POLÍTICA
Negociação do governo Lula com Centrão ignora PSB, partido do vice-presidente
“Se [o governo] quer mudar [os ministérios] é muito simples, é chamar, explicar e fazer a mudança”, disse objetivamente o presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Carlos Siqueira, ao ser questionado sobre a especulação de que ministros do seu partido podem ser demitidos para dar espaço a quadros do Centrão no governo Lula (PT). O incômodo de Siqueira se dá porque enquanto ministros do Palácio do Planalto discutem uma aliança com partidos que fizeram campanha para Jair Bolsonaro (PL), o PP e o Republicanos, o PSB, que ocupa a vice-Presidência com Geraldo Alckmin, sequer foi procurado pelos interlocutores de Lula. Sem ter conhecimento oficialmente do que o governo planeja, ele diz que o que sabe, é o que lê pela imprensa.
Em entrevista exclusiva ao Terra, o mandatário da sigla que tem três ministérios no governo critica a falta transparência nos critérios para escolha de nomes do Centrão por apoio político, sem alinhar programas ao projeto do governo.
Pelo PSB estão na Esplanada, o vice-presidente Alckmin, como ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, e os ministros da Justiça, Flávio Dino, e de Portos e Aeroportos, Márcio França.
Horas antes de entrevistar Siqueira, nesta quinta, 20, questionei Alckmin sobre a reforma ministerial, ele desconversou. Siqueira foi franco e direto: “Ele [Lula] que decida o que quer mudar, o que não quer. Agora, não quer dizer que nós estejamos de acordo”.
“Estou achando que se aprofunda a anomalia de um sistema político um pouco carcomido que precisa se aperfeiçoar. Mas se querem colaborar para que isso continue, que façam. A responsabilidade é de quem faz”, frisou.
Veja os principais trechos da entrevista concedida na tarde desta quinta-feira à coluna:
Terra: Qual é o papel hoje do PSB no governo e na base do governo? Como que o senhor vê esse papel?
Carlos Siqueira: Olha, ouço falar nessas histórias. Mas ninguém falou comigo sobre reformas, o que eu tenho são notícias de jornal. Devem ter algum fundamento, mas não sei ainda e o governo não procurou o partido para tratar desse assunto. O que tenho presente é o papel que o país me subjugou [submeteu] na própria sucessão presidencial.
O presidente Lula teve a sorte de ter o Dino, o Alckmin e o Márcio França. Inicialmente seria só um ministério que acabou se transformando em três.
Ninguém oficialmente me falou que vai ter mudança de ministro nenhum, mas é o que leio e ouço todo dia nos jornais televisivos e um pouco, digamos, preocupado. Não com o problema do PSB ser daqui, dali ou de outro partido [perder] o espaço. Mas pelo grau de anomalia a que se chegou o sistema político brasileiro. Partidos, e não são poucos, participam de todos os governos. Do Lula, da Dilma, do Temer, do Bolsonaro e agora voltam a participar do governo Lula.
Nas democracias consolidadas jamais haverá isso. É impossível você pensar que na Inglaterra um governo trabalhista [centro-esquerda] participando do governo dos conservadores [de direita]. Você não vê esse mau exemplo em lugar nenhum do mundo.
O surgimento da extrema direita e dessa divisão que houve no país reflete essa crise profunda que tem o sistema político brasileiro, que precisa se aperfeiçoar profundamente para evitar no futuro uma ruptura como quase nós passamos aqui. Ganhar a eleição, e ganhar por tão pouco não foi uma solução definitiva.
Terra: Você disse que oficialmente não há nada sobre mudança ministerial. O senhor espera que alguém o procure ou vai procurar alguém do governo?
Imagino que se realmente houver uma necessidade, que o partido seja contactado a esse respeito. Sempre foi [contactado] para montagem, para desmontagem também suponho que seja eu ouvido pelo menos.
Terra: E o partido está disposto a aceitar qual espaço, se for necessário mudar?
A mudança é uma decisão exclusivamente do presidente [Lula]. Se ele quiser mudar, ele vai mudar. Agora, a posição do PSB é manter os espaços que já tem. Se o presidente quiser mudar, é direito dele. Pode mudar um, dois, três, todos, nenhum. Ele que decida o que quer mudar e o que não quer. Agora, não quer dizer que nós estejamos de acordo.
Terra: E isso pode ter que tipo de consequência?
Não posso antecipar nenhuma consequência porque, como lhe disse, sequer fui comunicado sobre qualquer tipo de mudança. Então também não vou falar sobre hipótese. Na hora que for informado que a mudança é assim, eu vou dizer [ao presidente] o que eu estou te dizendo.
Os três [ministros] estão todos se saindo muito bem, são quadros excepcionais que não têm problema no âmbito governamental, não vejo nenhuma razão para mudar nenhum deles.
