex-deputado alega que o senador “solicitou sua ajuda em conseguir esses equipamentos para comprovar que estava sendo perseguido”. Silveira disse não ter “qualquer equipamento de escuta” e que teria prometido ajudar Do Val apenas para “acalmá-lo”.
Já Do Val afirma que o plano de Silveira era gravar Moraes escondido e que, para convencê-lo, disse que o senador se transformaria em “herói brasileiro” se executasse a “missão”. A PF questionou Silveira sobre o uso do termo “missão” em mensagem enviada a Do Val. O ex-deputado respondeu se tratar de apoio a uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que Magno Malta apresentaria no Senado, para dar o cargo de senador vitalício a Bolsonaro e a ex-presidentes da República.
Segundo Daniel Silveira, a “missão” seria Do Val apoiar a aprovação da PEC, uma vez que é “adversário político” de Magno Malta. Dado o tom de absoluto sigilo nas mensagens trocadas entre Silveira e Do Val, essa versão é considerada pouco crível por integrantes da PF.