Terra: Há um incômodo em ver essas notícias sendo publicadas há pouco mais de um mês e não ter uma conversa com o governo? Como que o senhor se sente sabendo pela imprensa?
Isso é um processo terrível que se criou. Essa história, que apelidaram de fritura das pessoas. Se quer mudar é muito simples, é chamar, explicar e fazer a mudança. Não há nada de espetacular. É desnecessário esse período longo de especulações com o nome das pessoas que ‘sai Fulano, sai Beltrano’. Eu acho muito desagradável, francamente falando.
Eu fui procurado pela presidente [do PT] Gleisi [Hoffmann] para uma conversa, não sei se será sobre isso. Ela não me antecipou o assunto. Até o momento que falo contigo, não há nenhuma conversa a esse respeito de mudança de ministro.
Terra: E para quando é a conversa?
Amanhã [hoje] ou segunda-feira (24).
Terra: Qual o risco o governo corre com a saída do PSB com a troca de ministros, das mudanças?
Se houver [mudança em] qualquer um dos três, perderia o governo e o próprio país, porque não vejo nenhuma razão para tirar nenhum deles. Isso não é um assunto decidido pelo partido, é um assunto decidido pelo presidente da República.
Terra: Algum dos ministros do partido ou lideranças procuraram o senhor para falar dessa situação?
Não, porque nenhum deles foi procurado [pelo governo] sobre isso também. Eles sabem tanto quanto eu, pela imprensa, dessa eventual mudança. Não há razão para ficar decidindo, se pautando por notícias plantadas na imprensa. Deixa que o presidente se pronuncie, mande chamar, mande um emissário, fale.
Terra: Em uma entrevista à Folha, o líder do Governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) disse que o governo está em um processo de um novo ciclo de diálogo e construção de uma frente. Mas esses partidos estavam na eleição com Bolsonaro [interrompe]
Estavam com Bolsonaro e estarão daqui a três anos, provavelmente com o adversário de Lula ou do seu sucessor. Um é o partido do governador de São Paulo [Republicanos] e outro [PP] é um partido que também está em todos os governos. É uma escolha política, cada um tem uma compreensão da realidade.
Eu tenho a minha, Guimarães tem a dele. Em geral, os políticos profissionais acham que o sistema político está funcionando bem, né? Ainda não descobriram porque surgiu Bolsonaro. Será que foi pelos acertos ou pelos erros de todo sistema, sem exceção?
Terra: A conjuntura política faz o presidente Lula precisar negociar com esses partidos?
Negociar precisa e tem sido negociado. Ele acabou de fazer a mudança na Constituição com quórum altíssimo, sem precisar de ministério. Eu não sei se ele avalia que precisa [negociar] ministérios, ou se ele assumiu algum compromisso para ter esse apoio em troca de ministérios. Não tenho essa informação. Precisa ter transparência de dizer ‘olha, quero porque aceitei o apoio em função disso’.
Terra: O PSB merece um espaço maior no governo?
Estamos satisfeitos, queremos apenas manter, só isso. Minha avaliação é de que estamos correspondendo ao espaço que temos e que são ministros excelentes que precisam ser mantidos. Se o presidente acha diferente, ele que diga ou comunique.
Terra: Sinto que tem um ambiente com um pouco de incerteza no ar.
Não tenho nada a reclamar a esse respeito. Para formar o governo, conversaram com o PSB. Não estou reclamando, não. Estou achando que se aprofunda a anomalia de um sistema político um pouco carcomido que precisa se aperfeiçoar. Mas se querem colaborar para que isso continue, que façam. A responsabilidade é de quem faz.
Terra: Sobre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ele é forte pelo apoio que conquistou ou pela estrutura que permite isso na Câmara? A estrutura vai fazer qualquer presidente da Câmara tão forte quanto ele?
Política é realidade. Sendo presidente da Câmara, é uma liderança forte e precisa negociar com ele, não sei se necessariamente dar ministério, mas negociar. Se negocia até com a oposição, não há problema. Mas se faz aliança em torno de ideias. Você pode ocupar ministério em torno de um programa. Não sei se existe esse compromisso do Centrão em adotar o programa do governo.
Terra: Pelo que se lê na imprensa e apurando parece que não.
Pois então, você disse bem, “parece”, não está claro para ninguém. Não há transparência sobre isso e é preciso ter. É preciso ver o imediatismo e ver, ao menos, o médio prazo, já que não querem ver a longo prazo. O que pode ocorrer politicamente?
Se você coloca eles [Centrão], está os fortalecendo muito. Eles sabem muito bem como utilizar essas coisas [estrutura do governo], têm prática, são profissionais da política. O governo, tem que fazer essa avaliação. É uma avaliação sobre que rumos se quer dar para política brasileira. É uma avaliação que merece um aprofundamento maior, não é uma coisa banal de troca de cargos.